quinta-feira, 23 de maio de 2024

 

O que significa “O mar não existirá mais” em Apocalipse 21:1?

 

Então vi “um novo céu e uma nova terra”, pois o primeiro céu e a primeira terra haviam passado, e não havia mais mar.

Este texto ensina que a nova terra não terá grandes massas de água (θαλάσσας) – não haverá mais lagos, mares ou oceanos? A maioria pensa assim.

Em 21.1, os antigos céu e terra não foram destruídos, mas “se foram” ou “desapareceram” de vista. Em 2Pedro 3.10-13, trata-se de um juízo purificador, não uma destruição total. Semelhantemente, Caird (1966: 265) afirma que a antiga terra não é “lançada como lixo no vazio”, e chama o processo de Apocalipse 21.1 de “recriação pela qual a ordem antiga é transformada na nova”. Prigent (1981: 324-25) classifica isso como uma “renovação” da terra existente. Todavia, como declarado anteriormente, a linguagem favorece a ideia de uma destruição da antiga ordem e de “céu e terra” completamente “novos”.

Para Lopes Alguns estudiosos aceitam o conceito da aniquilação do atual cosmos e de uma descontinuidade absoluta entre a antiga terra e a nova. A despeito dos eventos cataclísmicos que acompanharão o juízo sobre esta terra, rejeitamos o conceito de aniquilação total a favor da renovação, Lopes descreve com base nos seguintes argumentos:

Em primeiro lugar, tanto 2 Pedro 3:13 como Apocalipse 21:1 usam o vocábulo kainós e não neós. O primeiro é novo em natureza ou em qualidade. Assim, a expressão “novos céus e nova terra” significa não a aparição de um cosmos totalmente diferente do atual, mas a criação de um universo que, apesar de haver sido gloriosamente renovado, mantém continuidade com o presente.

Em segundo lugar, o argumento do apóstolo Paulo em Romanos 8:20-21. Paulo afirma que a criação espera com anelo ardente a revelação dos filhos de Deus para ser libertada da escravidão da corrupção. Obviamente Paulo está dizendo que é a presente criação a que será liberta da corrupção e não alguma criação totalmente diferente.

Em terceiro lugar, a analogia existente entre a nova terra e os corpos que receberemos na ressurreição (1 Co 15:3549). Em relação à ressurreição haverá tanto continuidade como descontinuidade entre o corpo presente e o corpo da ressurreição. As diferenças entre nossos corpos atuais e nossos corpos da ressurreição, não tiram a continuidade.

Serão nossos corpos que serão ressuscitados e somos nós que estaremos para sempre com o Senhor. Por analogia é lógico esperar que a nova terra não será totalmente diferente da presente, mas será a presente terra maravilhosamente renovada.

Em quarto lugar, se Deus precisasse aniquilar o cosmos atual\ Satanás teria tido uma grande vitória. Deus revelará a dimensão total dessa terra sobre a qual Satanás enganou a raça humana, e então, tirará todos os resultados e vestígios do pecado.[1]

Para Osborne O acréscimo da ideia de que “o mar já não existe” tem provocado alguns comentários. Ela parece estar fora de lugar e ser desnecessária à luz da afirmação de que céu e terra “já se foram”. A resposta para o motivo desse acréscimo está no sentido simbólico do “mar” no livro de Apocalipse. Giesen (1997: 452) observa a ligação entre o “mar” e a “Morte e o Hades” (NVI) no julgamento de 20.11-15. Ambos são hostis a Deus e à humanidade. Beale (1999: 1042) lista cinco usos do conceito nesse livro: (l) a origem do mal (12.18; 13.1); (2) as nações que perseguem os santos (12.18; 13.1; 17.1-6); (3) o lugar dos mortos (20.13); (4) o local da atividade comercial idólatra do mundo (18.10-19); (5) uma massa de água que é parte deste mundo (5.13; 7.1-4; 8.8,9; 10.2,5,6; 14.7; 16.3). Ele acredita que esses cinco usos estão relacionados à presente passagem, mas é provável que os dois primeiros aspectos predominem. A ideia do mar como símbolo do mal explicaria melhor a razão de sua inclusão nessa passagem.5 Na nova ordem, não somente a antiga ordem terá passado, como também o mal não existirá mais. A falsa trindade e as nações que causaram tanto sofrimento terão sido lançadas no lago de fogo e, portanto, tentação e dor já não existirão.[2]

A primeira sugestão de como serão o novo céu e a nova terra surge na observação de João de que não haverá mais mar. Esta será uma mudança surpreendente em relação à Terra atual, quase três quartos da qual é coberta por água.[3]

Por que isso aconteceria? A maioria argumenta que o mar simboliza o mal (ou a morte ou a desordem) e, portanto, a erradicação do mal exige a remoção do mar.

De uma perspectiva metafórica, os comentadores têm visto a ausência do mar como um símbolo da ausência do mal.[4]

Sua percepção de que não havia mais mar é simplesmente outra forma de dizer que na nova criação não há mais morte (v. 4).[5]

Muito justificadamente vemos este vazio como representando uma conotação arquetípica no mar (cf. 13.1; 20.13), um princípio de desordem, violência ou agitação que marca a velha criação (cf. Is 57.20; Sal. 107: 25-28; . . . Não é que o mar seja mau em si, mas que o seu aspecto é de hostilidade para com a humanidade. Por exemplo, o mar foi o que guardou João na sua prisão em Patmos e o separou das igrejas da Ásia. O mar é o primeiro dos sete males que João diz que não existirão mais, sendo os outros seis a morte, o pranto, o pranto, a dor (21:4), a maldição (22:3) e a noite (21:25; 22: 5). [6]

Embora a destruição do mar seja mencionada em Apocalipse 21:1, é digno de nota que o mar não é mencionado em conexão com o novo céu e a nova terra. Isto pode ser porque o mar era um símbolo negativo do caos e até do abismo (cf. Ap 13:1 com 11:7).[7]

John MacArthur argumenta (de forma única?) que não só não haverá grandes massas de água, mas também não haverá água alguma. Sua razão para argumentar isso é que toda a vida na terra depende da água para a sua sobrevivência, e a terra é o único lugar conhecido no universo onde há água suficiente para sustentar a vida. Mas os corpos glorificados dos crentes não necessitarão de água, ao contrário dos corpos humanos atuais, cujo sangue é 90 por cento de água, e cuja carne é 65 por cento de água. Assim, o novo céu e a nova terra serão baseados num princípio de vida completamente diferente do atual universo. Haverá um rio no céu, não de água, mas de “água da vida” (22:1, 17).

Para Horton “Que a nova terra será completamente diferente é vista no fato de que "não haverá mais o mar". Os oceanos são necessários à oxigenação da atmosfera da terra. A falta de mares, portanto, sugere que toda a economia da nova terra será diferente.”[8]

 

Vejamos o texto e observemos as diferenças de pontuação.

Aqui está o texto em algumas edições gregas

NA27 : Καὶ εἶδον οὐρανὸν καινὸν καὶ γῆν καινήν. γὰρ πρῶτος οὐρανὸς καὶ πρώτη γῆ ἀπῆλθαν καὶ θάλασσα οὐκ ἔστιν ἔι .

 

WH : Καὶ εἶδον οὐρανὸν καινὸν καὶ γῆν καινήν· γὰρ πρῶτος οὐρανὸς καὶ τη γῆ ἀπῆλθαν, καὶ θάλασσα οὐκ ἔστιν ἔτι.

 

MT : Καὶ εἶδον οὐρανὸν καινὸν καὶ γῆν καινήν, γὰρ πρῶτος οὐρανὸς καὶ πρώ η γῆ ἀπῆλθον. Καὶ θάλασσα οὐκ ἔστιν ἔτι.

 

Aqui está o texto em algumas traduções para o português:

ARC: 1E VI um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe.

ARA: 1 Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe.

NVT: Então vi um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra já não existiam, e o mar também não mais existia.

TeB: ‘Vi então um céu novo e uma nova da vida. terra, porque o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existe*.

NVI: Então vi novos céus e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado; e o mar já não existia.

 

Como conclusão deixo minha proposta de que o fim do mar é o fim das divisões dos continentes, tornando a Terra numa pangeia antiga.



[1] Lopes, Hernandes dias – Apocalipse: futuro chegou, as coisas que em breve devem acontecer;- São Paulo, SP: Hagnos 2005.

[2] Grant R. Osborne, Apocalipse.

[3] John MacArthur, Apocalipse 12–22

[4] Idem.

[5] J. Ramsey Michaels, Apocalipse , vol. 20

[6] Robert L. Thomas, Apocalipse 8–22.

[7] David E. Aune, Apocalipse 17–22

[8] HORTON, Stanley. APOCALIPSE: As coisas que Brevemente devem acontecer; CPAD, 7a impressão 2011.

 

A TEODICEIA EM VÁRIOS PENSADORES

 

Qualquer tentativa de tornar a existência de um Deus Onisciente, Todo-poderoso e Todo-bom ou onibenevolente consistente com a existência do mal é conhecida como Teodicéia .É uma tentativa de justificar os caminhos de Deus para os humanos. É uma tentativa de explicar a coexistência de Deus e do Mal. 

 

Agostinho : Os humanos são livres e os humanos caíram porque são como crianças  

 

Santo Agostinho propôs uma solução para o problema atribuindo a culpa à Queda da Humanidade após a desobediência no Jardim do Éden. Deste ponto de vista, a humanidade é responsável pelo mal ao ser desencaminhada por Satanás. Isto não apenas absolve a divindade, o Deus, de criar o mal, mas também permite que a divindade mostre ao mundo o seu amor, trazendo uma forma ou versão de si mesma para a forma física na presença do Cristo no mundo. O Ser Supremo, Deus, é visto como envolvido na formação da alma. Os humanos estão crescendo do bios para o zoe: da vida não desenvolvida para o amor divino e a vida espiritual. No entanto, a existência do Mal leva ao questionamento da existência de uma divindade totalmente amorosa, boa e poderosa. A grande quantidade de MAL é particularmente difícil de explicar.

Para Irineu (130-202 DC) pensava que a existência do mal na verdade tinha um propósito. Do seu ponto de vista, o mal proporciona os problemas necessários através dos quais participamos no que ele chama de “formação da alma”. Deste ponto de vista, o mal é um meio para um fim, na medida em que, se não existisse, não haveria meios de desenvolvimento espiritual. No entanto, com esta visão, Deus é o autor do mal e, embora tenha um propósito, desafia a natureza de Deus como sendo totalmente boa.

A visão de Irineu foi apresentada nos tempos modernos por filósofos como John Hick (Evil and the God of Love, 1966) e Richard Swinburne. De acordo com esta visão, Deus pretende que as dores e sofrimentos do mundo atuem como um meio de produzir uma pessoa verdadeiramente boa.

Contudo, o romancista russo Fyodor Dostoevsky, em Os Irmãos Karamazov, criticou severamente esta visão. A utilização do sofrimento humano como meio para o bem é criticada e condenada com base no facto de o sofrimento de uma criança nunca poder ser justificado em termos dos bons resultados. Novamente esta defesa da divindade põe em questão o aspecto todo-bom da divindade.

Em seu ensaio “Evil and Soul-Making”, John Hick tenta justificar o problema do mal. É uma teodicéia baseada na defesa do livre arbítrio. A maioria das teodiceias que dominaram a cristandade ocidental são de natureza agostiniana. Segundo Santo Agostinho, Deus criou o homem sem pecado e o colocou em um paraíso livre de pecado. O declínio do homem ocorreu como resultado de sua fraqueza diante da tentação e do mau uso do livre arbítrio. Esta teoria sustenta que a graça de Deus salvará parte da humanidade, mas, ao mesmo tempo, parte da humanidade sofrerá a condenação eterna. Hick refere-se a esta Teodicéia Agostiniana como o “relatório da maioria”. No entanto, Hick acredita que a tradição ireneana é mais plausível.

A tradição ireneana, ou o “relatório da minoria”, conforme designado por Hick, vem de Irineu e dos primeiros fundadores gregos da Igreja. É dois séculos mais antiga que a tradição agostiniana e afirma que o homem não foi criado como um ser completo, sem pecado, que se rebelou e caiu em desgraça. Em vez disso, argumenta Hick, o homem está em constante estado de evolução criacional. Segundo a tradição ireniana, o homem é criado em duas etapas, Bios e Zoe. O primeiro passo, Bios, é a criação do universo físico e da vida orgânica. Esta fase continua com a criação do homem, um ser orgânico com vida pessoal e capaz de se relacionar com Deus. Esta fase é a criação do homem à imagem de Deus. A segunda fase desta criação é o homem alcançando a bondade e o valor pessoal. Esta é a qualidade de Zoe ou a obtenção da semelhança de Deus. Isto é o que Hick chama de processo de “criação da alma”.

O argumento básico de Hick é que o relacionamento entre Deus e a humanidade é um relacionamento entre pais e filhos em grande escala. Para que um pai produza um filho moral e completo, há um processo duplo. Primeiro, há a concepção e o nascimento reais da criança, que podem ser comparados à criação física do homem. O segundo passo para os pais é ensinar ao filho a diferença entre o certo e o errado e entre o bom e o mau. Os pais devem ensinar ao filho como evitar a tentação e viver uma vida boa. Em uma escala maior, o homem deve aprender como viver uma vida boa como Deus achar adequado. Dado que a humanidade é dotada de livre arbítrio, este deve ser um esforço cooperativo.

Alguns argumentariam que Deus poderia ter criado o homem neste estado final e perfeito desde o início. No entanto, Hick argumenta que fazer isso seria semelhante a Deus criar o homem como um animal de estimação em uma gaiola. Além disso, ele argumenta que tal perfeição inicial não seria tão valiosa quanto a perfeição alcançada por tentativa e erro. De acordo com Hick, a bondade alcançada ao longo de um período de tempo através da provação e tribulação de resistir à tentação e ao pecado envolve força e “esforço moral”. Hick deduz que Deus certamente teria essa bondade alcançada através da força e do “esforço moral” em maior consideração do que a bondade alcançada por não fazer nada mais do que simplesmente ser criado em uma forma perfeita.

Em resposta à crítica de que um Deus amoroso não criaria um mundo cheio de maldade e tentação, Hick refere-se mais uma vez à analogia pai/filho. Mesmo o pai mais amoroso não satisfaz todos os caprichos do filho. Os pais mais amorosos gostam de proporcionar prazeres aos filhos, mas, ao mesmo tempo, um pai amoroso percebe que há momentos em que deve ser negado prazer imediato a uma criança, a fim de obter valores maiores, como “integridade moral, altruísmo, compaixão, coragem, humor, reverência pela verdade e talvez acima de tudo a capacidade de amar”. Assim, de acordo com Hick, a presença do mal é transcendida pela sua necessidade de “construir a alma”.

Hick afirma que seria impossível para a divindade ter criado o ser humano com livre arbítrio e ainda assim não com a capacidade de escolher o mal. Hick afirma que ou os humanos são libertados e isso leva ao mal moral ou então são feitos sem liberdade como acontece com os robôs e isso tornaria possível evitar que houvesse quaisquer atos de mal moral. É melhor que haja livre arbítrio e assim a divindade fez o universo com livre arbítrio e isso leva à existência do mal moral.

A resposta de Hick envolve interpretar a história da criação em Gênesis de uma forma não literal. Em vez de considerar a história como um relato do que já aconteceu, ele sugere que a consideremos um relato do que está acontecendo atualmente. A ideia aqui é que somos parte integrante da criação de Deus. Em essência, ainda não atingimos o “dia” final da criação. Deus ainda está, de certa forma, criando a humanidade (usando-nos como ferramentas e como aquilo que é moldado). Esta terra é vista como uma fábrica de criação de almas. Esta criação exige a possibilidade de sofrermos para incentivar a melhoria.

Edward Madden e Peter H. Hare começam afirmando três falácias que são frequentemente empregadas nas tentativas de resolver o Problema do Mal. Essas falácias são: “tudo ou nada”, “poderia ser pior” e “ladeira escorregadia”. De acordo com Madden e Hare, John Hick usa habilmente todas as três crenças errôneas em sua defesa do livre arbítrio.

Na sua teodiceia, Hick argumenta que sem livre arbítrio, todas as pessoas não seriam nada mais do que um “animal de estimação” numa gaiola. Hick afirma que Deus teve que criar pessoas com a capacidade de fazer o mal, pois caso contrário, as pessoas não seriam capazes de participar da “formação de almas”, que é o que serve para aproximar os homens de Deus. Contudo, Madden e Hare salientam que não pode haver apenas duas opções disponíveis para Deus. Portanto, este é um argumento do tipo “tudo ou nada”. Madden e Hare fazem uma analogia de Deus como diretor de uma escola liberal. Na escola de Deus, a liberdade dos alunos é primordial. Deus não quer ter alunos que aprendam apenas porque temem o castigo. Em vez disso, ele quer alunos que assumam um papel ativo na aprendizagem por amor ao conhecimento. Assim, Deus declara que não existem regras e nem aulas organizadas em sua escola, e cada aluno será responsável pela sua própria educação. No entanto, o simples facto de regras rigorosas resultarem em consequências negativas não significa que não ter regulamentação seja ideal. É uma falsa dicotomia sugerir isso, assim como é uma falsa dicotomia afirmar que Deus não teve outras opções na criação dos humanos.

Hick também emprega esta falácia do tudo ou nada ao discutir a “distância epistêmica inicial” entre o homem e Deus. Segundo Hick, Deus não revela muitas informações sobre “si mesmo” aos humanos porque não quer prejudicar o desenvolvimento das atitudes das pessoas em relação a Ele. No entanto, Madden e Hare discordam. Eles levam a analogia do diretor mais longe, afirmando que isso é paralelo ao fato de Deus, o diretor, nunca se dirigir aos alunos, para evitar “alimentá-los com colher”. Mais uma vez, Hick utiliza uma falsa dicotomia ao afirmar que Deus deve contar tudo sobre si mesmo ou permanecer indiferente.

Hick então muda para o que Madden e Hare chamam de falácia “poderia ser pior”. Hick argumenta que algum mal é necessário para que a humanidade alcance o bem, e que o bem alcançado por tentativa e erro é melhor do que o bem dado ao homem desde o início. Madden e Hare argumentam, no entanto, que simplesmente porque a bondade pode vir do mal, este argumento apenas mostra que o mal seria ainda pior se o bem não resultasse dele. Em essência, o argumento realmente não mostra a necessidade do mal. Mostra apenas que poderia ser pior, não poderia haver nenhum bem resultante. Contudo, Madden e Hare salientam que este argumento ignora o facto de que tão facilmente como poderia ser pior, também poderia ser melhor.

Hick também afirma que se Deus começasse a remover o mal, não haveria ponto onde parar, a menos que Ele removesse todo o mal. Hick argumenta que se Deus removesse todo o mal, Ele estaria criando um paraíso hedonista, e a criação de almas seria impossível em tal mundo. No entanto, este é um argumento escorregadio. Com efeito, Hick afirma que Deus não teria nenhum método para avaliar o efeito da remoção de cada tipo de mal. Madden e Hare apontam que Deus poderia remover o mal a ponto de haver apenas o suficiente para justificá-lo como um meio para atingir o fim da criação da alma.

Finalmente, Hick apela ao mistério em seu argumento. Ele diz que o mistério de por que Deus faz o que faz também ajuda a promover a formação da alma. Mais uma vez, ele emprega a estratégia do tudo ou nada, dizendo que sem o mal ocasional, injusto, injustificado ou desnecessário, não haveria simpatia. Madden e Hare observam que existem três maneiras de criticar esta ideia. Em primeiro lugar, é possível ter simpatia por aqueles que estão sofrendo como um meio para atingir um fim desejado, como um marido que simpatiza com sua esposa que está sofrendo de dores de parto. O sofrimento traz simpatia e um fim desejado. Em segundo lugar, mesmo que seja necessário que haja sofrimento indevido para aumentar a compaixão, não é necessário que haja tanto sofrimento injusto como existe actualmente. Uma quantidade minúscula de sofrimento também serviria. Finalmente, o sofrimento injusto pode causar compaixão, mas também gera ressentimento. Madden e Hare argumentam que é provável que os aspectos negativos do ressentimento superem os aspectos positivos da compaixão.

 

Alvin Plantinga : 

Um defensor moderno da visão de Agostinho pode ser encontrado em Alvin Plantinga (Deus, a liberdade e o mal, 2012), que afirmou que para Deus ter criado um ser que só pudesse ter realizado boas ações teria sido logicamente impossível. Aqui estão seus pontos básicos:

Deus pode ter boas razões para permitir o MAL

O Livre Arbítrio exige a possibilidade do MAL

Deus não poderia libertar os humanos e não garantir nenhum MAL (sem pecado)

Ao examinar o Problema do Mal, Alvin Plantinga sustenta que a Defesa do Livre Arbítrio é um método aceitável para superar a afirmação de que o Problema do Mal nega a existência de Deus. Plantinga descreve a Defesa do Livre Arbítrio afirmando: “Um mundo contendo criaturas que são significativamente livres (e realizam livremente mais ações boas do que más) é mais valioso do que um mundo que não contém criaturas livres”. Plantinga também afirma que, para criar criaturas que sejam livremente capazes de cometer atos moralmente bons, Ele também deve criar criaturas que sejam simultaneamente igualmente capazes de cometer atos moralmente maus. Além disso, Deus não pode simultaneamente dar a essas criaturas a liberdade de cometer o mal e ainda assim impedi-las de fazê-lo. Uma objeção à Defesa do Livre Arbítrio é que é possível que seres capazes de cometer o mal nunca o façam. Com base na onipotência de Deus, é possível que exista um mundo cheio de tais criaturas. Aqueles que se opõem à Defesa do Livre Arbítrio usam esta linha de argumento para afirmar que ou Deus não é totalmente bom ou que Deus não é onipotente. Plantinga também oferece o argumento de Leibniz que afirmou que desde antes da criação, Deus teve a escolha de criar qualquer um de uma infinidade de mundos, e uma vez que o Deus onipotente e todo bom escolheu criar este mundo, ele deve ser o melhor mundo possível. Plantinga afirma, no entanto, que nenhum dos argumentos está correto e que, embora Deus seja onipotente, Ele não poderia simplesmente chamar à existência “qualquer mundo possível que Ele quisesse”. Devido ao fato de que os humanos são livres para fazer escolhas com base em experiências, se os humanos realizam ou não o bem ou o mal, em última análise, depende do humano, não de Deus. Embora existam muitos mundos possíveis que contenham o bem moral sem o mal moral, este mundo não tem de ser o melhor de todos os mundos possíveis. Além disso, devido à liberdade de ação atribuída aos humanos, Deus não poderia criar nenhum de uma infinidade de mundos, no entanto, Ele retém a onipotência.  

Em resposta à afirmação de que Deus poderia ter criado um mundo contendo bem moral, mas sem mal moral, Plantinga argumenta que, ao criar um mundo em que Deus ativamente faz com que as pessoas façam o bem, elas não são mais livres. Plantinga traz a ideia de depravação transmundana e argumenta que se uma pessoa sofre de depravação transmundana, Deus não pode atualizar um mundo em que essa pessoa mantenha sua liberdade e ainda assim não cometa erros. A fim de criar um mundo contendo apenas o bem moral, mas também contendo pessoas que sofrem de depravação transmundana, Deus teria que criar pessoas que fossem significativamente livres, mas que ao mesmo tempo, em virtude de sua depravação transmundana, em algum momento cometeriam o mal em relação a isso. a pelo menos uma ação em qualquer mundo possível. Assim, a consequência de criar um mundo em que estes que sofrem de depravação transmundana cometem o bem moral é criar um mundo em que estas pessoas cometem pelo menos um ato moralmente mau.

 

 Para Guilherme Rowe : É possível que existam e tenham existido atos malignos que não levaram a nenhum resultado bom. Assim, o argumento para defender Deus baseado na afirmação de que a divindade está usando o mal para algum propósito bom é derrotado. Baseado na mera possibilidade de um ato de maldade, de sofrimento humano, que é totalmente gratuito. Seria um ato em que um humano comete um ato maligno e outro humano sofre como resultado, mas o ato não é testemunhado por ninguém e tanto o malfeitor quanto a vítima da má ação morrem sem comunicá-la a ninguém, direta ou indiretamente. É possível que tal ato ocorra e, se assim for, não haveria possibilidade de ensinar qualquer lição a ninguém. Não haveria possibilidade de levar a um bem maior.  

Este é um argumento indutivo porque se baseia na possibilidade. Ele derrota a defesa da existência de uma divindade totalmente perfeita que é toda boa, toda poderosa e onisciente ao mesmo tempo.

O argumento de Rowe afirma o seguinte: “Há, com toda a probabilidade, pelo menos um caso de sofrimento que é completamente inútil. Se Deus existisse, Ele não teria permitido quaisquer casos de sofrimento completamente inúteis. Portanto, é bastante provável que Deus não exista. Esta prova simples e concisa torna a existência de Deus muito improvável, dado o fato do sofrimento inútil no mundo. Obviamente este argumento é válido, mas os termos devem ser esclarecidos para compreender todo o poder desta demonstração. O Deus a que Rowe se refere é o Deus tradicional do teísmo cristão, um ser onipotente, onisciente e totalmente benevolente. Um exemplo de sofrimento inútil seria aquele que Deus "poderia ter evitado sem perder algum bem maior" (Rowe 87). Assim, Deus estaria permitindo sofrimento inútil se, ao não intervir, uma oportunidade óbvia para algum bem maior fosse perdida, ou se um mal ainda mais horrível resultasse. Ele menciona o exemplo de um jovem cervo sofredor: "suponha que em alguma floresta distante um raio atinja uma árvore morta, resultando em um incêndio florestal. No incêndio, o cervo fica preso, horrivelmente queimado e fica em terrível agonia por vários dias antes de morrer alivia seu sofrimento" (Rowe 88). Agora parece bastante evidente que "nenhum bem maior... teria sido perdido se o sofrimento do cervo tivesse sido evitado" (Rowe 88). Portanto, você pode concluir que tal sofrimento foi, com toda probabilidade, inútil. A probabilidade depende da quantidade de informações básicas e, portanto, seria necessária onisciência para conhecer toda a extensão do exemplo acima. A esta objeção, o ateu pode responder na forma de uma pergunta: é razoável sustentar que, ao longo de todo o curso da história humana, não houve pelo menos um caso de sofrimento inútil? Pense no massacre de seis milhões de judeus por Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Não foi nenhuma dessas mortes inútil, tendo em conta as outras? Pense nas Cruzadas e no massacre de mulheres e crianças inocentes por “cristãos” que afirmavam ter permissão do próprio Deus. Não é eminentemente razoável sustentar que pelo menos um destes casos de sofrimento inocente foi inútil? Para estabelecer a segunda premissa, tudo o que é necessário é um caso assim. -Francesca Sinatra (QCC, 2003)

 

“Evolução e o Problema do Mal” por Paul Draper

 

Draper, embora esperançoso de que o teísmo seja verdadeiro, aponta que existem dois problemas que podem impedir que o teísmo seja verdadeiro. Esses dois problemas são evolução e mal. Draper usa argumentos evidenciais (argumentos baseados em certos fatos conhecidos) para mostrar que o naturalismo (negação de qualquer envolvimento sobrenatural na criação) é mais provável do que o teísmo (a ideia de que um ser sobrenatural “Deus” criou o mundo). Draper tenta mostrar que a evolução tem mais probabilidade de ser verdadeira na evolução do que no teísmo. Ele ressalta que para os naturalistas faltam alternativas plausíveis à evolução, enquanto para o teísta, que começa com coisas grandiosas como onisciência e onipotência, tudo é possível. Alguns teístas argumentam que a evolução complexa e bem ordenada de alguns seres não é possível sem a intervenção divina. Draper dá o exemplo do olho humano. Alguns teístas argumentam que a evolução não pode explicar exatamente como o olho se tornou tão incrivelmente complexo. No entanto, Draper salienta que ninguém ainda apresentou razões sólidas pelas quais a evolução não poderia ter alcançado a complexidade vista pelo olho humano. Embora Draper admita que existem algumas lacunas no conhecimento que temos sobre a evolução, ele rebate os argumentos baseados nessas lacunas dizendo que não há boas razões para acreditar que soluções naturalistas para os problemas ou questões relacionadas com a evolução serão eventualmente encontradas, como muitos já foram descobertos.    

Draper então prossegue discutindo o padrão de prazer e dor em conjunto com a evolução como um argumento probatório a favor do naturalismo sobre o teísmo. Draper ressalta que existem inúmeras conexões entre dor, prazer e sucesso reprodutivo. Ele observa que os humanos certamente consideram “um fogo quente numa noite fria” preferível a “deitar-se nus num banco de neve”, e depois liga estes casos à reprodução. Para que os humanos tenham sucesso na reprodução, eles devem manter uma temperatura corporal constante. Além disso, Draper observa que as crianças gostam de brincar umas com as outras, o que, segundo ele, é o desenvolvimento de uma habilidade social que aumenta as chances de procriação futura. Ao apontar que o processo cego da seleção natural é o que impulsiona a evolução e que muitas vezes uma característica forte (como andar ereto) que dá vantagens reprodutivas a uma espécie seria promovida, embora também possa vir com características mais fracas (como costas e pés). problemas), Draper argumenta que a seleção natural é muito mais provável no naturalismo evolucionista do que no teísmo. Além disso, se a seleção natural impulsiona a evolução, é muito provável que a evolução da dor e do prazer também tenha surgido da seleção natural, ligando assim inerentemente a dor e o prazer ao sucesso reprodutivo. Draper diz que esta ideia é reforçada pelo nosso conhecimento de que muitas partes dos sistemas orgânicos estão metodicamente ligadas ao sucesso reprodutivo. Draper afirma que “o objetivo biológico do sucesso reprodutivo não fornece a um criador onipotente e onisciente uma razão moralmente suficiente para permitir que humanos e animais sofram da maneira que sofrem ou para limitar seu prazer aos tipos e quantidades que encontramos”. Portanto, conclui Draper, a dor e o prazer e a sua ligação com a reprodução devem ser mais prováveis ​​no naturalismo evolucionista do que no teísmo. A aleatoriedade moral do prazer e da dor (isto é, pessoas boas que sofrem dor intensa e pessoas más que experimentam grande prazer) é muito mais provável se a causa do prazer e da dor estiver relacionada com o naturalismo evolutivo do que com um Deus sobrenatural. Embora nem o naturalismo nem o teísmo tenham sido provados como verdadeiros ou falsos, Draper argumenta que a razão da probabilidade do naturalismo é muito maior do que a razão da probabilidade do teísmo. Visto que o teísmo e o naturalismo são hipóteses opostas, ambos não podem ser verdadeiros simultaneamente. Portanto, considerando todas as coisas, a evolução e a seleção natural fornecem um argumento poderoso contra o teísmo.  

CLASSIFICANDO AS TEODICÉIAS BÍBLICAS (OU DEVE HAVER APENAS UMA?)

O mal e a teodiceia são centrais no enredo da Bíblia. Na verdade, eles são centrais para grande parte da grande literatura secular e especialmente religiosa da história. Teodicéia, para quem não sabe, é o termo cunhado (ou simplesmente popularizado) por Leibniz referindo-se ao tipo de justificativas ou explicações racionais dadas para a coexistência do mal e de Deus (ou dos deuses). A enorme obra editada de Antti Laato e Johannes C. de Moor,  Theodicy in the World of the Bible, é uma coleção de ensaios dedicados a explorar os vários tipos de teodicéias oferecidas tanto nos textos do Antigo Oriente Próximo (variando do texto sumério, assírio até o segundo Texto Judaico do Templo) envolvendo o mundo da Bíblia, bem como os próprios materiais bíblicos (Antigo e Novo Testamento). Eles o fazem tanto por razões historiográficas quanto por razões propriamente teológicas, convocando especialistas para descrever, criticar e recuperar as perspectivas dos antigos para reflexão hoje.

 

Uma Tipologia de Teodicéias

Numa tentativa de dar ordem aos vários ensaios e perspectivas, na sua introdução Laato e De Moor apresentam uma tipologia útil dos tipos de teodicéias encontradas nos textos com os quais os seus colaboradores lidam. Depois de listar várias categorias, eles restringem as suas opções às opções monoteístas e não-dualistas dadas na tradição teológica judaico-cristã:

Teologia da retribuição

Teodicéia educativa

Teodicéia escatológica

O mistério da teodiceia

Teodicéia da comunhão

Determinismo humano

Os nomes tendem a ser diretos, mas darei brevemente a essência de cada um, mas saiba que estou deixando de fora referências a vários textos que eles usam em cada seção.

A teologia da retribuição como teodiceia explica o sofrimento humano em termos de responsabilidade humana e punição divina pelo pecado. Aos seres humanos é dado o livre arbítrio, pelo qual são legalmente responsáveis ​​(de acordo com a teologia da aliança generalizada encontrada tanto na ANE como no registo bíblico), e como violadores, grande parte do mal sofrido é o resultado da retribuição divina. Grande parte da teodicéia apresentada no AT em torno do Exílio se enquadra nesta rubrica, bem como a literatura deuteronomística e vastas áreas dos textos sapienciais. A desobediência resulta em maldição, assim como Levítico e Deuteronômio alertaram.

A teodicéia educativa pode ser encontrada em lugares como Jó, Jeremias, Lamentações, Rute e outros tipos de literatura sapiencial. Em essência, o sofrimento é permitido à luz dos justos porque através dele ele obtém uma compreensão que de outra forma não teria. Noemi aprende que os propósitos de Deus vão além do que ela poderia imaginar, à medida que seu sofrimento leva à linhagem do rei davídico.

A teodicéia escatológica tenta justificar Deus permitindo o mal, apontando para a recompensa dos justos na vida após a morte ou para o julgamento dos ímpios que está por vir. Este tópico é encontrado em algumas literaturas proféticas, como Isaías, Daniel e assim por diante. Aqui, a ênfase em mostrar que muito sofrimento humano não terá sido em vão. É uma teodicéia de conforto, nesse sentido.

O mistério da teodicéia refere-se às várias tradições que enfatizam o fato de que simplesmente não sabemos o que Deus está tramando. Aqui, os limites epistemológicos da humanidade são comparados à sabedoria ilimitada e insondável do divino. O livro de Jó e Qohélet são aqui tomados como paradigmas, assim como a leitura de Jó por Maimonede ou a teologia de 4 Esdras. Lamentações também contém textos que obedecem a esse padrão.

A teodicéia da comunhão enfatiza o fato de que, em meio ao sofrimento, o aflito pode, no final, aproximar-se de Deus. Salmos é uma testemunha chave aqui. Mas, novamente, Jó também. Aqui, Laato e De Moor também incluem a tradição do Servo Sofredor de Isaías, onde seu sofrimento expiatório e redentor realmente aproxima a nação de Deus por meio da reconciliação. Por essa razão, é difícil classificá-lo apenas sob a comunhão, porque (juntamente com as tradições posteriores dos mártires nos Macabeus) combina o sofrimento pelo pecado com o relacionamento restaurado. Na verdade, muitas vezes as tradições dos mártires que seguem misturam também dimensões educativas e escatológicas.

Finalmente, as teodicéias deterministas humanas apelam para uma certa e necessária pecaminosidade humana ou com o determinismo divino. Aqui Laato e De Moor têm menos material, e o material bíblico que eles apresentam são sugestões de Paulo e Qohélet. Parece que o material bíblico sobre a natureza obstinada de Israel e o discurso de Moisés em Deuteronômio também podem se encaixar bem aqui.

 

Respostas variadas para experiências variadas

A tipologia e a útil revisão da literatura de Laato e De Moor apontam muito bem para um dos meus principais problemas com certos tipos de teodicéias que vejo serem oferecidas: muitos insistem que apenas um ou dois desses ângulos teódicos são a resposta adequada ou a explicação do sofrimento. Na verdade, parece que, à luz do facto de todos estes temas estarem em jogo no texto bíblico, é provável que devamos compreender que todos eles desempenham um papel parcial na explicação do problema do mal nas Escrituras. Por essa razão, devemos abster-nos de nos decidirmos por apenas uma resposta ou de reduzir as nossas explicações a respostas simples e adequadas. Deveríamos também diminuir o ritmo de rejeição destas respostas como parte da análise bíblica, como alguns fizeram, simplesmente porque não dão conta de uma determinada experiência ou texto. Tomada como uma resposta total, talvez não, mas como uma dimensão parcial, pode ser muito útil.

É inegável que às vezes o mal nos atinge por causa de escolhas malignas que levam ao sofrimento (tanto para o perpetrador como para a vítima). Além disso, as Escrituras atesta que o mal muitas vezes provoca a retribuição de Deus nesta vida. É claro que discernir que a retribuição é uma tarefa arriscada para aqueles que não têm olhos para ver (como Eliseu fez) ou lábios limpos pelo fogo purificador de Deus (como fez Isaías), por isso é sábio abster-se de presumir que todo sofrimento é o resultado direto de pecar como os discípulos fizeram (João 9). De outro ângulo, pode ser que soframos o mal porque Deus está atrasando a retribuição e assim o mal terá a sua recompensa na próxima vida, e o sofrimento imerecido será recompensado também nessa altura. Além do mais, pode muito bem acontecer que Deus permita certos casos de sofrimento para nos ensinar ou para nos aproximar de Si mesmo. Finalmente, como já argumentei, pode ser que alguma explicação última para males específicos ou para o mal como um todo só seja revelada no final de todas as coisas. O mistério pode coexistir com o reconhecimento de que existem várias dimensões no problema do mal.

O corpus bíblico é multifacetado, assim como o seu testemunho teológico. Não quero dizer que seja autocontraditório, mas que preserva uma pluralidade de vozes que testemunham as várias dimensões reais da existência humana no mundo que precisam de ser tidas em conta e não simplesmente achatadas umas nas outras. E isso faz sentido, visto que é a revelação de Deus e de suas obras. O próprio Deus sabe compreender o todo a partir da sua perspectiva eterna, unificada e singular, mas para seres finitos como nós, precisamos de múltiplos ângulos ou lentes sobre o mundo para garantir que obtemos uma compreensão mais apropriada do todo.

 

ENTÃO, POR QUE PERMITIR O MAL?

A lógica diz que Deus não precisa criar o mal para que exista o mal. A lógica diz que Deus não precisa se conformar às nossas preferências morais para ser perfeitamente bom. Então, como pode uma pessoa racionalizar a existência do mal de uma forma que seja relevante para a nossa própria experiência?

O primeiro ponto que deve ser compreendido é que Deus é consistente na Sua “permissão” do nosso livre arbítrio e na função natural da Sua criação. Acontece que é o fato de Deus ser consistente em Seu comportamento moral que irrita enormemente o cético. Isto ocorre porque a consistência de Deus vai contra as nossas preferências humanas: preferimos que Deus contorne ou quebre as regras para se adequar às nossas preferências egoístas.

Por exemplo, Deus é consistente em permitir aos seres humanos um amplo uso do livre arbítrio. Isto inclui permitir às pessoas a liberdade de rejeitar a Sua vontade e desprezar os Seus mandamentos. Isso pode resultar em consequências para aqueles que optam por desobedecer. Ao mesmo tempo, grande parte do sofrimento do homem na terra se deve às decisões de outras pessoas. Aí, mais uma vez, Deus está sendo consistente ao permitir à humanidade a liberdade de agir.

Na verdade, isto nada mais é do que uma reformulação do argumento anterior sobre permitir o potencial para o mal, porque, sem ele, não há potencial para o bem. As mesmas leis naturais que nos permitem construir arranha-céus e desenvolver medicamentos podem ser utilizadas abusivamente para fabricar bombas e drogas ilícitas. São as mesmas leis que produzem terremotos e furacões. Muitas vezes, fazemos escolhas sabendo dos riscos envolvidos ou com a intenção deliberada de fazer mau uso da criação e depois culpamos a Deus quando esses problemas potenciais se materializam.

O segundo ponto a salientar é que Deus não está imóvel, silencioso e inativo diante do mal. Aqui, novamente, há um ponto em que a crítica se torna inconsistente. As mesmas vozes que tentam dizer: “Deus não está fazendo o suficiente para impedir o mal” são quase sempre as mesmas que se opõem quando Deus faz algo para impedir o mal. Os incidentes mais frequentemente apontados pelos críticos da Bíblia como evidência da suposta imoralidade de Deus (como a destruição de Sodoma) foram momentos em que Deus declarou explicitamente que Suas ações foram uma resposta à malevolência. Eles eram Seu meio de deter e prevenir mais males.

O mesmo crítico que clama: “Deus não faz nada contra o mal”, é muitas vezes a mesma pessoa que chama Deus de imoral pelas Suas ações no dilúvio. Ou contra os amalequitas. Ou em Jericó. Deus já tomou medidas para neutralizar e combater o mal. Dizer que Ele não faz “nada” é simplesmente falso. Reclamar que Ele faz “demais” para impedir o mal é muito bom, mas isso torna a teodiceia irrelevante e o problema do mal discutível.

O terceiro ponto é que temos uma perspectiva limitada. Este não é um argumento muito persuasivo, especialmente para alguém hostil à ideia de Deus. Mas, logicamente, deve ser dito que o Deus sob exame é considerado onisciente, onipotente, eterno e onipresente. Nós, é claro, não somos. Frequentemente ouvimos empregadores, militares, pais, médicos e outras pessoas a lembrar-nos que há coisas a acontecer “nos bastidores” que simplesmente não conseguimos compreender. A nossa incapacidade de compreender certas decisões não é uma prova concreta de que essas decisões estão erradas. Isso não significa nada mais do que termos uma compreensão incompleta.

Finalmente, é preciso considerar todas as críticas ao mal em todo o contexto do ensino cristão. Se esta vida fosse tudo o que existe, então o problema do mal seria um problema muito maior. Porém, de acordo com a Bíblia, esta não é a única vida que viveremos. Uma pessoa pode rejeitar essa crença, mas não pode criticar o Deus da Bíblia e a Sua moralidade como se a vida após a morte não fosse uma parte intrínseca da compreensão moral cristã. Os cristãos acreditam que todos os erros – cada um deles – serão levados em conta algum dia. Eles acreditam que Deus está agindo para restringir o mal agora, assim como fez no passado. A Bíblia deixa claro que as lutas que enfrentamos agora não são o propósito para o qual existimos, nem definem o nosso valor. Em vez disso, há um ponto no sofrimento e um plano que envolve consertar todos os erros.

De volta ao início

Olhando para estas ideias, podemos ver que a versão de Epicuro do problema do mal sofre de uma falha fatal. Isto pode ser resumido numa simples afirmação: o “Deus” que Epicuro critica não é o Deus da Bíblia. Em outras palavras, a crítica de Epicuro só funciona contra as divindades do politeísmo grego e no contexto de uma visão politeísta da realidade.

O cristão pode responder a Epicuro da seguinte forma:

Deus está disposto a prevenir o mal, mas é incapaz de fazê-lo? Então ele não é onipotente. Deus está disposto a limitar o mal e agiu exatamente para fazer isso. Então, Ele ainda é onipotente.

Ele é capaz, mas tem não tem vontade? Então ele é malévolo. Deus é capaz, mas não quer, de abolir nosso livre arbítrio. Então, Ele ainda é onibenevolente.

Ele é capaz e está disposto? Então de onde vem o mal? Deus agiu para derrotar o mal. O mal surge simplesmente quando ficamos aquém da Sua vontade.

Ele não é capaz nem quer? Então por que chamá-lo de Deus? Deus não está disposto a impedir nosso livre arbítrio. Sua desaprovação não faz Dele menos Deus.

E, para Lex Luthor, mais amigo da cultura pop, o Cristianismo pode responder da seguinte forma:

“Se Deus é todo-poderoso, ele não pode ser totalmente bom. E se ele for bom, então ele não pode ser todo-poderoso.” Deus pode ser todo-poderoso e optar por não agir de acordo com suas preferências. Quando você diz “tudo bem”, o que realmente quer dizer é “fazer as coisas do meu jeito”; e quando você diz “todo poderoso”, o que você realmente quer dizer é “capaz de nos tornar simultaneamente livres e robóticos”, o que é um jargão sem sentido. Um Deus todo-poderoso e todo bom pode permitir o mal para obter o bem maior e eterno.

Os seres humanos sempre lutarão com o problema do mal. A teodicéia não é uma tentativa de fazer Deus parecer o mais palatável possível. Na verdade, o oposto é verdadeiro. Uma teodiceia verdadeiramente racional tem de começar com a admissão de que a nossa antipatia por alguma coisa não a torna falsa. A questão não é se Deus é compatível com as nossas preferências pessoais. O problema do mal é simplesmente o debate sobre se Deus é ou não logicamente possível. A teodiceia, reunindo toda a lógica e evidência, diz claramente que Ele existe – quer gostemos Dele ou não.

terça-feira, 14 de maio de 2024

 

O que é teologia filosófica?

 

Esta postagem foi extraída de An Introduction to Christian Philosophical Theology: Faith Seeking Understanding, de Stephen T. Davis e Eric T. Yang .

 

Teologia envolve pensar e falar sobre Deus, tarefa que deve ser abordada com certa medida de temor e tremor. A teologia é importante não apenas na academia ou na sala de aula, mas também na vida cotidiana dos cristãos que adoram a Deus e acreditam nele.

Mas o que a teologia tem a ver com a filosofia? Como devemos empregar ferramentas filosóficas no estudo da teologia cristã? Como examinamos a consistência lógica ou inteligibilidade das doutrinas-chave da fé cristã, como a doutrina da Trindade ou a encarnação? Posso fazer essas perguntas?

Quando confrontados com estas questões difíceis, podemos ficar tentados a dizer que são tão misteriosas que não conseguimos ter qualquer compreensão coerente delas. Geralmente isso interrompe a conversa, o que é bastante lamentável. Afinal, o que as Escrituras e os teólogos normalmente querem dizer com “mistério” é a revelação de algo não conhecido anteriormente e de algo que não poderia ter sido conhecido sem a revelação divina. Dizer “nunca poderemos compreender” em resposta a doutrinas difíceis pode levar à preguiça intelectual ou ao pensamento desleixado. É claro que nenhum cristão sensato afirmaria que alguma vez poderíamos compreender completamente estas doutrinas cristãs. Mas os cristãos têm a responsabilidade de apresentar uma explicação logicamente consistente das doutrinas cristãs; pois rejeitamos certas religiões ou certas afirmações de outras religiões com base no facto de serem logicamente inconsistentes ou ininteligíveis. Assim, no mínimo, as doutrinas cristãs não deveriam conter contradições lógicas ou ser totalmente incompreensíveis.

Este é o domínio da teologia filosófica: o tipo de contribuição que o raciocínio filosófico pode trazer ao estudar e refletir sobre algumas das principais doutrinas cristãs. O objetivo não é resolver esses dilemas teológicos da mesma forma que resolvemos quebra-cabeças e enigmas. Em vez disso, o objetivo é aprofundar a nossa compreensão e apreciação das doutrinas em que acreditamos porque Deus as revelou a nós.

Antes de podermos compreender o que é teologia filosófica, precisamos esclarecer alguns termos. Examinaremos primeiro a teologia , depois a filosofia e, finalmente, a teologia filosófica .

O que é teologia?

A teologia pode ser caracterizada como a tentativa de pensar clara e metodicamente sobre as doutrinas que os cristãos acreditam que nos foram reveladas por Deus . Muitas dessas doutrinas são obviamente essenciais ao Cristianismo. Eles incluem crenças sobre Deus, Cristo, o mundo, os seres humanos, o futuro e muitas outras coisas. A teologia é uma tentativa de esclarecer e explicar o que são essas doutrinas. Diríamos que a teologia é algo que todo cristão pratica, mas também há muitos teólogos reconhecidos na igreja, tanto no passado como no presente. Obviamente, os cristãos nem sempre concordam quanto à doutrina; a teologia é muitas vezes argumentativa. Mas também afirmaríamos que existem certas crenças fundamentais que são essenciais ao Cristianismo e que todos os cristãos deveriam manter.

Existem muitos ramos da teologia:

A teologia sistemática tenta dizer o que são as doutrinas cristãs e como elas se unem para formar um todo coerente.

A teologia bíblica se esforça para esclarecer e explicar as crenças, práticas e conceitos ensinados na Bíblia.

A teologia histórica investiga e explica o trabalho de teólogos anteriores e os ensinamentos dos credos clássicos.

A teologia natural é a tentativa de provar crenças cristãs específicas apenas pelo uso da razão humana, independentemente da revelação especial, como a existência de Deus ou dos atributos de Deus.

A teologia moral procura expressar os ensinamentos bíblicos e cristãos sobre o que é certo e o que é errado, sobre quais os deveres e obrigações que existem – tanto para os indivíduos como para as sociedades.

A teologia pastoral aplica o ensino cristão às tarefas práticas de ajudar as pessoas a viver, especialmente nas suas experiências quotidianas, o que inclui lidar com o sofrimento.

A apologética é a tarefa de defender as crenças cristãs, tanto apresentando argumentos a favor delas como defendendo-as contra críticas.

O que é filosofia?

Os filósofos discordam notoriamente sobre como definir a palavra filosofia. Tal como a entendemos, a filosofia envolve a tentativa de responder a questões últimas. Uma pergunta final é uma pergunta que: as pessoas estão profundamente interessadas e desejam desesperadamente responder, e isso não pode ser respondida pelos métodos da ciência.

Aqui estão alguns exemplos das questões finais das quais estamos falando:

Vou viver depois de morrer?

O que me torna a mesma pessoa ao longo do tempo?

O que é conhecimento e como ele difere de outros estados cognitivos, como crença ou opinião?

Posso saber que não estou sonhando ou em uma simulação de computador?

Qual o significado da vida?

Quem está vivendo uma vida boa?

O que torna uma ação certa ou errada?

Deus existe?

Minhas ações podem ser livres e determinadas?

Estas são questões que continuam a reaparecer na história do pensamento humano (e mantêm algumas pessoas acordadas à noite!), e não parecem ser respondidas pelos métodos da ciência. Não podemos realizar um experimento, analisar números ou fazer uma enquete para encontrar as respostas. São, então, questões últimas.

A filosofia parece para algumas pessoas vaga, especulativa e irrelevante para a vida real. Mas não deveria ser assim. A filosofia tenta ajudar as pessoas de uma forma concreta: tenta responder a questões como estas que fascinam muitos de nós. A filosofia não é apenas para filósofos profissionais. Qualquer um que faça uma pergunta última é um filósofo. Encontramos questões filosóficas em lugares inesperados – não apenas na sala de aula, mas também no mercado, não apenas em livros didáticos empoeirados, mas também em filmes, canções, romances e poemas.

A filosofia pode ser fascinante e frustrante. O fascínio emerge das questões intrinsecamente interessantes que considera. A frustração surge do facto de as investigações filosóficas nem sempre produzirem respostas claras ou fáceis. Freqüentemente, o resultado final da investigação filosófica são mais perguntas. Foi o caso do filósofo grego Sócrates e deixou os seus interlocutores bastante perturbados! Mesmo que não possamos responder satisfatoriamente a todas as questões filosóficas, pensamos que o progresso é feito quando as questões que nos interessam são mais esclarecidas, quando certas posições são descartadas e quando conseguimos compreender melhor que abordagem ou qual método seria útil para abordar certas perguntas.

A limitação da investigação filosófica não é necessariamente um defeito – e a razão pela qual existe tal limitação intelectual é mesmo uma questão filosófica. Mas pensamos que o reconhecimento de tais limitações pode produzir humildade intelectual, e acreditamos que a prática da filosofia pode ajudar a inculcar também outras virtudes intelectuais, tais como a mente aberta[1], a autonomia intelectual, o cuidado intelectual, e assim por diante. Portanto, mesmo que você não obtenha respostas para algumas das questões fundamentais, praticar filosofia ou envolver-se em investigação filosófica pode ajudá-lo a se tornar uma pessoa mais virtuosa intelectualmente.

Dito isto, pensamos que podemos responder a algumas questões fundamentais, mesmo que não tenhamos certeza das nossas respostas ou mesmo que o desacordo com outros filósofos permaneça. Pensamos até que encontrámos algumas respostas para algumas das questões fundamentais, embora reconheçamos a nossa falibilidade, e é por isso que queremos continuar a discutir. Ter certeza sobre qualquer coisa é difícil e, portanto, os filósofos normalmente aceitam objeções e críticas aos seus pontos de vista e argumentos, uma vez que mostrar onde erramos seria uma melhoria intelectual. O objetivo da argumentação, tal como a vemos, não é ser combativo; pelo contrário, é uma forma de apresentar razões para os nossos pontos de vista ou de levantar preocupações com várias tentativas de responder a questões fundamentais.

Filosofia e teologia cristã

Antes de prosseguirmos na explicação do que é a teologia filosófica, deveríamos perguntar qual é a relação entre a filosofia e a teologia cristã. Essa é uma questão complicada. Por um lado, é evidente que existem semelhanças entre os dois. Muitas das perguntas feitas pelos filósofos são semelhantes àquelas que os teólogos tentam responder: Deus existe? O que acontecerá comigo quando eu morrer? Qual o significado da vida? Além disso, filósofos e teólogos partilham certas preferências metodológicas: ambos lutam por um pensamento sistemático e conectado. Além disso, ambas as disciplinas são, até certo ponto, disciplinas retrógradas. Tanto filósofos quanto teólogos estudam cuidadosamente as obras de praticantes anteriores. Na verdade, grande parte do ímpeto para o seu trabalho é fornecido pelo estudo do passado.

Mas também existem diferenças importantes. A mais importante é que a teologia cristã se baseia na suposição de que certas proposições devem ser aceitas porque são verdades reveladas. Isto é, em teologia, certas afirmações podem ser e geralmente são aceitas com base na autoridade, por exemplo, porque a Bíblia assim o diz. Assim, nas páginas das obras teológicas cristãs, é bastante comum encontrar referências bíblicas anexadas aos argumentos, referências que são obviamente concebidas para dar credibilidade e autoridade aos pontos apresentados. Os filósofos típicos, por outro lado, exigem argumentos, razões ou evidências para que algum ponto seja aceitável. Raramente, ou nunca, apelarão a uma autoridade como razão para aceitar uma opinião. Em vez disso, normalmente apelarão para a razão ou argumento apresentado para essa visão.

Por causa desta diferença, algumas pessoas pensam que a filosofia e a teologia são inimigas. Muitos filósofos aparentemente acreditaram nisso, assim como algumas grandes figuras da teologia cristã, de Tertuliano a Karl Barth. Alguns até pensam que o apóstolo Paulo afirmou veementemente que a filosofia e o evangelho cristão estão em conflito um com o outro: “Cuide para que ninguém os leve cativos através de uma filosofia vazia e enganosa, que depende da tradição humana e das forças espirituais elementares desta mundo e não em Cristo” (Colossenses 2:8). As palavras de Paulo podem facilmente ser mal interpretadas. É claro que muitas filosofias são inimigas da fé cristã, mas acreditamos que a própria filosofia – a busca de respostas para questões fundamentais – é neutra. Alguns filósofos atacam a religião e alguns a defendem, mas a própria filosofia não é inimiga nem amiga da fé cristã.

A breve passagem de Colossenses não deve ser tomada como uma condenação de Paulo a toda filosofia. O discurso de Paulo em Atenas, registrado em Atos 17, mostra como ele poderia apreciar e até mesmo utilizar a filosofia atual de sua época. Ele até parece ter citado filósofos e poetas estóicos! O que Paulo criticava eram as especulações fantásticas e mitológicas que estavam sendo perpetradas entre os cristãos colossenses. Na verdade, ele estava dizendo: “Não se deixem iludir por pensamentos vazios e supersticiosos disfarçados de sabedoria ou filosofia”.

E seguindo 1 Coríntios 1:17–25 e 2:1–14, concordamos que

A fé cristã não se baseia na sabedoria filosófica, mas na verdade revelada; a verdade revelada aos olhos dos cristãos pode parecer tola aos incrédulos; nenhum sistema racional concebido por humanos, por mais eloquentemente expresso, tem o poder de salvar almas; e a verdadeira sabedoria a respeito de Deus não é alcançada pelo raciocínio, mas pela fé.

Mas não sustentamos que o raciocínio esteja divorciado da fé. Embora o raciocínio não esgote a fé, acreditamos que é um elemento vital da fé. Além disso, como argumentou Tomás de Aquino, a filosofia pode fazer algumas coisas pela fé. Pode ajudar ordenar sistematicamente as proposições que são aceitas com base na fé. E pode ajudar a defendê-los contra críticas. Consequentemente, a filosofia pode relacionar-se de maneira útil tanto com a teologia sistemática quanto com a apologética.

Nem todos os cristãos se consideram filósofos, embora, como afirmamos acima, todos os cristãos sejam filósofos na medida em que fazem perguntas fundamentais. Mas alguns crentes deveriam tentar sistematizar e defender a fé. Na verdade, alguns cristãos devem fazer filosofia. Para pessoas com inclinações filosóficas que também são cristãs, fazer filosofia pode ser uma necessidade espiritual porque são incapazes de acreditar, a menos que os seus escrúpulos racionais o permitam. Isto não significa que a fé dessas pessoas seja meramente intelectual – fria, teórica e desapaixonada. Os crentes com inclinações filosóficas podem estar profunda e apaixonadamente comprometidos com a fé.

O que é teologia filosófica?

A teologia filosófica tenta usar as metodologias e recursos conceituais dos filósofos e aplicá-los a questões teológicas. Ora, certamente existem alguns teólogos que abordam questões teológicas filosoficamente, e nós os admiramos profundamente. Mas nem todos os teólogos abordam questões teológicas armados com os pressupostos, os recursos conceituais ou as metodologias da filosofia. Na verdade, alguns teólogos recentes e contemporâneos têm sido bastante resistentes à filosofia e às suas ferramentas.

O ponto crucial é que os teólogos filosóficos, ao contrário daqueles que fazem filosofia da religião, estão preparados para aceitar a verdade das crenças cristãs cruciais desde o início. Algumas destas verdades são frequentemente defendidas, é claro, mas também são por vezes tomadas como premissas assumidas em argumentos. Os teólogos filosóficos trazem consigo seus compromissos de fé.

A teologia filosófica, então, permite que proposições relativas a doutrinas como a Trindade ou a encarnação passem pelo rigor do escrutínio filosófico com testes de inteligibilidade e consistência lógica. Além disso, o objetivo é alcançar uma compreensão mais profunda do ensino cristão. Nenhum filósofo ou teólogo sensato negará o manto de mistério que cobre o nosso pensamento sobre Deus e, portanto, nenhum filósofo ou teólogo sensato se esforçará pela compreensão total ou se esforçará para remover todos os mistérios. Mas o desejo é ter fé buscando entendimento.

Para que serve a teologia filosófica? Por que isso é importante? Quando falamos do valor da teologia filosófica, não estamos necessariamente falando do uso aberto da lógica (silogismos, símbolos, etc.), que alguns filósofos usam como ferramentas úteis no seu próprio trabalho puramente filosófico. O que temos em mente é o seguinte:

Evitando o ofuscamento: devemos escrever e falar com clareza, para que o nosso significado seja compreensível (admitimos que mesmo alguns filósofos não conseguem alcançar esse resultado; no entanto, os filósofos lutam por isso).

Fazer distinções cuidadosas: devemos evitar caricaturas, conflações ou simplificação excessiva de pontos de vista ou reivindicações.

Fornecer uma visão logicamente consistente: devemos evitar qualquer visão que implique uma contradição lógica.

Proporcionar uma visão inteligível: devemos ser capazes de ter alguma compreensão dos conceitos ou termos empregados.

Ser biblicamente fiéis: devemos garantir que os nossos pontos de vista ou afirmações não contradizem o ensino claro das Escrituras, e o exame filosófico pode ajudar-nos a detectar melhor se existem tais conflitos.

Na nossa opinião, há demasiada ignorância e negligência intelectual entre alguns cristãos e, infelizmente, entre alguns líderes religiosos. Por exemplo, em nossa experiência encontramos alguns cristãos que defendem as seguintes crenças:

Contanto que você seja sincero e não machuque ninguém, Deus não se importará com o que você acredita.

A Trindade nos obriga a acreditar que 3 = 1.

Qualquer cristão que esteja sofrendo de alguma doença ou enfermidade não está orando o suficiente ou não confia realmente em Deus.

Viveremos para sempre com Deus sem nossos corpos.

Os líderes cristãos têm a responsabilidade de corrigir este tipo de erros, de instruir as pessoas sobre quais são as verdadeiras crenças e práticas cristãs. Acreditamos que a teologia filosófica pode ajudar muito nessa tarefa.

É claro que há muito mais em fazer teologia do que aquilo que a lógica e a filosofia podem contribuir. Mas para nós, não é surpreendente que exista uma série de pensamentos desleixados sobre questões teológicas por parte daqueles que negligenciam o aprendizado de lógica e filosofia básicas.

Esperamos que, ao ler este livro e esta série, você veja o que a teologia filosófica pode contribuir à medida que trabalhamos juntos para pensar e falar sobre o Deus que se revelou a nós.