terça-feira, 14 de novembro de 2017

A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA NA FORMAÇÃO TEOLÓGICA
Por Filosofia Cristã compreende-se um sistema de pensamento que se distinguiu do helênico (grego) e de outros como os chineses, os hindus, etc., por ser um sistema orientado pela verdade revelada por Jesus, o Cristo. Já o estudo dos dogmas cabe à Teologia, que tenta explicá-los e aplicá-los.
A Filosofia Cristã, que pressupõe a verdade dos dogmas, parte tão somente de evidências racionais para explicar Deus e o mundo, mas não se contrapõe aos dogmas.
Vê-se assim que os filósofos cristãos se apoiam na fé para melhor compreenderem a realidade, enquanto esta mesma fé dita metas a serem alcançadas pela razão, evitando que erros ou desvios em suas inquirições aconteçam. A relação que vemos aqui é, então, a de tentar harmonizar ou elucidar a fé através da razão, relação que é conflituosa e marcou distinções mesmo dentro do próprio corpo de filósofos cristãos. Vejamos essas distinções:
• Creio porque absurdo: essa máxima representava aqueles pensadores cristãos que julgavam fé e razão irreconciliáveis e subjugavam a razão à superioridade da fé;
• Creio para compreender: já essa máxima representava o espírito daqueles que julgavam ambos os domínios conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé;
• Compreender para crer: que fazia parte daqueles que não apostavam numa conciliação entre fé e razão, mas atestavam o campo próprio de cada uma, devendo, portanto, serem tratadas isoladamente.
Dessa forma, entende-se a diferença entre os pensadores antigos e os cristãos. Os gregos compreendiam o lógos como instrumento de conhecimento da realidade em um esforço para encontrar seu lugar no cosmos, já que se entendiam como fazendo parte da natureza. Era o amor, Eros, o desejo que animava a busca para alcançar a virtude máxima, o Bem supremo e a perfeição do inteligível puro, porém inatingível. A esse impulso erótico, contrapõe-se o amor cristão, o Ágape, a caridade, o amor de Deus-criador para com suas criaturas, pois Ele é perfeito e necessário, criou as coisas por causa do Bem que provém Dele, gratuitamente. Deus é o próprio Lógos, o Verbo que se revela como aquele que é (essencial e existencialmente) como princípio do universo e única fonte de sabedoria e verdade das coisas, dos homens e do mundo que são criadas por vontade de Deus.
Portanto, o conhecimento que provém da palavra de Jesus, que é o Deus encarnado, é uma demonstração de amor para aqueles que o reconhecem, ensinando-lhes a humildade e, a partir de sua ressurreição, sendo o caminho da esperança e da salvação dos pecados. Mas, como dito acima, a prática dos ensinamentos, os rituais, etc. fazem parte da Teologia. À Filosofia cabe o estudo racional das provas da existência de Deus, debate este, aliás, que foi a temática da nova Paideia ou educação dos tempos medievos.
A patrística era uma corrente filosófica que o intuito de conciliar o pensamento greco-romano com o pensamento cristão da época, tinha o propósito de converter os pagãos à religião cristã. Foi nesse período que surgiu as explicações para o surgimento do mundo, o pecado original, juízo final, trindade de Deus, ressurreição de Jesus. O principal pensador cristão dessa corrente foi Santo Agostinho (354-430) que dá forma as ideias de interioridade, ou seja, o ser humano dotado de consciência moral e livre arbítrio, onde surge a diferença de fé e razão. A escolástica é a corrente filosófica que surge às primeiras universidades e os centros de ensino onde o conhecimento é transmitido de uma forma muito sistemática. Aqui se criou uma teologia preocupada em provar a existência de Deus e da alma, é um período de muita disputa, isto é, a disputa de uma apresentação de tese, para que seja defendida por argumentos. Foi Santo Tomás de Aquino o principal pensador dessa época, onde escreveu a “Suma Teologia” explicando e elaborando através de argumentos os princípios da teologia cristã.
Com o desenvolvimento do cristianismo, tornou-se necessário explicar seus preceitos às autoridades romanas e ao povo. Não podia ser pela força, mas tinha que ser pela conquista espiritual.
 Os primeiros pensadores padres elaboraram textos sobre a fé e a revelação cristã. Buscaram conciliar o cristianismo ao pensamento filosófico dos gregos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer e converter os pagãos da nova verdade. Tenta basear a fé em argumentos racionais.
 A filosofia patrística tem a tarefa de evangelizar e defender a religião cristã contra os ataques teóricos e morais do pensamento antigo.
 A filosofia patrística introduz ideias novas: a criação do mundo por Deus, pecado original, Deus e a trindade una, encarnação e morte de Deus, juízo final, ressurreição, origem do mal.
 As ideias cristãs eram impostas pelos Padres por meio das verdades reveladas por Deus, eram verdades irrefutáveis e inquestionáveis: os dogmas. O grande tema de toda a filosofia patrística era conciliar razão e fé.
 Santo Agostinho - O principal nome da patrística é Santo Agostinho (340-430), bispo de Hipona, uma cidade no norte da África. Santo Agostinho retoma a dicotomia de Platão, mundo sensível e mundo das ideias (mundo perfeito), mas substitui o mundo das ideias pelo mundo divino, e para se alcançar o mundo divino (o mundo perfeito), era preciso seguir o caminho da fé.
 Segundo Santo Agostinho, a alma humana é superior ao corpo e, por ser superior, deve reinar e dirigi-lo à prática do bem. Segundo sua teoria da iluminação, Deus nos dá o conhecimento das verdades eternas e ilumina a razão. A salvação individual depende da submissão total a Deus. Santo Agostinho ressalta a vinculação pessoal do homem com Deus, enquanto a filosofia grega identifica o homem com o cidadão e a política. Para ele, só é possível alcançar a verdade das coisas por meio da luz de Deus, no íntimo de nossa alma.
 A Igreja Romana, cada vez mais forte, dominava a Europa, organizava cruzadas, criava as primeiras universidades e escolas. Essas escolas ensinavam várias matérias, gramática, geometria, aritmética, música, astronomia, todas elas submetidas à teologia.
A escolástica continua o trabalho de adequar a herança do pensamento filosófico clássico às verdades teológicas. O auge da Escolástica se dá com Santo Tomas de Aquino, no sec. XIII, que busca sua fundamentação na sabedoria de Aristóteles. A obra de Aristóteles – metafísica, lógica, científica, filosófica, passa a ser de grande interesse na época. São Tomas de Aquino vai desenvolver um sistema compatibilizando o aristotelismo e o cristianismo.
 Há uma intensa retomada da filosofia grega, mas com o objetivo de compatibilizar e reinterpretar o conhecimento clássico de Aristóteles à luz das crenças religiosas. Uma das principais preocupações dos filósofos medievais era fornecer
argumentações racionais, espelhadas nas contribuições dos gregos, para justificar as chamadas verdades reveladas da Igreja, tais como a da existência de Deus, a imortalidade da alma.
 Nesse período, a Igreja Católica consolidou sua organização religiosa e difundiu o cristianismo, preservando muitos elementos da cultura greco-romana. É a época feudal, em que a Igreja Católica surge como força espiritual, política, econômica e  cultural. Apoiada em sua forte influência religiosa, a Igreja passou a exercer importante papel político na sociedade medieval; ampliou sua riqueza, tornando-se dona de quase um terço das terras da Europa e, no plano cultural estabeleceu que a fé era o pressuposto da vida espiritual. Fé significava a crença irrestrita às verdades reveladas por Deus. É a religião que vai fundamentar os princípios morais, políticos da sociedade medieval.
 A principal discussão desse momento é a questão da razão e da fé, da filosofia e da teologia. As investigações científicas e filosóficas não poderiam contrariar as verdades estabelecidas pela fé católica. Nesse período surge propriamente a filosofia cristã, a teologia. Seu tema principal é a prova da existência de Deus e da imortalidade da alma, ou seja, a prova racional da existência do criador e do espírito imortal, com o propósito de explicar a relação homem e Deus, razão e fé, corpo e alma, e o Universo como hierarquia de seres, onde os superiores – divinos – dominam os inferiores.
 Santo Tomás de Aquino - É a figura mais destacada do pensamento cristão medieval. Elaborou os princípios da doutrina cristã baseado no pensamento aristotélico. Seu objetivo maior: não contrariar a fé. Para isso reviveu grande parte do pensamento aristotélico com a finalidade de nele buscar elementos racionais que explicassem os principais aspectos da fé cristã. Enfim, fez de Aristóteles um instrumento a serviço da religião católica, ao mesmo tempo em que transformou essa filosofia em uma síntese original. Santo Tomás não adaptou a filosofia de Aristóteles ao cristianismo, mas sim fez uma sistematização da doutrina cristã.
 Baseados no aristotelismo, os argumentos de São Tomás revalorizam o mundo natural, pois o mundo natural é criação de Deus. É assim que podemos conhecer Deus: por meio de sua criação, o mundo natural. Isso justifica o interesse pela investigação científica do mundo natural que surge na época e vai transformar a Europa nos séculos seguintes.
Concluindo:
 O homem está sempre buscando entender o significado da vida e compreender seu mundo, para isso ele pensa e produz o conhecimento. Esse conhecimento vai refletir o mundo a partir do qual foi construído. Em outras palavras, cada povo  representa a si mesmo e o mundo a partir de uma determinada realidade social e histórica. Cada povo constrói uma visão de mundo que reflete seus valores, seus costumes, suas necessidades, seus interesses, enfim, representa sua realidade por meio do conhecimento. Por sua vez, esse pensamento vai influenciar a realidade e transformá-la.
 A consolidação do Cristianismo se dá em determinadas condições históricas. Padres e filósofos cristãos construíram um pensamento que fundamentou a doutrina religiosa, orientados pela busca da verdade universal baseada na fé. Essa verdade religiosa refletia as necessidades históricas e de uma ordem social, política e econômica. A doutrina cristã como um sistema unificado, racional e logicamente construído passou, também, por críticas e modificações. Ao final do período medieval (sec. XIV), surgem novos pensamentos que defendem a separação radical entre a razão e a fé, entre Filosofia e Teologia.
 Com a crise do pensamento escolástico, surge um pensamento inovador, o humanismo renascentista e o a Filosofia Moderna, com suas novas teorias filosóficas e científicas, resultando em profundas transformações no mundo europeu.
ARANHA, M. L.; MARTINS, M. P. Filosofando. São Paulo, Moderna, 2003, p. 124-126.

MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro, Zahar, 2007

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