domingo, 8 de novembro de 2015

POR QUE LER AGOSTINHO?[1]
Em nossa breve tradição protestante no Brasil, a reação ao catolicismo romano tem, não raras vezes, rejeitado muito dos símbolos, tradição, produção teológica, proponentes da fé que são, normalmente, associados à Roma. Assim, não é incomum alguma desconfiança do leitor mais desavisado, porém sincero e zeloso, quando se fala no proveito que temos pela leitura e aprendizado com aqueles que estejam ligados à tradição romana. Mas essa reação muitas vezes é exagerada e mais emocional do que justa. Muito do que é rejeitado é herança da cristandade, da fé cristã na história e de imenso proveito para os cristãos hoje. Faríamos bem em, ao contrário dessa tendência, resgatar e valorizar esse rico legado.
Em Agostinho, particularmente, há muito que aprender – como fizeram também nossos pais reformadores e toda tradição cristã nesses últimos dezessete séculos.
E há muito o que ler de Agostinho. Dentre os Pais da Igreja, seus escritos são os mais abundantes. A história de sua vida e sua obra foram catalogados pelo cuidadoso trabalho de seu biografo e contemporâneo Possídio, que escreveu a Vita Augustini e indexou nela o Indiculos, que elencava e reproduzia suas principais obras. São centenas de homilias e cartas ainda preservadas e várias obras filosóficas e teológicas que, conforme coloca Ratzinger, “são de importância fundamental, não só para o cristianismo, mas para a formação de toda cultura ocidental”.[2]
Em seus escritos, temos um tesouro de sabedoria que pode fazer muito bem ao povo de Deus, se lido com discernimento. É claro que Agostinho teve os seus limites e cometeu seus equívocos. Mas encontramos nele uma mente brilhante e um coração radiante, que ardia por amor a Deus, como pouco se vê em nossos tempos. Temos nele um esforço diligente para submeter todas as coisas à revelação. Suas Confissões, aliás, são a grande prova disso. Foi somente quando a Escritura falou que sua obstinada busca pela verdade cessou. A partir desse ponto, ele passa a ser um estudioso da verdade contida nas Escrituras.
Conforme colocou Solano Portela “Agostinho cavou nas Escrituras em busca da verdade; a Reforma fez o mesmo; Calvino continuou cavando e olhando com mais clareza as Escrituras; nós temos de fazer o mesmo. Igreja Reformada sempre se reformando é isso”.
Em Agostinho, temos uma impressionante profundidade teológica, assertividade e firmeza doutrinária, intensa devoção a Deus, inquestionável respeito ao texto bíblico e genuína preocupação pastoral.
Essas qualidades são um grande estímulo para o estudante de teologia, particularmente, mas também para todo cristão sincero que busca agradar a Deus e viver neste mundo vil e cheio de perigos – especialmente diante dos muitos desafios enfrentados pela fé cristã de nossos tempos, em que os valores deste mundo são difusos, em que há uma crise de conteúdo e substância de fé e onde os homens - e, surpreendentemente, até mesmo uma ala do cristianismo - suspeitam dos dogmas e afirmações da Palavra de Deus e da ortodoxia cristã. Em Agostinho temos a junção de vida vigorosa e doutrina robusta. Isso faz dele um campeão da fé.
Mais uma vez, Ratzinger oferece um útil insight sobre a obra de Agostinho:
“Em seus escritos [Agostinho] o encontramos vivo. Quando leio os escritos de Santo Agostinho, não tenho a impressão que se trata de um homem morto há mil e seiscentos anos, mas sinto-o como um homem de hoje: um amigo, um contemporâneo que me fala, que fala a nós com sua fé vigorosa e atual. Nele vemos a atualidade permanente de sua fé. Fé que vem de Cristo, Verbo Eterno encarnado, Filho de Deus e Filho do homem. E podemos ver que essa fé não é de ontem, mesmo tendo sido pregada ontem; é sempre de hoje, porque Cristo é realmente ontem, hoje e para sempre. Ele é o caminho, a verdade e a vida. Assim nos encoraja Agostinho a confiarmos neste Cristo sempre vivo e encontrar nele o caminho da vida.[3]



[1] TIAGO J. SANTOS FILHO, edição da Revista Fé para Hoje celebra a vida e obra de Agostinho de Hipona
[2] Bento XVI. Os Padres da Igreja (Campinas, SP: Eclesiae, 2012) .
[3] idem

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