quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Introdução à Filosofia da Religião

 Algumas perspectivas acerca da religião A religião, como fenômeno humano, está presente na história de todos os povos ao longo de todos os tempos. Essa presença, longe de ser secundária, estruturou — e ainda estrutura — culturas, sendo-lhes geradora de sentido e plausibilidade. Exatamente por isso, a religião vem sendo estudada pelas mais diversas expressões da ciência, sobretudo das ciências humanas e sociais. Dentre essas, queremos destacar algumas: teologia, apologética, fenomenologia e filosofia. Sem dúvida, ao longo da História foram essas expressões da ciência que de forma mais contundente se debruçaram sobre o estudo do fenômeno religioso.
Teologia: estuda os fatos da experiência que são interpretados em forma de doutrina. “Como ciência, a teologia parte do dado da fé; por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da relação que ele estabelece com o ser humano.[1]  A teologia como ciência utiliza os dados da fé (da revelação), mas se fundamenta na razão: seu ponto de partida é a fé, mas seu método é racional.
Apologética: demonstra que determinada perspectiva (doutrina) da teologia é a verdade. Defende a veracidade daquilo que é crido em determinada denominação e expresso num código ou declaração doutrinária. “Algumas pessoas fazem distinção entre apologética positiva, que se propõe a provar a verdade do cristianismo, e apologética negativa, que apenas procura remover as barreiras à fé respondendo às críticas.”[2]
Fenomenologia da religião: estuda os fatos religiosos com base em sua intencionalidade e pergunta pelo significado do fato religioso para o Homo religiosus. “A fenomenologia parte necessariamente dos fenômenos religiosos (fatos, testemunhos, documentos), contudo explora especificamente seu sentido, sua significação para o ser humano específico que expressou ou expressa esses mesmos fenômenos religiosos.”[3]
Filosofia da religião: estuda as origens e o conteúdo dos fatos da experiência. Analisa a religião propriamente dita em suas relações com outras fases da vida. A filosofia da religião preocupa-se com o Absoluto, não como encontro com ele, nem como Deus, mas como o Ser e o fundamento da realidade. A filosofia da religião, como expressão do saber humano, muitas vezes estimulada pela racionalidade crítica, fala de Deus e do ser humano religioso. É um saber construído com base na reflexão autônoma, não um compromisso de fé. Por isso, não substitui o ato religioso, mas reflete criticamente a respeito dele.


Conceituações descritivas da religião

Este grupo de conceituações procura descrever a religião em termos de seu significado central ou caráter essencial, não tendo como intenção simplesmente desacreditá-la.[4]
Religião é crença: a religião tem sido definida por muitos como sendo aquilo que um indivíduo crê a respeito de coisas últimas. Religião é “uma crença em um poder sobre-humano invisível, juntamente com os sentimentos e práticas que decorrem naturalmente de tal crença”. Mas, conquanto a crença e convicções sejam importantes elementos da religião, não representam sua globalidade.
A religião pertence à natureza e estrutura humanas: assim como o ser humano tem várias capacidades que expressam sua natureza e seu ser — por exemplo, como pensador, técnico e artista —, da mesma forma é dotado da capacidade religiosa. Ele não pode explicar direito essa capacidade, mas a tem. O ser religioso pertence ao equipamento que a natureza lhe concedeu.
Isso não quer dizer, entretanto, que todos têm o mesmo grau de percepção religiosa. Alguns têm um sentido mais profundo; outros, menos. Não se pode negar, contudo, que o ser humano demonstra comportamento religioso.
Religião é nossa consciência da responsabilidade moral: Immanuel Kant defendeu a ideia de que a religião está arraigada na consciência de nossa responsabilidade moral. Durante nossa vida terrena, somos repetidamente confrontados com o “deves” misterioso, o imperativo categórico que nos ordena a fazer aquilo que é moralmente correto ou justificável.[5] O ego procura desculpar-se e escapar da tirania desse amo tão severo, mas nunca é bem-sucedido na tentativa de silenciar essa voz acusadora. A religião é o resultado do reconhecimento dessa autoridade por parte do ser humano.
A religião está relacionada com nosso caráter emocional: a condição religiosa se dá porque o ser humano é capaz de compreender que o Universo é grande diante de poderes que são imensamente maiores que os seus próprios. O relacionamento entre a humanidade e a natureza é recíproco; em sua imaginação simplista, o ser humano supõe que este mundo fantástico está cheio de poderes amigos e hostis.[6]
Religião é o sentimento humano com relação às coisas de caráter último: há ainda afirmações que identificam a religião como o modo de a humanidade expressar seus sentimentos sobre coisas de caráter último. Friedrich Schleiermacher, teólogo alemão do início do século XIX, deixou-nos uma nota de grande influência quando conceituou religião como “um sentimento de dependência absoluta”.
Ênfase um tanto quanto semelhante foi dada por Rudolf Otto, em seu livro O sagrado, no qual ele considera ser a religião essencialmente um sentimento de temor e mistério resultante de alguma forma de contato com o infinitamente OUTRO.[7]
Religião é consciência do transcendental: para entender o significado da frase, é bom definirmos os termos, pois transcendente pode significar duas coisas:
1. Diz-se que algo é transcendente se vai além, ou se é algo mais, do que a consciência imediata de alguém.
2. Algo é transcendente no sentido religioso quando é recebido pelo indivíduo como possuindo um caráter último. No dizer de Paul Tillich, é aquilo que toca a pessoa incondicionalmente e que não se pode controlar. O ser humano diante da religião: a formação do Homo religiosus A experiência religiosa, como expressão mais radical do ser humano diante da realidade de sua existência, é estruturante. Em outras palavras, a experiência religiosa é a espinha dorsal da vida dos que expressam algum tipo de fé. Em razão de tal centralidade, elencamos algumas características da forma do Homo religiosus:
Somente o ser humano demonstra comportamento religioso (o ser humano como Homo religiosus): somente o homem e a mulher, dentre as várias formas de vida existentes, exibem comportamento religioso. Todas as culturas pesquisadas e registradas
pelos antropólogos parecem demonstrar algum tipo de sentimento religioso, embora diferentes em sua expressão cultural da religião tradicional da cultura do Ocidente.
Religião é a resposta dada às questões de caráter último do Homo religiosus: um importante aspecto, de caráter distintivo, do ser humano é que ele é um sujeito autoconsciente. Nunca o homem é simplesmente uma peça de seu ambiente, mas ele tem condições de destacar-se e até mesmo contraditar seu ambiente.
A religião é para esse ser consciente a resposta dada às questões últimas, tais como: Qual o significado de minha existência? O que fazer de minha vida? Por que estou aqui? Em suma, a religião oferece respostas às questões de origem e finalidade do ser humano
e do meio em que ele vive. Nesse sentido, a religião pode ser descrita como o significado último da existência humana.
O Homo religiosus e o desejo do absoluto: a resposta religiosa possui a qualidade do absoluto, tem caráter último. Tillich descreveu a religião como uma atitude de preocupação última. Uma resposta religiosa é absoluta ou última em dois sentidos: 1) ocupa a prioridade mais elevada na hierarquia de preocupações que constituem uma personalidade; 2) permeia a vida como um todo.
O Homo religiosus e a linguagem simbólica: a linguagem da religião é fundamentalmente simbólica, diferentemente, por exemplo, da linguagem da ciência, que lida primordialmente com a linguagem postulacional.18 A pessoa religiosa fala da realidade última por meio de metáforas e analogias, buscando dizer aquilo que é propriamente indizível. Daí ser a linguagem simbólica a única adequada para expressar o fenômeno religioso.
Urbano Zilles[8] propõe a seguinte conceituação: No fundo de toda a situação verdadeiramente religiosa, encontra-se a referência aos fundamentos últimos do homem: quanto à origem, quanto ao fim e quanto à profundidade. O problema religioso toca o homem em sua raiz ontológica. Não se trata de fenômeno superficial, mas implica a pessoa como um todo. Pode caracterizar-se o religioso como zona do sentido da pessoa. Em outras palavras, a religião tem a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo.
Ao falar de religião, ao menos do ponto de vista filosófico, não se deveria reduzi-la a nenhuma outra realidade que não seja a si mesma. É precisamente com base nessa experiência de incondicionalidade que a filosofia da religião se aproxima do fenômeno religioso. Isso, porém, não significa que a filosofia da religião deva ter o olhar do cristão, que seria próprio do teólogo. A filosofia da religião intenta abstrair das funções religiosas suas categorias centrais.
Filosofia da religião é doutrina das funções religiosas e de suas categorias. Teologia é apresentação normativa e sistemática da plenificação concreta do conceito de religião.
A distinção entre filosofia da religião e teologia é fundamental. Se ela não for efetivamente realizada, acaba havendo algum tipo de cooptação de discurso, seguido de instrumentalização ideológica. Severino Croatto faz a seguinte distinção: A filosofia da religião preocupa-se com o Absoluto, não como “encontro” com ele, nem como Deus, mas como o Ser e o fundamento de toda realidade. O ponto de vista, ou a via de acesso, é sempre racional.
A filosofia da religião fala de Deus e do ser humano religioso. É um saber, não um compromisso. Como ciência, a teologia parte do dado da fé; por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da relação que ele estabelece com o ser humano [...]. A teologia, como ciência, “utiliza” os dados da fé (da revelação), mas se fundamenta (como a filosofia) na razão. Seu ponto de partida é a experiência de fé (diferente da filosofia), mas seu método é racional.


A filosofia da religião parte da razão, enquanto a teologia parte da experiência de fé. O ponto de partida da teologia pressupõe a revelação. No caso do cristianismo, por exemplo, a revelação significa a penetração do incondicionado no condicionado. A filosofia da religião se encontra com a revelação, não podendo dar a ela a mesma resposta que a teologia. O que a filosofia da religião faz é estudar “a consciência do homem e de sua autocompreensão a partir do absoluto enquanto atingível pela inteligência”. Ela tematiza a abertura humana para o mistério que o envolve de maneira positiva, aceitando-o, ou de maneira negativa, rejeitando-o. Tematiza, pois, a relação do ser humano com o santo ou numinoso no horizonte da autocompreensão humana.



[1] Croatto, José Severino. As linguagens da experiência religiosa. São Paulo: Paulinas, 2001.
[2] Evans, C. Stephen. Dicionário de apologética e filosofia da religião. São Paulo: Vida, 2004.
[3] Croatto, José Severino. As linguagens da experiência religiosa. São Paulo: Paulinas, 2001.
[4] Dicionário Webster, verbete “Religião”.
[5] Kant, Immanuel. A religião nos limites da simples razão. Lisboa: Edições 70, 1985.
[6] Schleiermacher, Friedrich. Sobre a religião. São Paulo: Novo Século, 2003.
[7] Otto, Rudolf. O sagrado. Petrópolis: Vozes, 2007.
[8] Zill es, Urbano. Filosofia da religião. São Paulo: Paulus, 1991.

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