A DESMITOLOGIZAÇÃO DE RUDOLF BULTMANN:
ANÁLISE E CRÍTICA
INTRODUÇÃO
Dentre suas diversas ideias teológicas de
Bultmann é mais popularmente conhecido por sua proposta a “desmitologização” do
Novo Testamento. Para este teólogo alemão, os eventos narrados no Novo
Testamento estão marcados por narrativas sobrenaturais, que os mesmos não devem
ser reconhecidos com créditos, mas antes deveriam ser lidos e interpretados à
luz da mitologia da perspectivas do pensamento oriental da época.
Os milagres e eventos sobrenaturais,
portanto, não deveriam ser entendidos como eventos históricos, mas sim como
histórias mitológicas que devem ser eliminadas a fim de chegarmos às verdades
que estariam inseridas por detrás delas. Pois para Bultmann o homem moderno,
devido ao ambiente avançado pela tecnologia e da sua capacidade de desvendar e
desconstruir o que era mistério pelos supersticiosos antigos, proporcionado
pela ciência, de não aceitar mais linguagens mitológicas. Pois para o homem/mulher
secularizado os elementos mitológicos das escrituras, fruto de uma cultura
passada há quase dois mil e quinhentos anos não fazem nenhum sentido.
Daí
o nome “desmitologização”. Neste processo houve quem apoiasse, e acompanhasse a
proposta de Bultmann, mas também não deixou de haver aqueles que não
concordaram com sus proposta, podendo ver tanto na ala liberal, e
principalmente no centro dos conservadores teológicos. Vale destacar que os
excessos da teologia liberal provocaram a reação do mais conservadores da
Igreja, os quais viam na postura liberal, um desleixo e superposição do homem,
em detrimento da santa doutrina dos pais apostólicos, perdendo assim o controle
sobre a Igreja e colocando de lado a tradição. A leitura literal das Escrituras
sem o seu devido processo de atualização é comprovadamente desastrosa.
Embora o processo de demitologização
possa parecer mais uma ferramenta anacrônica da teologia liberal, com certeza
interessa àqueles que buscam uma religiosidade mais consistente ao seu entendimento
do que a falsos profetas e seus sinais. Bultmann apresenta o conceito de sacrificium
intellectus: o esforço do homem de hoje para aceitar a concepção mítica
neotestamentária
Seguindo seus conceitos exegéticos,
Rudolf Bultmann tenta eliminar os pressupostos culturais do Novo Testamento a
fim de obter a mensagem salvífica de forma inteligível ao homem moderno. Esta
tarefa de releitura existencial do texto bíblico é apresentada como o programa
de demitologização. Mas ambos reconhecem inúmeras outras contribuições deixada
pela Desmitologização de Bultmann.
Devido sua teologia perpassar o tempo,
ela chega a uma nova crise, por sua proposta excessivamente objetiva, o
ambiente pós-moderno valoriza os contornos subjetivos. Bultmann com sua
teologia existencialista consegue neste meandro
ir superando e se atualizando a este ambiente novo no cenário do
pensamento.
Através de uma metodologia analítica de
sua bibliografia traduzida para a língua portuguesa, procura-se destacar alguns
princípios de sua proposta, e igualmente observamos aqueles que a refutam e a
desconsideram.
1. A FORMAÇÃO DE RUDOLF BULTMANN
1.1. A INFLUÊNCIA PESSOAL NA VIDA DE
BULTMANN
Rudolf Karl Bultmann (1884-1976) nasceu
no dia 20 de agosto em Wiefelstede, no que era conhecido como o grão-ducado de
Oldenburg. Seu pai, Arthur Bultmann, era um pastor evangélico-luterano, seu avô
paterno, um missionário na África, e seu avô materno, um pastor da tradição
pietista. Assim, o jovem Rudolf veio de uma linhagem familiar fortemente
investida no meio teológico de seu tempo. O gradual movimento dessa família em
direção ao liberalismo protestante - especialmente por parte de seu pai -
provaria ter um impacto significativo sobre esse jovem futuro teólogo.
1.2. A FORMAÇÃO ACADÊMICA DE BULTMANN
A educação de Rudolf começou no Ginásio
humanista em Oldenburg; Aliás, ele estudou ao lado do futuro filósofo Karl
Jaspers, que estava apenas alguns anos à frente do jovem Bultmann. Após sua
graduação, ele estudou teologia nas Universidades de Tübingen, Berlim e
Marburg, respectivamente. É importante notar que todas essas três instituições
estavam fortemente comprometidas com a teologia liberal. Sua maior influência
veio de Marburg, incluindo o teólogo sistemático e liberal Wilhelm Hermann e os
estudiosos neotestamentários Johannes Weiss e Wilhelm Heitmüller da escola de
história das religiões.
Bultmann recebeu seu doutorado em 1910 de
Marburg e, dois anos depois, qualificou-se como instrutor. Em 1916, ele aceitou
um cargo de professor assistente em Breslau, onde se casou e teve duas filhas.
Quatro anos depois, ele foi para Giessen para ser professor titular. Apenas um
ano depois, no entanto, ele retornou a Marburg, onde ele aceitou sua última
cátedra, sucedendo Heitmüller como a cadeira do Novo Testamento. Entre os
colegas que Bultmann havia Rudolph Otto (que sucedeu Hermann) e Martin
Heidegger (que esteve em Marburg de 1922-1928). Além disso, Karl Barth e
Friedrich Gogarten lecionaram em Marburg. Todos os quatro influenciariam a
teologia subsequente de Bultmann, cada um à sua maneira.
Rudolf Bultmann é um dos teólogos mais
influentes e estudiosos bíblicos do século XX.
Conhecido por suas contribuições eruditas para ambas as disciplinas, ele
sintetizou seus amplos esforços em uma visão teológica unificada e provocativa.
Ele é talvez mais lembrado por seu chamado para desmitificar o Novo Testamento,
para que o Evangelho cristão possa ser, segundo sua teologia, de suas
aparências mitológicas.
Mondin relaciona as principais obras de
Bultmann, em 1921, publicou uma de suas obras mais significativas, a célebre
Die Geschichte der Synoptischen Tradition (História da Tradição Sinótica); Em
1926, publicou um livreto intitulado Jesus, em que apresentava a mensagem de
Jesus em termos existencialistas. Em 1941, Bultmann publicou Neues Testament und Mythologie (Novo
Testamento e Mitologia), o célebre ensaio em que lançou o famoso programa de
demitização do Novo Testamento.
2. OS PRINCIPAIS PENSAMENTOS DE RUDOLF BULTMANN
2.1. KERYGMA COMO FONTE DA FÉ
A teologia de Bultmann é
a união filosófica existencialista de Heidegger, alguns ainda acrescentariam de
Sören Kierkegaard,
com a teologia luterana da cruz de Cristo, conforme explica Mondin "O fato
de recolher donativos junto com o sacristão, depois da homilia aos domingos,
também confirma como a especulação filosófica nunca se separou da vida
religiosa concreta em Butlmann".
Ele viu esse evento não como um evento primordialmente histórico, mas como um
evento existencial. A vida e a morte de Cristo, proclamadas no kerygma, formam
o catalisador da crise existencial que reconcilia a humanidade com Deus. O
kerygma sobrevive, portanto, independentemente da questão histórica de Jesus e
das próprias reivindicações do messianism de Jesus. De
fato, Bultmann sentia que a fé cristã não existia até que o kerygma fosse
formado (ie, o kerygma proclamando Jesus Cristo, o Crucificado e Ressuscitado,
para ser o ato escatológico de salvação de Deus), uma realização que Bultmann
cede amplamente aos desenvolvimentos teológicos, do apóstolo Paulo.
Segundo Bultmann, podemos conhecer a
revelação somente através da mediação da linguagem. A linguagem, por sua vez, é
afetada pelas formas culturais nas quais ela surge. Portanto, a fim de
compreender o kerygma da igreja primitiva, deve-se examinar as condições
existenciais dominantes na cultura de origem da igreja.
Assim, em sua busca pelo kerygma do
cristianismo, Bultmann examinou, além do cristianismo, religiões helenísticas
contemporâneas como o judaísmo apocalíptico, o culto astral e o gnosticismo (para
citar alguns). Ele observou que cada um deles contava histórias míticas sobre
batalhas cósmicas entre as forças do mal e do bem. As notáveis semelhanças
entre essas histórias levaram Bultmann a concluir que o próprio cristianismo
era "um notável produto do sincretismo" (BULTMANN 2004,p.40) . Ou
seja, a mentalidade mitológica tão comum entre as outras religiões nos dois
primeiros séculos, sem dúvida, impactou a mentalidade do cristianismo de tal
forma que sua própria mentalidade era comparativamente mitológica. Portanto,
Bultmann achava que não era surpresa ver as origens do kerygma imbuído dessas
formas mitológicas de pensamento.
Mas, apesar das muitas semelhanças entre
o cristianismo e as outras religiões helenísticas - particularmente o
gnosticismo -, Bultmann argumentou que o núcleo teológico do próprio kerygma
era único do cristianismo e, de fato, independente de qualquer cosmovisão
mitológica. Esse núcleo era a proclamação de que Deus, como o que é a base do
"mundo" de qualquer pessoa, havia enviado Jesus para levar a
humanidade à consciência de sua própria finitude e, portanto, à dependência de
Deus.
Finalmente, o kerygma, como a igreja o
recebe, está enterrado na estrutura mitológica de suas raízes. No entanto,
apesar de sua estreita conexão com a Palavra no Novo Testamento, o kerygma não
pode ser confinado a qualquer fórmula sagrada do passado. Como mencionado
acima, o kerygma se torna a palavra libertadora de Deus somente quando é
ouvido, somente quando confronta as pessoas em sua situação concreta e exige
uma decisão. Assim, o kerygma nunca pode ser consertado porque está sempre se
estendendo a novas pessoas e, portanto, sua linguagem sempre refletirá os
contextos mutáveis das pessoas que o ouvem. Este problema foi particularmente
preocupante para Bultmann e, portanto, receberá atenção detalhada abaixo.
2.2 A NECESSIDADE DA DESMITOLOGIZAÇÃO
Bultmann primeiro propôs o conceito de
desmitologizar o Novo Testamento em uma palestra de 1941, publicada como o
ensaio "Novo Testamento e Mitologia". O
ensaio provocou uma controvérsia acalorada na Alemanha. O alvoroço em torno da
desmitologização era irônico porque o programa não apresentava ideias que não
estivessem contidas nos trabalhos anteriores de Bultmann. De fato,
"desmitificar" era novo em sua teologia apenas como uma palavra. Mas
o projeto em si foi importante porque permitiu-lhe sintetizar vários temas de
sua teologia em uma abordagem teológica. O objetivo de desmitificar o Novo
Testamento era exatamente como a palavra sugere: a remoção da mitologia do
kerygma cristão. É na análise de exatamente o que Bultmann considerou mitologia
que vemos seus antigos temas aparecendo.
Para Bultmann, o “conteúdo real” ( sache
) da proclamação do evangelho sobre Jesus está intimamente ligado às
cosmologias pré-científicas do antigo mundo judaico e grego. Por exemplo,
diz-se que Jesus subiu ao céu porque foi pensado para se sentar, literalmente,
acima da terra. Bultmann argumenta que não se pode esperar que o cristão
moderno leve esse mundo mítico a sério, e assim “não há nada a fazer senão desmitologizá-lo”
.
Desmitologizar não era uma ideia nova na erudição teológica alemã. Os liberais
protestantes da Alemanha do século XIX haviam oferecido uma crítica semelhante,
embora na opinião de Bultmann eles tivessem falhado. Na tentativa de limpar o
Novo Testamento do pensamento ultrapassado, eles eliminaram o kerygma, uma
palavra grega que Bultmann identifica com “a mensagem do ato decisivo de Deus
em Cristo” (Bultmann 1999, 12).
Bultmann argumentou que a desmitologização
não significa a eliminação de todas as histórias mitológicas do Novo
Testamento. Pelo contrário, é um método de interpretação que reconhece a
mitologia e rejeita qualquer tentativa de atribuir um significado final a ela.
Como tal, a desmitologização é apenas o passo negativo de um método de
interpretação mais abrangente que Bultmann havia proposto por muitos anos antes
de introduzir a palavra "desmitologizar", a interpretação
existencialista das escrituras. Por exemplo, retornando ao exemplo da escatologia
de Jesus, Bultmann desmistifica a escatologia de Jesus para que sua análise
existencialista possa descobrir seu verdadeiro significado e significado. Para
Bultmann,
Em segundo lugar, Bultmann via a
mitologia como um modo particular de pensar sobre Deus. A mitologia usa
conceitos e imagens objetivas para entender o que transcende o mundo. Assim, a
mitologia fala de Deus em termos de espaço (céu) e tempo (escatologia), quando
na verdade essas categorias só podem distorcer a realidade de Deus. Nesse sentido,
o pensamento mitológico não se limita a um certo tempo na história, mas é
prevalente em todas as épocas, desde os cristãos antigos até o protestantismo
liberal. Ao mesmo tempo, Bultmann pode falar sobre a desmitologização de Paulo,
apesar de sua visão de mundo mitológica porque Paulo desobjetivou uma
compreensão prévia de Deus. Entendida desta maneira, a desmitologização é uma
rejeição do pensamento objetivador sobre Deus e de qualquer filosofia que não
reconheceria Deus como totalmente Outro.
Para Bultmann, a filosofia que melhor
entende a existência humana é o existencialismo do filósofo alemão Martin
Heidegger. Bultmann rejeita a acusação de que ele está traduzindo o kerygma em
uma estrutura filosófica alienígena, a demitologização procura atualizar a
mensagem bíblica de não perder o seu sentido original. É uma tarefa, que requer
uma hermenêutica adaptada com lentes focadas no pensamento e vivência do século
XXI.
Considere alguns exemplos de
desmitologização. Bultmann rejeita qualquer relato sobrenatural do pecado
original de Adão e, ao invés disso, localiza o pecado na recusa humana em
aceitar o dom da existência autêntica. Da mesma forma, viver a vida “de acordo
com o Espírito” não se refere a nenhuma influência sobrenatural, mas descreve
“uma vida humana genuína” que vive “do que é invisível e não descartável e,
portanto, entrega toda segurança auto-planejada” (BULTMANN, 1999, 132). O
julgamento de Deus ao qual a Escritura se refere, “não é um evento cósmico que
ainda está para acontecer, mas é o fato de que Jesus veio ao mundo e fez o chamado
para a fé” (Bultmann 1999, 19). E o significado de Jesus não se encontra em sua
suposta consternação de um Deus irado, mas no fato de que através dele “nossa
vida autêntica torna-se uma possibilidade de fato para nós somente quando
estamos livres de nós mesmos” (Bultmann 1999, 30). Bultmann reconhece que nem
todo o Novo Testamento pode ser traduzido dessa maneira (o próprio Bultmann se
concentra principalmente em João e Paulo), mas ele acha que isso é um sacrifício
necessário para que a mensagem kerygmática seja esclarecida.
2.3. DEUS O ‘OUTRO’.
A invisibilidade de Deus exclui todo mito
que tenta torná-lo e a seus atos visíveis. Por causa disso, no entanto, também
exclui toda concepção de invisibilidade e mistério que é formulada em termos de
pensamento objetivo. Deus se retira da visão objetiva: ele só pode ser
acreditado em desafio a toda aparência externa, assim como a justificação do
pecador só pode ser acreditada em desafio às acusações da consciência.
Para Bultmann, se a atividade de Deus não
é visível ou está aberta a provas como entidades mundanas, se o evento de
redenção não é um processo verificável, se, podemos acrescentar, o Espírito
concedido ao crente não é um fenômeno suscetível a apreensão mundana, se não
podemos falar dessas coisas sem falar de nossa própria existência, segue-se que
a fé é uma nova compreensão da existência, e que a atividade de Deus nos
concede uma nova compreensão do eu.
A proposta do autor de que a ação de Deus
na história não é suscetível à comprovação científica, de certa forma, faz jus
à finitude divina que não pode ser compreendida de forma exaustiva pela razão
limitada humana. Todavia, no pensamento bíblico, a natureza e o curso da
história revelam a existência e poder do Criador:
Somado a isso, Bultmann alega serem
ilegítimas as concepções bíblicas cultual, em que Deus oferece seu filho como
vítima propiciatória, e jurídica, a não ser que sejam vistas como símbolos da
fé.
Assim, surge a questão sobre o modo pelo qual o autor aplicaria a
desmitologização às afirmações joaninas de Cristo como o sacrifício ou
propiciação pelos pecados dos homens (Jo 1.29; 1 Jo 2.1-2; 4.10), ou ao
conceito forense da justificação humana pela fé em Cristo, desenvolvido por
Paulo (Rm 1 – 5).
O evangelho pode ainda ser um ' escândalo
', causando ofensa às pessoas modernas, como aconteceu em Corinto (1 Cor. 1: 23
), mas, de acordo com Bultmann, seu evangelho desmitificado pelo menos coloca o
'escândalo' no lugar certo .
3. REFUTAÇÕES A O PENSAMENTO DE BULTMANN: REAÇÕES DOS FUNDAMENTALISTAS
Os críticos perguntam: a desmitologização
reduz a mensagem cristã a um produto do pensamento racional humano? "De
maneira nenhuma!", Responde Bultmann em Jesus Cristo e na mitologia,
"desmitologizar deixa claro o verdadeiro significado do mistério de
Deus".
Paul Enns, professor e diretor da
Extensão Tampa do Seminário Teológico Batista do Sudeste, insiste que “a
verdadeira fé cristã está ancorada na história e tem validade histórica”,
em contraste com o evangelho bultmanniano, que "É uma proclamação de mito
que oferece pouca esperança".
Enns argumenta que a limitação do
discurso teológico à dimensão da existência humana trunca a realidade eterna de
Deus e as ações de Deus no mundo. Ele então se tornou o João Batista para o
movimento Deus-é-Morto dos anos 1960.
Na visão de Willian E. Hordern,
Rodolf Bultmann mesmo rompendo com Barth, permanece na neo-orotdoxia
(2011,107), pois reconhece os fatos bíblicos, que são visíveis pelos milagres,
sendo que estes milagres seriam uma invenção autoral do que acontecimento de
sí, por isto “a revelação é contemplada somente através dos olhos da fé”
(p.107).
Continuando com Willian E. Hordern, em sua
teologia Rodolf Bultmann está intimamente relacionada com sua erudição histórica,
foi um dos eruditos do Novo Testamento que tomou a dianteira no desenvolvimento
do que se conhece como “crítica da forma”, onde a forma parte da suposição da
existência de leis que determinam o desenvolvimento das tradições oralmente
transmitidas.
O labor do crítico formal é mostrar que a
mensagem de Jesus, tal como temos nos sinóticos, é em grande parte espúria,
tendo sofrido acréscimos por parte da comunidade cristã primitiva. Com respeito
à confiabilidade da Bíblia, Bultmann vai mais além, e afirma que a Bíblia não é
a Palavra inspirada de Deus em nenhum sentido objetivo. Para ele, a Bíblia é o
produto de antigas influências históricas e religiosas, e deve ser avaliada
como qualquer outra obra literária religiosa antiga.
A premissa fundamental da crítica formal
é que os evangelhos são o produto do labor da igreja primitiva. Os autores dos
evangelhos procuraram unir várias tradições orais independentes e
contraditórias que existiam na igreja antes que fosse escrito o Novo
Testamento. Essas tradições orais também não são dignas de confiança,
consistindo basicamente de ditos e relatos individuais referentes a Jesus e aos
seus discípulos. A igreja ajuntou essas tradições e usou em forma de narrativa,
inventando lugares, tempos e enlaces para unir as tradições independentes.
Frases como as dos Evangelhos, “em um barco”, “imediatamente”, “no dia
seguinte”, “em uma viagem” – são apenas meros recursos literários usados pelos
compiladores dos Evangelhos para unir todas as narrativas, inclusive histórias
independentes acerca de Jesus. Como disse K.L. Shimidt, um dos pioneiros no
campo da crítica, nós “não possuímos a história de Jesus, temos apenas
histórias sobre Jesus”.
O propósito da crítica formal é encontrar
o Evangelho por detrás dos Evangelhos. Segundo os seus proponentes, os quatro
Evangelhos que dispomos servem apenas como “matéria prima” na nossa busca pelo
verdadeiro Evangelho, que teria sido anterior aos quatro Evangelhos canônicos e
diferente dos mesmos, partindo da premissa de que a igreja primitiva compilou,
editou e organizou os livros canônicos de forma artificial, de acordo com seus
próprios propósitos apologéticos e evangelísticos.
Para dar aos Evangelhos um detalhe harmônico, teriam sido acrescentados
detalhes quanto à sequência, cronologia, lugares, etc. Segundo a crítica
formal, tais detalhes não são confiáveis. A Bíblia, tal como a temos hoje seria
apenas uma compilação de lendas e ensinos isolados que foram ardilosamente
inseridos como sendo parte da história original. Milagres, histórias
controvertidas e profecias cumpridas seriam nada mais que uma tradição
proveniente de uma fonte tardia e menos confiável.
Segundo Hordern os relatos de criação na
perspectiva de Bultmann, não é nenhuma teoria cosmológica que trate da origem do
universo. Ao confessar as convicções relativas
à existência de Deus como criador, o que está
expresso efetivamente é o sentimento de finitude e a convicção de que a
origem do mundo no qual existe encontram-se
fora de mim e do mundo que me cerca. A criação não é nenhuma noção descritiva de
acontecimentos passados, mas, sim, uma noção que implica em reconhecimento de
que a vida que está vivendo, sendo assim é uma experiência “inquietante”, isto
é, uma experiência pela qual gera o sentimento de amedrontado e aterrorizado.
Mediante a noção de criação, por fim para Bultmann não somos mero produto de
uma série casual, pois somos, também um agente livre que se sente chamado a
tomar decisões.
Com esta afirmativa Bultmann faz uma
leitura existencialista da criação, não se preocupando com o relato se é
verdadeiro, mas a de que este relato criacionista nos dá a liberdade necessária
a o ser, logo o relato da criação não é importante a preocupação de sua
evidência histórica, mas a de como esta está implícita na minha construção
pessoal.
Sua abordagem mas próxima de Soren
Kierkegaard oferecida por Bultmann vem a
ser que não podemos garantir que quando dizemos “saber”, temos presente no
raciocínio a maneira desse saber. Autenticidade consiste, na segurança
depositada na fé. A fé implica em que o crente se expõe a riscos. Os liberais, na
acusação de Bultmann na verdade, perderam de vista a fé neotestamentária de
que, em Cristo, Deus agiu apontando, a salvação do homem.
Os mitos exarados no Novo Testamento
deverão então ser considerados de modo existencial, temos que compreender a
própria existência que os escritores do Novo Testamento desejaram patentear
através dos mitos.
Outro crítico que podemos fazer uma
análise de sua contribuição de interpretação deste teólogo é Vernon C. Grounds
trará uma análise sobre Bultmann no livro Teologia Contemporânea, organizado
por Stanley Gundry, no capítulo sobre Os Precursores da Teologia Radical dos
Anos 60 e 70, o qual menciona Bultmann como um: possante influenciador da
turbulência dos anos 60 e 70 da Teologia Radical.
Para Grounds o resultado dessa
metodologia é essencialmente anti-sobrenaturalista. Para Bultmann, o que temos
nos Evangelhos canônicos são apenas resíduos do Jesus histórico. Não há dúvida
que Jesus viveu e realizou muitas das obras que lhe são atribuídas, mas ele se
mostra extremamente cético, principalmente quanto à possibilidade do
sobrenatural e do chamado “Jesus histórico”. Ele disse: “Creio que não podemos
saber quase nada acerca da vida e personalidade de Jesus, já que as fontes
cristãs primitivas não se interessam por isso, sendo fragmentadas e lendárias,
e não existem outras fontes acerca de Jesus”. É claro que o comentário de
Bultmann é preconceituoso e tendencialista, pois há menção da pessoa de Cristo
nos escritos dos Pais apostólicos, Flávio Josefo e Tácito, entre outros.
Não poderíamos deixar de citar Hernan N.
Ridderbos (1960) consegue construir diversos aspectos da teologia liberal, que
Bultmann tanto critica, primeiro aspecto da influência de Bultmann é o seu
vasto uso do método da história das religiões, mostrando a existência de
relações entre o Novo Testamento e as religiões não cristãs (isto se dá por sua
convivência pessoal com Rudolf Otto).
Outra característica liberal em Bultmann denunciada
por Ridderbos , é o que contava não era a pessoa de Jesus, e sim a sua
pregação. A pregação de Jesus (kerigma) era a forma como podíamos chegar a um
evangelho original.
Ridderbos afirma que devemos levar em
conta que para Bultmann essa pregação só podia ser reconstituída a partir da
tradição da igreja primitiva.
Esse é o ponto inicial da crítica, pois a partir daí, buscar-se-á a forma que
originou tal pregação; para isso Bultmann recorre à tradição da igreja
primitiva, que antecede os relatos históricos que encontramos nos evangelhos
sinóticos.
Por isso Bultmann nos diz que é a partir
do kerigma da comunidade primitiva, por tanto, que começa a reflexão teológica,
que começa a teologia do N.T. propriamente dita, esse método de investigação é chamado
crítico-histórico-formal. Sérias críticas tem sido, conforme denúncia Ridderbos, feitas à crítica da forma e a
Bultmann uma das principais, é que o seu radicalismo crítico e o exagerado
cetismo com respeito a autenticidade histórica e da tradição sobre Jesus, é o que
tem feito com que, principalmente a história das formas, tenha caído em
descrédito.
A concepção de Bultmann é uma tentativa
de efetuar uma síntese da fé cristã e da filosofia da imanência.
Na filosofia existencialista considera-se
a auto-rendição ao alcance do homem, levando assim a salvação uma construção
antropológica, e nunca divina, pois este jamais interfere nesta vida.
O homem é levado a decisão e liberdade
somente pelos apelos de Deus. Neste ponto que Bultmann funde a fé cristã ao
existencialismo, e na medida em que alguém tiver tal concepção como cristã, vai
achar a base aí para ela.
Passemos a considerar a análise crítica
de Grenz e Olson, inicialmente consideram sua exegese
unilateral, para estes autores o excesso do existencialismo a uma tendência á
simplificação extrema construindo uma teologia unilateral. O
esquema de existência humana também resultou numa separação muito radical entre
os acontecimentos históricos do passado e as experiências contemporâneas de fé.
Para GRENZ E OLSON, Bultmann foi longe demais em sua tentativa de livrar a fé
da dependência das descobertas da pesquisa histórica. Mesmo mantendo a
importância da cruz de Jesus para a fé, ele ainda assim tomou o conteúdo da
vida de Jesus irrelevante, ao considerar a fé exclusivamente como resposta à
mensagem que Deus havia proferido em Cristo.
Outro ponto denunciado por GRENZ E OLSON,
é a construção de uma fé privatizada, eles entendem que a mensagem bíblica “não diz respeito apenas à esfera privada de
decisão individual, mas dirige-se à vida como um todo”,
pois não conduzia a uma santificação, à dinâmica do viver cristão em si e do
crescimento espiritual como discípulos do Senhor dentro de um relacionamento comunitário
uns com os outros e com o mundo.
O último equívoco elaborado por GRENZ E
OLSON é o desenvolvimento de um Deus limitado:
Bultmann equivocou-se quando afirmou que
esse Deus só pode ser conhecido à medida que ele age dentro do indivíduo, ou
seja, à medida que ele cria a existência autêntica, de modo que a teologia
torna-se a reflexão sobre a experiência do encontro que leva à existência
autêntica.
Devido a isto Bultman transfere todo
labor teológico a subjetividade humana, com isto cada indivíduo é um compêndio
teológico, levando a desconexão sistemática de se conhecer a Deus,
interrompendo a crença da revelação progressiva nas Escrituras.
Para Bultmann Jesus é o modelo da ação
existencial perpetrada por Deus na história da humanidade, pois ele, Jesus, é o
modelo verdadeiro da construção existencial que em cada um de nós deve ser
realizado. Levando assim que a única importância de Jesus, não é sua obra, nem
crer em sua deidade, mas que Jesus é o modelo estabelecido por Deus a cada
cristão, em sua experiência com Deus.
No final GRENZ E OLSON, afirmam que para Bultmann
não se pode falar de Deus a não ser em relação ao ser humano, e que Deus não
age no mundo a não ser na esfera privada da fé pessoal, as dimensões mais
amplas da transcendência de Deus face a face com sua criação acabam sendo eliminadas
do campo de atuação do teólogo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
. A conclusão a ser extraída dessas e de outras
afirmações na teologia existencial de Rudolf Bultmann é que seus escritos
teológicos são um gênero de ficção religiosa, e não um gênero da verdadeira
teologia cristã. O que é mais, um
"ato de fé" existencial pelo qual uma pessoa nega a existência
objetiva de Deus e de todos os outros objetos da fé cristã convencional,
enquanto ele simultaneamente se esforça por constantemente repetidos atos da
vontade de alcançar sua própria "existência autêntica" é, no fundo, uma
relação ao modernista, uma perversão da mente e um estado de orgulho.
Contudo,
toda a teologia de Bultmann é de difícil aceitação, principalmente pelo
contraste em que há entre o seu moderno pensamento racional e a mais pura
característica da fé. Para Bultmann, a demitização é intencionada para manter
pura a mensagem revelada e também o seu entendimento. Para ele, em alguns
momentos, essa mensagem correu o risco de perder todo o seu sentido devido
“poluição” ocasionada pela introdução de elementos estranhos que estavam
trazendo, segundo ele, perigo à eficácia da mensagem. Para ele, na briga entre
a fé e a razão, quem sai vencendo é a razão.
Poderíamos dizer ainda que toda a
demitização bultmanniana está baseada na firme crença de que toda a
historicidade e todo o sobrenatural faz parte da estrutura, da forma, e nunca
da essência da revelação; os cristãos primitivos tinham em função disso uma visão
mítica e metafísica, que não deixa de ser científica filosófica natural de seu
tempo, e q eu hoje, debaixo de toda uma visão racional, inteligente e capaz de
demitizar, deve ser reinterpretar para a preservação da pura mensagem cristã.
A teologia de Bultmann cairia em um
ostracismo na era pós-moderna, onde não acreditam que a objetividade realmente
existe de uma maneira significativa, e não acreditamos que a ciência sempre
faça as coisas certas. Além de não terem nenhum problema com a noção de
milagres, mesmo que a ciência diga que eles não podem acontecer. Isso é
simplesmente o que faz dele um milagre.
Nem sempre se concorda com todas as
leituras existencialistas de Bultmann, gerando a perspectiva de que não há a
possibilidade de interagir com Jesus através do texto. Isto seria a um
pentecostal, com eclesiologia um tanto encarnacional, em que acreditamos que há
interação com Jesus através do Espírito Santo, um insulto e uma fé equivocada.
Mas mesmo que não venhamos a concordado
em tantos assuntos importantes, existe uma gratidão a Bultmann por seu
trabalho: ele mostrou que há mais de um nível de verdade (literal / histórico e
espiritual / existencial / simbólico), e que todos os níveis de verdade são
incrivelmente valiosos!
Nisto Bultmann construiu que as verdades
das Escrituras não dependem inteiramente de sua historicidade; mas, no entanto,
acreditando que sua historicidade lhes dá um elemento poderoso e concreto que
acrescenta muito valor e força à fé, e mais ainda ao um relacionamento com Deus
que verdadeiramente e literalmente pode ser compreendido.
O existencialismo de Bultmann trouxe a
perspectiva que não há a necessidade de sermos ressuscitado fisicamente para
que o significado desta vida e morte seja completo. Em relação aos milagres,
que na sua negação não extirpou o entendimento da grandeza e preocupação deste
Deus em relação à humanidade, e assim apreciar a proximidade de Deus em cada um
dos cristãos, e ainda assim sabedor que toda experiência concreta de Deus
através do milagroso sempre mudará as convicções.
REFERÊNCIA
ALTMANN, Walter. "Introdução",
In: BULTMANN, Rudolf. Crer e compreender: ensaios selecionados. Edição revista
e ampliada. Tradução de Walter Schlupp, Walter Altmann e Nélio Schneider. São
Leopoldo: Sinodal, 2001.
BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo
Testamento, trad. Ilson Kayser. São Paulo: Teológica, 2004.