A SANTIDADE DE DEUS
1. EVIDÊNCIA DA ESCRITURA
Um leitor da Sagrada Escritura encontrará
repetidamente a santidade de Deus. O Senhor Deus se revela a seus servos como o
Santo. Ele se descreve como tal. Em Levítico 19:2: “Eu, o Senhor teu Deus, sou
santo.” E em Isaías (43:3) Ele chama a si mesmo de o Santo de Israel. A
santidade de Deus é, portanto, o material da revelação. Sem a iluminação do
alto, a humanidade nunca teria chegado a esta visão de Deus. Isso é confirmado
pelo fato de que as religiões pagãs não têm tal conceito de Deus.
Esta revelação de Deus aos seus mensageiros ecoa em
seus escritos. O salmista canta: “Mas tu és santo, ó tu que habitas nos
louvores de Israel” (Sl 22:3 ARC). O profeta ora: “Não és tu desde a
eternidade, ó Senhor meu Deus, meu Santo?” (Hab 1:12). Pedro justifica
exortando a igreja a ser santa, lembrando-os da santidade de Deus (1 Pedro
1:15-16).
E, finalmente, o comportamento de Deus para com o
mundo e a humanidade reflete sua santidade. Parece que o grande Deus está
ofendido com o fato de as pessoas pensarem que ele poderia se satisfazer com um
culto de adoração artificial: “Afasta de mim o barulho das tuas canções; pois
não ouvirei a melodia de tuas violas. Corra, porém, o juízo como as águas, e a
justiça como um riacho caudaloso” (Amós 5:23–24). E os fatos históricos levam o
apóstolo Paulo a advertir com tremor interior: “Não vos enganeis; De Deus não
se zomba; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará” [Gl 6:7]. A
Carta aos Hebreus contém um versículo destinado a ter um efeito sóbrio:
«Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo» (Hb 10,31).
2. A NECESSIDADE DE DISCUSSÃO
Ao considerar a santidade um atributo divino
essencial, muitas vezes corre-se o risco de passar por cima da própria
santidade e ficar satisfeito em ponderar seus efeitos – como justiça e retidão.
E, no entanto, a dogmática e a teologia sistemática estão muito preocupadas em
permanecer na discussão da santidade. Pois a justiça e a retidão têm conteúdo e
justificação reais apenas quando estão ancoradas na santidade de Deus. Somente
aquilo que corresponde à natureza da santidade de Deus é certo e justo. Justiça
e retidão são termos que caracterizam o comportamento de Deus para com as
criaturas, que caracterizam seu reino. A santidade, porém, caracteriza o próprio
Deus. É uma característica do seu ser. A santidade foi sua qualidade definidora
desde a eternidade. Assim, ele não se tornou santo observando certos limites;
ao contrário, ele se distinguiu como o Santo desde a eternidade. A santidade é
mais do que ser incapaz de tolerar o pecado e o mal. É um atributo pertencente
à natureza de Deus. [1]
3. DEFINIÇÃO
Somos confrontados, então, com a tarefa de encontrar
uma definição de santidade . A teologia não vai longe se define a santidade
como separação, pois a separação não indica um traço de caráter daquele que
separa. Ao definir a santidade, devemos necessariamente perguntar sobre sua
natureza interior. Em seu livro Teologia Sistemática, Strong me parece oferecer
a resposta mais apropriada. Ele divide sua definição em três partes: (a)
Santidade é pureza moral absoluta, que (b) encontra expressão positiva e ativa
ao (c) afirmar-se. 3 Deixe-me elaborar brevemente.
a) Santidade é pureza moral absoluta. Essa
pureza absoluta é um traço essencial do caráter de Deus, não algo que ele
aprendeu. Esta afirmação é justificada pela declaração de Tiago: “Deus não pode
ser tentado pelo mal” [Tg 1:13]. Ele é absolutamente puro e o mal nunca faz
contato com ele. A santidade requer pureza, ou seja, qualificação moral. É impossível
falar de santidade sem esta pureza, como ficará evidente a seguir. Somente um
ser que se distingue pela pureza imaculada de essência pode ser chamado de
santo. As Escrituras apresentam nosso Deus como tal, e por isso ele é chamado
de Santo.
Tem sido sugerido que o elemento moral na natureza de
Deus é o produto da vontade divina. O puro é puro porque Deus quis que fosse
puro. Se Deus quisesse, o que agora reconhecemos como mal teria se tornado a
norma moral, e o bem teria se tornado uma característica satânica.[2]
Tal conclusão é injustificada porque a perfeição
divina não poderia ser determinada por sua vontade; porque a vontade deve ter
alguma coisa existente à qual reage. A vontade é condicionada pela essência,
não a essência pela vontade. A essência de Deus determina sua vontade, não
vice-versa. Assim, pode-se concluir: Deus nunca poderia ter elevado o mal à
norma moral porque isso é incompatível com sua essência.
b) A santidade de Deus encontra expressão positiva
e ativa. Não se contenta em não fazer nada; deve ser ativo para realmente
vir à tona como um traço de caráter. O fator de negação está submerso. O fator
afirmativo se destaca em total relevo. Mas o que é afirmado pela santidade
ativa? Isso nos leva à terceira parte de Strong.
c) A santidade é a pureza absoluta da
personalidade, que sempre se afirma na sua conduta. Em outras palavras, a
santidade é (i) pureza, que (ii) encontra expressão em (iii) tal conduta que
está em harmonia com a pureza absoluta. Deus prova sobretudo por suas ações que
a santidade é a tônica de sua essência. Ele sempre se afirma. Portanto, ele
estabelece perfeita harmonia entre o ser divino, que é perfeitamente puro, e
sua conduta. Essa harmonia inviolável é a santidade.
O mal absoluto está em total contraste com a
santidade. Satanás é representado como alguém cujo atributo essencial é o mal e
que age consistentemente de acordo com esse atributo. Também neste caso há
harmonia entre o ser e a conduta, mas falta-lhe a condição básica da santidade
– a pureza moral. E por esta razão a harmonia de ser e conduta de Satanás não
pode ser chamada de santidade.
A ideia de que a santidade é a harmonia do bom caráter
com a conduta também se aplica aos seres humanos, mas apenas até certo ponto.
Seria falso reivindicar pureza perfeita e conduta perfeita. A conduta ética de
uma pessoa depende de seu desenvolvimento espiritual. Paulo chama de perfeitos
aqueles que são nascidos de Cristo, que perseguem e lutam pelo objetivo que
lhes foi proposto, pela joia que representa a vocação celestial (Fp 3:12-15).
Ser tocado por Cristo, que é experimentado através do renascimento, dá-lhes o
conteúdo do seu ser. Outro ideal entra em sua alma. Santos são pessoas que
realizam esse ideal em suas ações. Um elemento dessa nova direção de vida é uma
atitude que leva o pecado a sério. Quando alguém reconhece que não agiu de
acordo com o novo ideal, é coberto pela cruz. Esta é a santidade que Cristo
adquiriu para nós, mas nunca absolve uma pessoa da obrigação de harmonizar seu
ser e comportamento com o melhor de suas habilidades. A indiferença para com a
consciência pesada não pode ser reconciliada com a filiação a Deus sob nenhuma
circunstância. Deus exigiu uma maneira de ser de Israel quando disse: “Sereis santos”.
A mesma exigência é afirmada por Pedro, que cita a expressão [1 Pe 1:15-16].
Deus exige de nós, como seus filhos, não menos santidade do que a harmonia
entre o ideal de perfeição suspenso diante de nossa alma e nossa conduta e
ações na vida cotidiana. ” A mesma exigência é afirmada por Pedro, que cita a
expressão [1 Pe 1:15–16]. Deus exige de nós, como seus filhos, não menos
santidade do que a harmonia entre o ideal de perfeição suspenso diante de nossa
alma e nossa conduta e ações na vida cotidiana. ” A mesma exigência é afirmada
por Pedro, que cita a expressão [1 Pe 1:15–16]. Deus exige de nós, como seus
filhos, não menos santidade do que a harmonia entre o ideal de perfeição
suspenso diante de nossa alma e nossa conduta e ações na vida cotidiana.
4. IMPRESSÕES DA REVELAÇÃO DA SANTIDADE DE DEUS
A santidade de Deus sempre causou tremenda impressão
nas pessoas.
a) Eles são dominados por um sentimento de nada e
desamparo quando estão na presença da santidade de Deus. Rudolf Otto chama essa
sensação de “sentimento de criatura”. 5 Existe uma diferença entre Deus e a
humanidade que não deve ser descrita como uma diferença de níveis. A relação é
a do Criador com a criatura. Apesar da semelhança da humanidade com Deus, há
uma diferença essencial entre eles. Portanto, a expressão “sentimento de
criatura” é provavelmente apropriada. Abraão se vê nessa relação com seu Deus e
diz de si mesmo que é pó e cinza (Gn 18,27).
b) As pessoas experimentam um tremor sagrado. Eles
veem a majestade de Deus, a santidade no sublime, diante da qual eles
desmoronam e adoram. Algo desse tremor deve ter passado por Jacó quando ele viu
a escada para o céu em Betel e exclamou: “Certamente o Senhor está neste lugar,
e eu não sabia. . . .
Quão sagrado é este lugar! Esta não é outra senão a casa de Deus, e esta é a
porta do céu” (Gn 28:16s).
c) A santidade cativa as pessoas. Há algo hipnotizante
nisso. Apesar do pavor e do terror, as pessoas se sentem atraídas e absortas.
Pedro ficou maravilhado com a santidade de Jesus após a grande pescaria. Suas
palavras provam isso: “Afasta-te de mim; porque eu sou um homem pecador, ó
Senhor” [Lucas 5:8]. Pela maneira como ele agiu, porém, devemos concluir que
ele se sentiu tocado e encantado pelo Mestre; pois ele não fugiu dele como se
poderia esperar, mas para ele, e caiu a seus pés.
d) A revelação da santidade de Deus traz uma percepção
adequada da distância entre Deus e a humanidade. Essa sensação de distância vem
de uma consciência da pecaminosidade da humanidade. Isaías clama: “Ai de mim,
eu pereço! Porque sou de lábios impuros e habito no meio de um povo de impuros
lábios” [Is 6:5]. O grito de angústia do profeta é a prova de que ele
reconheceu corretamente sua condição. A distância ficou clara para ele, daí o
grito de angústia. No seu caso, não se trata de transgressões individuais que
ficaram impunes, mas de uma consciência da pecaminosidade que o levou ao ponto
de se ver totalmente dependente da graça divina. O Senhor conforta Isaías por
meio do anjo que toca seus lábios. Esta é a garantia da graça de Deus, que sabe
como lidar com a pecaminosidade.
De fato, é importante aprender a levar esse fato a
sério diante de exageros fáceis. O deísmo torna a distância entre Deus e o
homem tão infinitamente grande que o Santo realmente perde completamente o seu
significado para a humanidade. Ele não tem mais influência sobre sua criação, e
toda a responsabilidade dos seres humanos em relação a ele desaparece. A
distância entre Deus e a humanidade é considerada muito grande, daí a distorção
do relacionamento.
O outro extremo é a fácil identificação da humanidade
com Deus. O panteísmo identifica o universo com Deus, e na humanidade esse
“Deus” se torna consciente. O liberalismo eleva a própria humanidade à condição
de Deus. Em ambos os casos, a identificação é um certo rebaixamento de Deus ao
reino dos seres humanos e, portanto, das criaturas. Com isso, a distância entre
eles é completamente obscurecida e o efeito sóbrio que advém de uma
representação verdadeira da relação entre Deus e a humanidade é perdido.
E uma arrogância fácil pode ser detectada no falso
misticismo que se propõe a se perder em Deus, a abrir caminho para um estado em
que a pessoa é absorvida por Deus. O esforço é dirigido para elevar-se a Deus e
assim unir-se a ele. Essa busca, porém, envolve obscurecer a distância que Deus
estabeleceu e quer respeitar.
A busca absurda de se associar com o Deus santo também
pertence a esta categoria. O Senhor se ofereceu para ser nosso Pai e nos
convida para um relacionamento de criança. Mas a distância deve permanecer.
Quem se comunica com Deus como se fosse o vizinho do lado logo descobrirá que o
Senhor se revelará o Outro e voltará a chamar a atenção para a distância.
Tenhamos cuidado com uma atitude excessivamente íntima para com Deus. Isso leva
à tolice.
A relação correta é expressa na mística cristã, que
enfatiza a interação íntima dos crentes com seu Pai celestial, na qual a
distância entre eles é sempre lembrada. Deus sempre permanece o Outro, o Senhor
a quem os crentes são responsáveis, de quem recebem instrução, a quem se
submetem. Nesse relacionamento dos crentes com Deus, a santidade de Deus é
devidamente reconhecida, e a comunhão entre Deus e os crentes repousa
firmemente em uma base bíblica.
5. JUSTIÇA E RETIDÃO EM RELAÇÃO À SANTIDADE DE DEUS
Já expliquei no ponto 2 que justiça e retidão se
referem à conduta do Deus santo em relação à sua criação e que estão ancorados
na santidade de Deus. Algumas coisas poderiam ser adicionadas. Da conduta de
Deus para com a criação surgem as normas de como o ser humano deve encarar a
obra do Mestre. A Sagrada Escritura fornece instruções suficientes sobre isso.
As leis relativas à justiça e à retidão são aplicadas
corretamente apenas quando são vistas como fundamentadas na santidade de Deus.
Aqueles que z não consideram a justiça e a retidão como resultado da santidade
divina logo perdem qualquer padrão para esses valores. Para eles, a justiça e a
retidão não derivam da santidade de Deus, mas da tradição. Pois tão logo o
próprio jurista considera a lei meramente um fenômeno de observância histórica
e como um produto das circunstâncias, não é surpreendente que um sentimento
político brutal de poder possa rasgar o tecido fino da convenção tradição que
mantém unidos os elementos da ordem jurídica social. Assim, assim que a lei é considerada uma
invenção humana, o senso de responsabilidade se esvai e se inclina a atribuir
ao forte o direito de ser arbitrário. Quando isso acontece, a lei perde sua
norma e passa a ser um mero guia.
No entanto, aqueles que consideram a justiça e a
retidão no espírito do santo Legislador necessariamente verão a santidade de
Deus como seu padrão crítico, ao qual somente eles devem submeter seus
julgamentos. Essa atitude torna impossível adaptar a justiça e a retidão às
circunstâncias prevalecentes.
A propósito, convém referir-se à consciência
incorruptível, que não é culpada de conformidade, mas julga pela santidade de
Deus, apesar da sua dependência do estado de desenvolvimento da humanidade. [3]
6. A SANTIDADE COMO TRAÇO DOMINANTE DA PERSONALIDADE
DIVINA
Cada personalidade tem um traço dominante que permeia
todos os outros. A pessoa é julgada por essa característica. Uma pessoa
preguiçosa, por exemplo, não só tem a preguiça como característica, mas essa
característica colore todo o seu ser. Assim, qualquer traço pode dominar e
marcar a personalidade.
Ao considerar a personalidade de Deus, não se deve
pensar nos atributos divinos como componentes isolados, cada um completo em si
mesmo e independente dos outros. Pois em tal coleção a personalidade divina
seria a soma de suas muitas qualidades, mas não uma personalidade unificada.
Faltaria a unidade como condição básica para a personalidade.
Isso levanta a questão: qual é o elemento central na
personalidade de Deus? A tendência de considerar o amor de Deus o elemento
central parece ter se consolidado em muitos círculos. Fala-se muito do Deus que
ama, que não pôde olhar com indiferença a humanidade em sua miséria.
Certamente, a ênfase no amor é justificada. É bíblico. Mas devemos ter cuidado
até onde levamos essa ênfase. Se esperamos que o Deus amoroso também leve os
impenitentes para o céu, então certamente não estamos em terreno bíblico. O
apóstolo Paulo assegura a seus leitores que sem santidade ninguém verá a Deus
[Hb 12:14]. Apesar de todo amor, Deus será incapaz de trazer o impenitente à
bem-aventurança. Por que? Porque o amor está sob controle. Falando figurativamente,
ainda deve obter permissão para sua atividade. Deve estar em harmonia com o
todo. É o mesmo com outros atributos de Deus. [4]
Uma breve observação parece apropriada aqui. A ênfase
no amor como traço básico do caráter divino parece, desde tempos remotos, ter
causado o abuso da liberdade cristã. Paulo adverte que a liberdade pode se
tornar uma cobertura para o pecado. A ilegalidade nunca é o conteúdo do
evangelho, mas sim a superlegalidade. Somente eles estão livres da lei que são
obedientes a Jesus Cristo, que estão sob o controle do Espírito. Os cristãos
devem ser advertidos contra uma ênfase injustificada na liberdade, uma vez que
rapidamente degenera em carnalidade. E o começo disso pode estar na suposição
de que o traço básico do caráter divino é o amor.
Então, qual é o fator unificador na personalidade de
Deus? Na minha opinião, a santidade ocupa o primeiro lugar.[5] A santidade parece ser a
característica básica da personalidade divina. Tudo em sua natureza é
condicionado pela santidade. Todos os seus atos devem levar em conta a
santidade, mas não [necessariamente] outros atributos. O amor não pode animar a
história de Jó, mas a santidade pode. Deve-se até pensar no ato redentor de
Jesus como uma expressão da santidade de Deus. O amor entregou o sacrifício
necessário para satisfazer a justiça e a santidade de Deus.[6]
Isso coloca diante de nós a obrigação inescapável de
manter a santidade de Deus principalmente em mente e lembrar que somos
responsáveis perante um Deus santo.
Mais uma vez, há um perigo aqui. Podemos nos tornar
pessoas da lei imaginando e atribuindo mérito especial às nossas obras. A
justiça legal não é uma ênfase exagerada na santidade de Deus, mas uma ênfase
errada nas obras humanas. Portanto, é necessário, com a orientação do Espírito
Santo, encontrar a atitude certa.
A santidade de Deus exige que aqueles que se deixam
chamar filhos de Deus sejam guiados pelo princípio que o próprio Deus
estabeleceu: “Sereis santos, porque eu sou santo”.[7]
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