POR QUE LER AGOSTINHO?[1]
Em nossa breve tradição
protestante no Brasil, a reação ao catolicismo romano tem, não raras vezes, rejeitado
muito dos símbolos, tradição, produção teológica, proponentes da fé que são,
normalmente, associados à Roma. Assim, não é incomum alguma desconfiança do
leitor mais desavisado, porém sincero e zeloso, quando se fala no proveito que
temos pela leitura e aprendizado com aqueles que estejam ligados à tradição
romana. Mas essa reação muitas vezes é exagerada e mais emocional do que justa.
Muito do que é rejeitado é herança da cristandade, da fé cristã na história e
de imenso proveito para os cristãos hoje. Faríamos bem em, ao contrário dessa
tendência, resgatar e valorizar esse rico legado.
Em Agostinho, particularmente, há
muito que aprender – como fizeram também nossos pais reformadores e toda
tradição cristã nesses últimos dezessete séculos.
E há muito o que ler de
Agostinho. Dentre os Pais da Igreja, seus escritos são os mais abundantes. A história
de sua vida e sua obra foram catalogados pelo cuidadoso trabalho de seu
biografo e contemporâneo Possídio, que escreveu a Vita Augustini e indexou nela
o Indiculos, que elencava e reproduzia suas principais obras. São centenas de
homilias e cartas ainda preservadas e várias obras filosóficas e teológicas
que, conforme coloca Ratzinger, “são de importância fundamental, não só para o
cristianismo, mas para a formação de toda cultura ocidental”.[2]
Em seus escritos, temos um
tesouro de sabedoria que pode fazer muito bem ao povo de Deus, se lido com
discernimento. É claro que Agostinho teve os seus limites e cometeu seus
equívocos. Mas encontramos nele uma mente brilhante e um coração radiante, que
ardia por amor a Deus, como pouco se vê em nossos tempos. Temos nele um esforço
diligente para submeter todas as coisas à revelação. Suas Confissões, aliás,
são a grande prova disso. Foi somente quando a Escritura falou que sua
obstinada busca pela verdade cessou. A partir desse ponto, ele passa a ser um
estudioso da verdade contida nas Escrituras.
Conforme colocou Solano Portela
“Agostinho cavou nas Escrituras em busca da verdade; a Reforma fez o mesmo;
Calvino continuou cavando e olhando com mais clareza as Escrituras; nós temos
de fazer o mesmo. Igreja Reformada sempre se reformando é isso”.
Em Agostinho, temos uma
impressionante profundidade teológica, assertividade e firmeza doutrinária, intensa
devoção a Deus, inquestionável respeito ao texto bíblico e genuína preocupação
pastoral.
Essas qualidades são um grande
estímulo para o estudante de teologia, particularmente, mas também para todo cristão
sincero que busca agradar a Deus e viver neste mundo vil e cheio de perigos –
especialmente diante dos muitos desafios enfrentados pela fé cristã de nossos
tempos, em que os valores deste mundo são difusos, em que há uma crise de conteúdo
e substância de fé e onde os homens - e, surpreendentemente, até mesmo uma ala
do cristianismo - suspeitam dos dogmas e afirmações da Palavra de Deus e da ortodoxia
cristã. Em Agostinho temos a junção de vida vigorosa e doutrina robusta. Isso
faz dele um campeão da fé.
Mais uma vez, Ratzinger oferece um
útil insight sobre a obra de Agostinho:
“Em seus escritos [Agostinho] o encontramos
vivo. Quando leio os escritos de Santo Agostinho, não tenho a impressão que se
trata de um homem morto há mil e seiscentos anos, mas sinto-o como um homem de
hoje: um amigo, um contemporâneo que me fala, que fala a nós com sua fé
vigorosa e atual. Nele vemos a atualidade permanente de sua fé. Fé que vem de
Cristo, Verbo Eterno encarnado, Filho de Deus e Filho do homem. E podemos ver
que essa fé não é de ontem, mesmo tendo sido pregada ontem; é sempre de hoje, porque
Cristo é realmente ontem, hoje e para sempre. Ele é o caminho, a verdade e a
vida. Assim nos encoraja Agostinho a confiarmos neste Cristo sempre vivo e encontrar
nele o caminho da vida.[3]
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