Introdução à Filosofia da Religião
Algumas perspectivas acerca da religião A religião, como fenômeno humano, está presente na
história de
todos os povos ao longo de todos os tempos. Essa presença, longe de ser
secundária, estruturou — e ainda estrutura — culturas, sendo-lhes geradora
de sentido e plausibilidade. Exatamente por isso, a religião vem sendo
estudada pelas mais diversas expressões da ciência, sobretudo das
ciências humanas e sociais. Dentre essas, queremos destacar algumas: teologia,
apologética, fenomenologia e filosofia. Sem dúvida, ao longo
da História foram essas expressões da ciência que de forma mais contundente
se debruçaram sobre o estudo do fenômeno religioso.
• Teologia:
estuda os fatos da experiência que
são interpretados em forma de doutrina. “Como ciência, a teologia parte do dado
da fé; por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da relação que ele
estabelece com o ser humano.[1]” A teologia como ciência utiliza os dados da fé (da
revelação), mas se fundamenta na razão: seu ponto de partida é a fé, mas seu
método é racional.
• Apologética:
demonstra que determinada
perspectiva (doutrina) da teologia é a verdade. Defende a veracidade daquilo
que é crido em determinada denominação e expresso num código ou declaração doutrinária.
“Algumas pessoas fazem distinção entre apologética positiva, que se propõe a
provar a verdade do cristianismo, e apologética negativa, que apenas procura
remover as barreiras à fé respondendo às críticas.”[2]
• Fenomenologia
da religião: estuda os fatos religiosos com base
em sua intencionalidade e pergunta pelo significado do fato religioso para o Homo religiosus. “A
fenomenologia parte necessariamente dos fenômenos religiosos (fatos,
testemunhos, documentos), contudo explora especificamente seu sentido, sua significação para o ser humano específico que
expressou ou expressa esses mesmos fenômenos religiosos.”[3]
• Filosofia
da religião: estuda as origens e o conteúdo dos
fatos da experiência. Analisa a religião propriamente dita em suas relações com
outras fases da vida. A filosofia da religião preocupa-se com o Absoluto, não
como encontro com ele, nem como Deus, mas como o Ser e o fundamento da realidade.
A filosofia da religião, como expressão do saber humano, muitas vezes
estimulada pela racionalidade crítica, fala de Deus e do ser humano religioso.
É um saber construído com base na reflexão autônoma, não um compromisso de fé.
Por isso, não substitui o ato religioso, mas reflete criticamente a respeito
dele.
Conceituações descritivas da religião
Este grupo de conceituações procura
descrever a religião em termos de seu significado central ou caráter essencial,
não tendo como intenção simplesmente desacreditá-la.[4]
• Religião
é crença: a religião tem sido definida por
muitos como sendo aquilo que um indivíduo crê a respeito de coisas últimas. Religião
é “uma crença em um poder sobre-humano invisível, juntamente com os sentimentos
e práticas que decorrem naturalmente de tal crença”.
Mas, conquanto a crença e
convicções sejam importantes elementos da religião, não representam sua
globalidade.
• A
religião pertence à natureza e estrutura humanas: assim como o ser
humano tem várias capacidades que expressam
sua natureza e seu ser — por exemplo, como pensador, técnico e artista —, da mesma forma
é dotado da
capacidade religiosa. Ele não pode
explicar direito essa capacidade,
mas a tem.
O ser religioso pertence ao equipamento
que a natureza lhe concedeu.
Isso não quer dizer, entretanto,
que todos têm o mesmo grau de percepção religiosa. Alguns têm um sentido mais
profundo; outros, menos. Não se pode negar, contudo, que o ser humano demonstra
comportamento religioso.
• Religião
é nossa consciência da responsabilidade moral: Immanuel Kant defendeu a ideia de que a religião está
arraigada na
consciência de nossa responsabilidade moral. Durante nossa vida
terrena, somos repetidamente confrontados com o “deves” misterioso,
o imperativo categórico que nos ordena a fazer
aquilo que é moralmente correto ou
justificável.[5]
O ego procura desculpar-se
e escapar da tirania desse amo tão severo, mas
nunca é bem-sucedido na tentativa
de silenciar essa voz acusadora.
A religião é o resultado do
reconhecimento dessa autoridade por
parte do ser humano.
• A
religião está relacionada com nosso caráter emocional: a condição religiosa se dá porque o ser humano é capaz
de compreender
que o Universo é grande diante de poderes que são imensamente
maiores que os seus próprios. O relacionamento
entre a humanidade e a natureza é
recíproco; em sua imaginação simplista, o ser humano supõe que este mundo fantástico
está cheio
de poderes amigos e hostis.[6]
• Religião
é o sentimento humano com relação às coisas de caráter último: há ainda afirmações que identificam a religião como o
modo de a humanidade expressar seus sentimentos sobre coisas de
caráter último. Friedrich Schleiermacher, teólogo alemão do início
do século XIX, deixou-nos uma nota de grande influência quando conceituou
religião como “um sentimento de dependência absoluta”.
Ênfase um tanto quanto semelhante
foi dada por Rudolf Otto, em seu livro O
sagrado, no qual ele considera ser a
religião essencialmente um sentimento de temor e mistério resultante de alguma
forma de contato com o infinitamente OUTRO.[7]
Religião é consciência do
transcendental: para entender o significado da
frase, é bom definirmos os termos, pois transcendente pode significar duas
coisas:
1. Diz-se que algo é transcendente
se vai além, ou se é algo mais, do que a consciência imediata de alguém.
2. Algo é transcendente no sentido
religioso quando é recebido pelo indivíduo como possuindo um caráter último. No
dizer de Paul Tillich, é aquilo que toca a pessoa incondicionalmente e que não
se pode controlar. O ser humano diante da religião: a
formação do Homo
religiosus A experiência religiosa, como expressão mais radical do
ser humano diante da realidade de sua existência, é estruturante. Em outras
palavras, a experiência religiosa é a espinha dorsal da vida dos que expressam algum
tipo de fé. Em razão de tal centralidade, elencamos algumas características da
forma do Homo religiosus:
• Somente
o ser humano demonstra comportamento religioso (o ser humano como Homo religiosus): somente
o homem e a
mulher, dentre as várias formas de vida existentes, exibem comportamento
religioso. Todas as culturas pesquisadas e registradas
pelos antropólogos parecem
demonstrar algum tipo de sentimento religioso, embora diferentes em sua
expressão cultural da religião tradicional da cultura do Ocidente.
• Religião
é a resposta dada às questões de caráter último do Homo religiosus: um
importante aspecto, de caráter distintivo,
do ser humano é que ele é um
sujeito autoconsciente. Nunca o
homem é simplesmente uma peça de
seu ambiente, mas ele tem condições de destacar-se e até mesmo contraditar seu
ambiente.
A religião é para esse ser
consciente a resposta dada às questões últimas, tais como: Qual o significado
de minha existência? O que fazer de minha vida? Por que estou aqui? Em suma, a
religião oferece respostas às questões de origem e finalidade do ser humano
e do meio em que ele vive. Nesse
sentido, a religião pode ser descrita como o significado último da existência
humana.
• O
Homo religiosus e o desejo do absoluto: a resposta religiosa possui a qualidade do absoluto, tem
caráter último. Tillich descreveu a religião como uma atitude de preocupação
última. Uma
resposta religiosa é absoluta ou última em dois sentidos: 1) ocupa a prioridade
mais elevada na hierarquia de preocupações que constituem uma personalidade; 2)
permeia a vida como um todo.
O Homo religiosus e a linguagem simbólica: a linguagem da religião é fundamentalmente simbólica,
diferentemente, por exemplo, da linguagem da ciência, que lida primordialmente
com a linguagem postulacional.18 A pessoa religiosa fala da realidade última por meio de
metáforas e analogias, buscando dizer aquilo que é propriamente indizível.
Daí ser a linguagem simbólica a única
adequada para expressar o fenômeno religioso.
Urbano Zilles[8]
propõe a seguinte conceituação: No fundo de toda a situação
verdadeiramente religiosa, encontra-se a referência aos fundamentos últimos do
homem: quanto à origem, quanto ao fim e quanto à profundidade. O problema
religioso toca o homem em sua raiz ontológica. Não se trata de fenômeno
superficial, mas implica a pessoa como um todo. Pode caracterizar-se o
religioso como zona do sentido da pessoa. Em outras palavras, a religião tem a ver
com o sentido último da pessoa, da história e do mundo.
Ao falar de religião, ao menos do
ponto de vista filosófico, não se deveria reduzi-la a nenhuma outra realidade
que não seja a si mesma. É precisamente com base nessa experiência de
incondicionalidade que a filosofia da religião se aproxima do fenômeno
religioso. Isso, porém, não significa que a filosofia da religião deva ter o
olhar do cristão, que seria próprio do teólogo. A filosofia da religião intenta
abstrair das funções religiosas suas categorias centrais.
Filosofia da religião é doutrina
das funções religiosas e de suas categorias. Teologia é apresentação normativa
e sistemática da plenificação concreta do conceito de religião.
A distinção entre filosofia da
religião e teologia é fundamental. Se ela não for efetivamente realizada, acaba
havendo algum tipo de cooptação de discurso, seguido de instrumentalização
ideológica. Severino Croatto faz a seguinte distinção: A
filosofia da religião preocupa-se com o Absoluto, não como “encontro” com ele, nem como Deus, mas como o
Ser e o fundamento de toda realidade. O ponto de vista, ou a via de acesso, é
sempre racional.
A filosofia da religião fala de
Deus e do ser humano religioso. É
um saber, não um compromisso. Como
ciência, a teologia parte do dado da fé; por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da
relação que ele estabelece com o
ser humano [...]. A teologia, como ciência, “utiliza” os
dados da fé (da
revelação), mas se fundamenta (como a filosofia) na razão. Seu ponto de partida é a experiência de
fé (diferente da filosofia), mas seu método é racional.
A filosofia da religião parte da
razão, enquanto a teologia parte da experiência de fé. O ponto de partida da teologia pressupõe
a revelação. No caso do cristianismo, por exemplo, a
revelação significa a penetração do incondicionado no
condicionado. A filosofia da religião se encontra com a
revelação, não podendo dar a ela a mesma resposta que a
teologia. O que a filosofia da religião faz é estudar “a consciência
do homem e de sua autocompreensão a partir
do absoluto enquanto atingível pela
inteligência”. Ela tematiza
a abertura humana para o mistério que o envolve de
maneira positiva, aceitando-o, ou de maneira negativa, rejeitando-o.
Tematiza, pois, a relação do ser humano com
o santo ou numinoso no horizonte da autocompreensão humana.
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