sexta-feira, 12 de junho de 2020

TRINDADE UMA ANÁLISE

A DOUTRINA DA TRINDADE: Como Deus pode ser três pessoas, porém ser um só Deus?

A Bíblia não ensina explicitamente a visão trinitária de Deus, mas os ensinamentos de que Deus é um e de que há três pessoas, e que estas Três pessoas É Deus. O cristianismo é a única grande religião que faz essa afirmação acerca de Deus. Numerosas tentativas têm sido feitas para se compreender esta verdade tão profunda. Algumas levaram a distorções dessa doutrina tão importante. Mesmo que nunca consigamos entender plenamente a difícil doutrina da Trindade, há analogias que podem nos ajudar a compreendê-la de forma mais abrangente. Vários teólogos evangélicos argumentam que o Filho e o Espírito Santo são eterna e inerentemente subordinados ao Pai em autoridade. Outros, entretanto, afirmam a igualdade eterna de autoridade.[1]

Termo que designa um só Deus em três Pessoas. Embora não seja em si um termo bíblico, “a Trindade" tem sido considerada uma designação conveniente para o único Deus, que Se revelou nas Escrituras como Pai, Filho e Espírito Santo. Significa que dentro da única essência da Deidade temos que distinguir três “Pessoas” que não são três deuses, nem três partes ou modos de Deus, mas coiguais e coeternamente Deus.

No cristianismo ocidental dos tempos atuais, a doutrina da Trindade é verdadeiramente um enigma.  Observe esta afirmação no Novo Dicionário Bíblico: “O termo ‘trindade’ por si só não é encontrado na Bíblia. Ele foi usado pela primeira vez por Tertuliano no final do segundo século, mas obteve grande circulação e elucidação formal somente nos séculos IV e V”, “a doutrina formal da trindade foi o resultado de várias tentativas inadequadas para explicar quem e o que é realmente o Deus cristão ... Para lidar com estes problemas os padres da Igreja reuniram-se em 325 d.C. no Concílio de Nicéia para estabelecer uma definição bíblica ortodoxa sobre a identidade divina”. No entanto, não aconteceu até 381 d.C., “no Concílio de Constantinopla,  a divindade do Espírito foi confirmada”[2].

A igreja no período apostólico não usou o termo “Trindade”. Esse termo (não a ideia) é estranho ao Novo Testamento. O texto bíblico também não oferece fórmulas explicativas ou definições dogmáticas para a “triunidade” de Deus. A Bíblia simplesmente afirma que, além do Pai, Jesus (João 1.1; 20.28; 5.18,23; Romanos 9.5; 1João 5.20) e o Espírito Santo (Atos 5.3,4; 1Coríntios 3.16; 2Coríntios 3.17,18) também são Deus, deixando claro que o Pai não é o Filho (João 5.31,32) e o Filho não é o Espírito (João 14.16). Para Magalhães Filho “A consubstancialidade do Pai e do Filho fica subtendida em João 1.1; 10.30; Hebreus 1.3. Embora as três pessoas sejam coeternas, há uma ordem lógica na Trindade. O Pai é o “princípio” da divindade, enquanto o Filho é eternamente (sempre) gerado do Pai (Miqueias 5.2), e o Espírito procede do Pai pelo Filho (João 15.26) desde a eternidade.”[3]

Não existe maneira de os teólogos explicarem claramente a doutrina da trindade. O escritor eclesiástico A.W. Tozer, em seu livro O Conhecimento do Santo, afirma que a trindade é um “mistério incompreensível” e que as tentativas de compreendê-la “continuarão sempre sendo em vão”.[4] Ele admite que as igrejas, mesmo “sem pretender entendê-la”, têm, no entanto, continuado a ensinar essa doutrina. O Novo Dicionário Bíblico Unger, em seu artigo sobre a trindade, admite que o conceito trinitário é humanamente incompreensível: “É admissível por todos aqueles que racionalmente lidam com este assunto que a revelação das Escrituras aqui nos guia à presença de um profundo mistério e que todas as tentativas humanas de expressá-lo são inevitavelmente imperfeitas”.[5]

O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento assinala que “o Cristianismo primitivo não tinha uma doutrina explícita sobre a trindade, mas que foi posteriormente elaborada nos credos da igreja primitiva”.

O professor Charles Ryrie, em seu respeitado trabalho Teologia Básica, escreve: “Muitas doutrinas são aceitas pelos evangélicos como sendo claramente ensinadas nas Escrituras às quais não existem provas textuais. A doutrina da trindade é o melhor exemplo disso. É justo dizer que a Bíblia claramente não ensina a doutrina da trindade ... Na verdade, não há nem sequer uma prova textual, se a prova textual significar um versículo ou passagem que ‘claramente’ afirme que existe um Deus coexistente em três pessoas”.[6] Continuando Ryrie “Uma definição de Trindade não é fácil de ser conseguida. Algumas são feitas ao aliar várias proposições. Outras erram por enfatizar demasiadamente a unicidade ou a triplicidade”, outra ainda viria de Warfield: “Existe apenas um Deus único e verdadeiro, mas na unidade da Divindade existem três pessoas co-eternas e co-iguais, da mesma substância, mas de subsistência distinta”. A palavra “pessoas” pode ser enganosa, como se a Divindade fosse composta de três indivíduos distintos, mas qual palavra seria a mais adequada? O termo “substância” pode parecer materialista demais; alguns prefeririam usar o termo “essência”. Muitos não irão entender o significado de subsistência, mas um dicionário pode resolver isso (“conjunto do que é necessário para sustentar a vida”).

De uma maneira positiva, essa definição claramente revela tanto unicidade quanto triplicidade e tem o cuidado de manter a igualdade e a eternidade dos três. Ainda que a palavra “pessoa” não seja a melhor opção, ela resguarda contra o modalismo e, claro, a frase “da mesma substância” (ou, melhor ainda, em essência) protege contra o triteísmo. A indivisível essência total de Deus pertence igualmente a cada uma das três pessoas.

Millard Erickson, professor e pesquisador de teologia na Faculdade Teológica Batista do Sudoeste (EUA), escreve que a trindade “não é evidentemente ou explicitamente ensinada em qualquer lugar nas Escrituras, no entanto, é largamente considerada como uma doutrina central e indispensável para a fé cristã.”

Os professores de teologia Roger Olson e Christopher Hall explicam parte do quebra-cabeça em seu livro A Trindade: “É compreensível que a importância dada a esta doutrina seja desconcertante para muitos cristãos e estudantes leigos. Em nenhum lugar ela é clara e inequivocamente declarada nas Escrituras. . . . Como pode ser tão importante se não está explicitamente declarada nas Escrituras? . . . A doutrina da Trindade se desenvolveu gradualmente após a conclusão do Novo Testamento, no calor da controvérsia, mas os padres da igreja que a desenvolveram acreditavam que estavam simplesmente fazendo uma exegese da revelação divina e de forma alguma estavam especulando ou inventando novas ideias. A íntegra da doutrina da trindade foi especificada no quarto século em dois grandes conselhos ecumênicos (universais): Nicéia em 325 d.C. e Constantinopla em 381 d.C.” (The Trinity)

Os credos niceno e dos apóstolos começam com um parágrafo sobre Deus Pai que cria o mundo, continuam com uma declaração atinente ao Filho, Jesus Cristo, e terminam com uma afirmação a respeito do Espírito Santo. A doutrina da Trindade é o princípio organizador de quase toda a teologia cristã ocidental. Por outro lado, muitos cristãos ocidentais concentram a teologia e a fé na pessoa de Jesus, excluindo outras categorias teológicas.

Para esses, a doutrina da Trindade praticamente inexiste. A relação de Deus com a criação se restringe tanto a Jesus, que é quase impossível situar Deus em algum outro lugar no mundo. Outros cristãos ocidentais usam a doutrina da Trindade no culto e repetem a profissão de fé expressa por um dos credos históricos, mas não veem nenhuma relação entre essas declarações e o modo como Deus se relaciona com o mundo salvivicamente, como salvador. A doutrina da Trindade se separou da doutrina da salvação, soteriologia, da doutrina da Igreja, eclesiologia, e da compreensão cristã do significado de Jesus como Cristo, cristologia. Mais estranho ainda é que essa doutrina se afastou da compreensão cristã de Deus.

Ela opera acima ou ao lado dessas três doutrinas, mas não as integra num todo, de modo que é possível desenvolver uma nova doutrina da Igreja ou de Cristo sem nenhuma consequência sobre a doutrina da Trindade. Além disso, como a integração da teologia pela doutrina trinitária é puramente formal, as doutrinas individuais perdem muito de sua interdependência.

Assim, na tradição cristã ocidental, a teologia ficou desarticulada, e a Trindade passou a ser um conceito abstrato que parece dizer alguma coisa a respeito de Deus, mas não influencia nenhuma outra doutrina cristã. Para os crentes em geral, essa desarticulação é tão evidente que chegam a se perguntar por que? Tradição à parte, os teólogos insistem em falar da Trindade. Outro fator revelador da extensão desse distanciamento é a falta de sensibilidade de muitos teólogos para a necessidade de estabelecer relação entre a teologia e a Trindade.

Como chegamos a essa situação? No Ocidente, a língua principal era o latim, não o grego, o que significava que teólogos como Agostinho, que não sabiam grego, só podiam recorrer a autores latinos, como Tertuliano, para conhecer a tradição. Assim, depois de Agostinho, que desenvolveu sua própria teologia, as tradições ocidental e oriental seguiram direções cada vez mais divergentes. Agostinho desenvolveu uma doutrina da Trindade, mas para ele tratava-se de doutrina recebida que lhe caberia explicar; ela nunca foi o núcleo da sua própria teologia, e também não foi a doutrina que promoveu a integração da sua compreensão de Cristo, da salvação e do modo como Deus se relaciona com a salvação. O distanciamento da Trindade com relação às demais áreas da teologia cristã começou com Agostinho e continuou na tradição ocidental.[7]

1. OS FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA TRINDADE: Os Aspectos Doutrinário da Trindade.

O leitor ocasional das Escrituras encontrará somente dois versículos, em toda a Bíblia, que parecem, à primeira vista, passíveis de ser interpretados como fundamentados na doutrina da Trindade: Mateus 28.19 e 2Coríntios 13.14. Esses dois versículos tornaram-se profundamente arraigados na consciência cristã: o primeiro, devido a sua associação com o batismo e o segundo, por meio do uso disseminado da fórmula, em orações e cultos cristãos. Contudo, esses dois versículos, tomados em conjunto ou isoladamente, dificilmente podem ser concebidos como aquilo que constitui o fundamento da doutrina da Trindade.

Felizmente, os fundamentos dessa doutrina não se encontram exclusivamente nesses dois versículos. Ao contrário, os fundamentos da doutrina da Trindade podem ser encontrados no modelo da atividade divina, difundido e testemunhado pelo Novo Testamento. O Pai é revelado em Cristo por meio do Espírito. Nos escritos do Novo Testamento, há uma ligação extremamente próxima entre o Pai, o Filho e o Espírito. Por diversas vezes, as passagens do Novo Testamento unem esses três elementos, como parte integrante de um todo maior. Ao que parece, a totalidade da presença e do poder redentor de Deus somente poderia ser expressa por meio desses três elementos (vide, por exemplo, lCo 12.4-6; 2Co 1.21-2; GL4.6; Ef 2.20-22; 2Ts 2.13,14; Tt 3.4-6; lPe 1.2).

Há três tipos distintos, porém, inter-relacionados, de evidência: a evidência a favor da unicidade de Deus — Deus é um; a evidência de que há três pessoas que são Deus; finalmente, as indicações ou, ao menos, as sugestões da “triunidade”.

1.1.A TRINDADE NO ANTIGO TESTAMENTO:

A religião dos antigos hebreus era uma fé rigorosamente monoteísta, como de fato o é a religião judaica hoje. A unicidade de Deus foi revelada a Israel em diversos momentos e de várias maneiras. Os Dez Mandamentos, por exemplo, começam com a afirmação: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirou da terra do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses além de mim” (Êx 20.2,3). A expressão hebraica traduzida por “além de mim” é על־פני (aí -panai), que significa, literalmente, “para a minha face”. Deus demonstrou sua realidade singular por meio daquilo que fez e, portanto, tinha o direito à adoração exclusiva de Israel, bem como à sua devoção e obediência. Nenhum outro deus comprovou dessa forma sua reivindicação de divindade. A proibição de idolatria, o segundo mandamento (v. 4), também se fundamenta na singularidade de Javé. Ele não tolera nenhuma adoração de objetos humanamente construídos, porque só ele é Deus. A rejeição ao politeísmo permeia todo o AT.

Deus demonstra repetidamente sua superioridade sobre outros pretendentes à divindade. Sem dúvida, pode-se defender que isso não prova de forma conclusiva que o AT exigisse o monoteísmo. Poderia ser simplesmente o caso de que o AT rejeitasse os deuses das outras nações, mas haveria mais de um Deus verdadeiro dos israelitas. Para responder a isso, precisamos destacar apenas que, em todo o AT, pressupõe-se somente um Deus de Abraão, Isaque e Jacó, não muitos (e.g., Ex 3.13-15). Uma indicação mais clara da unicidade de Deus é o Shemá de Deuteronômio 6, as grandes verdades que o povo de Israel deveria assimilar e inculcar em seus filhos. As pessoas deveriam meditar nesses ensinamentos (“E estas palavras [...] estarão no teu coração”, v. 6). Deveriam falar a respeito de tais ensinamentos — em casa e andando pelo caminho, ao deitar e ao levantar (v. 7). Elas deveriam usar auxílios visuais com o objetivo de atrair a atenção para eles — usando-os nas mãos e na testa, e escrevendo-os nos batentes das portas de suas casas e nas próprias portas (v. 8-9). Uma afirmação é indicativa, declarativa; a outra, um imperativo ou uma ordem. “Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (v. 4). Mesmo havendo diversas traduções legítimas do texto hebraico aqui, todas enfatizam igualmente a divindade única e incomparável de Javé. A segunda grande verdade que Deus desejava que Israel aprendesse e ensinasse é uma ordem fundamentada em sua singularidade: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (v. 5). Porque ele é um, não deveria haver um compromisso dividido por parte de Israel. Depois do Shemá (Dt 6.4,5), os mandamentos de Exodo 20 são praticamente repetidos. Em termos positivos, o povo de Deus ouve a ordem: “Temerás o Senhor teu Deus, a ele prestarás culto e jurarás pelo seu nome” (Dt 6.13). Em termos negativos, eles ouvem: “Não seguirás outros deuses, os deuses dos povos que habitarem ao teu redor” (v. 14). Visto que Deus é claramente o único Deus, nenhum dos deuses dos povos ao redor poderia ser real e, assim, digno de serviço e devoção (cf. Êx 15.11; Zc 14.9).

Louis Berkhof concorda:

    O Velho Testamento não contém uma revelação plena da existência trinitária de Deus, mas contém várias indicações dela. É exatamente isto que se poderia esperar. A Bíblia nunca trata da doutrina da Trindade como uma verdade abstrata, mas revela a subsistência trinitária, em suas várias relações, como uma verdade viva, em certa medida em conexão com as obras da criação e da providência, mas particularmente em relação à obra de redenção. Sua revelação mais fundamental é revelação dada com fatos, antes que com palavras. E esta revelação vai tendo maior clareza, na medida em que a obra redentora de Deus é revelada mais claramente, como na encarnação do Filho e no derramamento do Espírito. E quanto mais a gloriosa realidade da Trindade é exposta nos fatos da história, mais claras vão sendo as afirmações da doutrina. Deve-se a mais completa revelação da Trindade no Novo Testamento ao fato de que o Verbo se fez carne, e que o Espírito fez da igreja Sua habitação.[8]

Segundo John Bright, “a religião de Israel não se fundamentava em proposições teológicas abstratas, mas na memória de uma experiência histórica interpretada e correspondida… Israel acreditava que Iahweh, seu Deus, o havia livrado do Egito pelo poder de Sua onipotência e que, mediante uma aliança o havia constituído Seu povo”.[9] Entretanto, mesmo nas profecias messiânicas encontramos indícios de uma pluralidade na Divindade. Em Isaías 9:6 o Messias é chamado “Deus Forte, Pai da Eternidade”, e no Salmo 45:6 e 7 o “Ungido de Deus” é dito ser Deus, à semelhança dAquele que O ungiu. No Salmo 33:4-6 e em Provérbios 8:12-31, aparecem a “Palavra” e a “Sabedoria” de Deus sendo personificadas como uma antecipação ao “Verbo” de Deus de São João 1:1-14.

Já em Isaías 48:16 aparece uma distinta referência à Trindade: “Agora o Senhor Deus (o Pai) Me enviou a Mim (o Filho) e o Seu Espírito (o Espírito Santo).” Há também quem considere as palavras do rei Nabucodonosor, encontradas em Daniel 2:47, como uma referência à trindade: “Certamente, o vosso Deus é Deus dos deuses (o Pai), e o Senhor dos reis (o Filho), e o Revelador dos mistérios (o Espírito Santo)”. Portanto, reconhecemos que “o Velho Testamento contém uma clara antecipação da plena revelação da Trindade no Novo Testamento”.

1.2 TRINDADENO NOVO TESTAMENTO

O ensinamento sobre a unicidade de Deus não está restrito ao AT. Tiago 2.19 recomenda a fé em um Deus, embora observando a insuficiência dela para a justificação. Paulo também enfatiza a singularidade de Deus. O apóstolo escreve, em meio à discussão sobre comer a carne que havia sido oferecida aos ídolos: “Portanto, quanto ao comer da carne sacrificada aos ídolos, sabemos que o ídolo no mundo não é nada, e não há outro Deus, senão um só [...] o Pai, de quem todas as coisas procedem e para quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual todas as coisas existem e por meio de quem também existimos” (ICo 8.4,6). Aqui, Paulo, assim como a Lei mosaica, exclui a idolatria com base no fato de que há somente um Deus. De forma semelhante, ele escreve a Timóteo: “Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem. Ele se entregou em resgate por todos” (lTm 2.5,6). Embora, à primeira vista, esses versículos pareçam distinguir Jesus do único Deus, o Pai, a ênfase primordial da referência anterior é que somente Deus é o verdadeiro Deus (os ídolos nada são); e a ênfase primordial do segundo trecho é que há somente um Deus e somente um mediador entre Deus e os seres humanos.

McRoberts afirma que em João começa o prólogo do seu Evangelho com a revelação do Verbo: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus" (Jo 1.1), o apóstolo transmite a ideia de que nem Deus, nem o Verbo (gr. Logos), tem começo; sempre existiram em conjunto, e assim continua.

 A segunda parte do versículo continua: "E o Verbo estava com Deus [pros ton theon]". O Logos existe com Deus, em perfeita comunhão, por toda a eternidade. A palavra pros (com) revela o relacionamento "face a face" que o Pai e o Filho sempre compartilharam. A frase final de João é uma declaração nítida da divindade do Verbo: "E o Verbo era Deus".[10]

 João continua a revelar-nos que o Verbo entrou na História (1.14) como Jesus de Nazaré, sendo Ele mesmo "o Único Deus, que está ao lado do Pai". E o Verbo tornou o Pai conhecido (1.18). O Novo Testamento revela, ainda que, pelo fato de Jesus Cristo ter compartilhado da glória de Deus desde toda a eternidade (Jo 17.5), Ele é objeto da adoração reservada somente a Deus: "Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus" (Fp 2.10,11; ver também Ex 20.3; Is 45.23; Hb 1.8).

 Foi através do Verbo eterno, Jesus Cristo, que Deus Pai criou todas as coisas (Jo 1.3; Ap 3.14). Jesus se identifica como o soberano "Eu sou" (Jo 8.58; cf. Êx 3.14). Em João 8.59, os judeus sentiram-se impulsionados a pegar em pedras para matar a Jesus em virtude dessa reivindicação. Tentaram fazer a mesma coisa mais tarde depois de haver Ele declarado em João 10.30: "Eu e o Pai somos um". Os judeus que o escutaram consideraram-no blasfemo: "Sendo tu homem, te, fazes Deus a ti mesmo" (Jo 10.33; cf. Jo 5.18).

 Paulo identifica Jesus como o Deus que provê todas as coisas: "Ele é antes de todas a coisas, e todas as coisas subsistem por ele" (Cl 1.17). Jesus é o "Deus Forte" que reinará como Rei no trono de Davi, e o tornará eterno (Is 9.6,7). Seu conhecimento é perfeito e completo. Pedro falou assim a nosso Senhor: "Senhor, tu sabes tudo" (Jo 21.17). O próprio Cristo disse: "Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11.27; cf. Jo 10.15).

 Jesus agora está presente em todos os lugares (Mt 18.20), e é imutável (Hb 13.8). Ele compartilha este título com o Pai: "o Primeiro e o Último" (Ap 1.17; 22.13). Jesus é o nosso Redentor e Salvador (Jo 3.16,17; Hb 9.28; 1 Jo 2.2), nossa Vida e Luz (Jo 1.4), nosso Pastor (Jo 10.14; 1 Pe 5.4), aquele que nos justifica (Rm 5.1), e que virá em breve como "REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES" (Ap 19.16). Jesus é a Verdade (Jo 14.6) e o Consolador, cujo conforto e ajuda transbordam em nossa vida (2 Co 1.5). Isaías também o chama nosso "Conselheiro" (Is 9.6), e Ele é a Rocha (Rm 9.33; 1 Co 10.4). Ele é santo (Lc 1.35) e habita naqueles que lhe invocam o nome (Rm 10.9,10; Ef 3.17).[11]

 Tudo quanto se pode dizer a respeito de Deus Pai, também pode ser dito a respeito de Jesus Cristo. "Em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade" (Cl 2.9). "Cristo... é sobre todos, Deus bendito eternamente" (Rm 9.5). Jesus falou de sua plena igualdade com o Pai: "Quem me vê a mim vê o Pai... estou no Pai, e o Pai, em mim" (Jo 14.9-11).

 Jesus reivindicava plena divindade para o Espírito Santo: "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre" (Jo 14-16). Ao chamar o Espírito Santo allon parakleton ("outro ajudador do mesmo tipo que Ele mesmo"),[12] Jesus afirmou que tudo quanto pode ser afirmado a respeito de sua natureza pode ser dito a respeito do Espírito Santo. Por isso, a Bíblia dá testemunho da divindade do Espírito Santo como a Terceira Pessoa da Trindade.

 O Salmo 104.30 revela o Espírito Santo como o Criador: "Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da terra". Pedro se refere a Ele como Deus (At 5.3,4), e o autor da Epístola aos Hebreus chama-o "Espírito eterno" (Hb 9.14).

 A exemplo de Deus, o Espírito Santo possui os atributos da Deidade. Ele tem conhecimento de todas as coisas: "O Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus... Ninguém sabe as coisas de Deus, senão o Espírito de Deus" (1 Co 2.10,11). Ele está presente em todos os lugares (Sl 139.7,8). Embora o Espírito Santo distribua dons entre os cristãos, Ele mesmo permanece sendo "um só" (1 Co 12.11); Ele é constante na sua natureza. Ele é a Verdade (Jo 15.26; 16.13; 1 Jo 5.6). Ele é o Autor da Vida (Jo 3.3-6; Rm 8.10) mediante o renascimento e a renovação (Tt 3.5) e nos sela para o dia da redenção (Ef 4.30).

 O Pai e nosso Santificador (1 Ts 5.23), Jesus Cristo é nosso Santificador (1 Co 1.2), e o Espírito Santo é nosso Santificador (Rm 15.16). O Espírito Santo é nosso "Conselheiro" (Jo 14.16,26; 15.26), e habita naqueles que o temem (Jo 14.17; 1 Co 3.16,17; 6.19; 2 Co 6.16). Em Isaías 6.8-10, o profeta indica que Deus está falando, e Paulo atribui a mesma passagem ao Espírito Santo (At 28.25,26). No que tange a isso, João Calvino observa: "Realmente, onde os profetas usualmente dizem que as palavras que pronunciam são as do Senhor dos Exércitos, Cristo e os apóstolos as atribuem ao Espírito Santo [cf. 2 Pe 1.21]". Calvino conclui: "Segue-se, portanto, que quem é o autor preeminente das profecias é verdadeiramente Jeová [Yahweh]".

 "O conceito do Deus Trino e Uno acha-se somente na tradição judaico-cristã". Esse conceito não surgiu mediante a especulação dos sábios deste mundo, mas através da revelação outorgada passo a passo na Palavra de Deus. Em todos os escritos dos apóstolos, a Trindade é implícita e tomada como certa ( Ef 1.1-14; 1 Pe 1.2). Fica claro que o Pai, o Filho e o Espírito Santo, existem eternamente como três Pessoas distintas, mas as Escrituras também revelam a unidade dos três membros da Deidade.

 As Pessoas da Trindade têm vontades separadas, porém nunca conflitantes (Lc 22.42; 1 Co 12.11). O Pai fala ao Filho, empregando o pronome da segunda pessoa do singular: "Tu és meu Filho amado; em ti me tenho comprazido" (Lc 3.22). Jesus se oferece ao Pai pelo Espírito (Hb 9.14). Declara que veio "não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6.38).

 O nascimento virginal de Jesus Cristo revela o interrelacionamento entre os três membros da Trindade. O relato de Lucas diz: "E, respondendo o anjo, disse-lhe: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra; pelo que também o Santo, que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus" (Lc 1.35).

 O único Deus é revelado como a Trindade na ocasião do batismo de Jesus Cristo. O Filho subiu das águas. O Espírito Santo desceu como pomba. O Pai falou dos Céus (Mt 3.16,17). Por ocasião da criação, a Bíblia menciona o envolvimento do Espírito (Gn 1.2). O autor da Epístola aos Hebreus, porém, declara explicitamente que o Pai é o Criador (Hb 1.2), e João demonstra que a criação foi realizada "por meio do"[13] Filho (Jo 1.3; Ap 3.14). Quando o apóstolo Paulo anuncia aos atenienses que Deus "fez o mundo e tudo que nele há" (At 17.24), a única conclusão a que podemos razoavelmente chegar (juntamente com Atanásio) é que Deus é "um só Deus na Trindade, e a Trindade na Unidade".

 A ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos é outro exemplo notável do relacionamento dentro da Deidade Trina e Una na redenção. Paulo declara que o Pai de Jesus Cristo ressuscitou nosso Senhor dentre os mortos (Rm 1.4; cf. 2 Co 1.3). Jesus, contudo, declarou enfaticamente que ressuscitaria seu próprio corpo da sepultura na glória da ressurreição (Jo 2.19-21). Noutro texto, Paulo declara que Deus, mediante o Espírito Santo, ressuscitou Cristo dentre os mortos (Rm 8.11; cf. Rm 1.4). Lucas coroa teologicamente a ortodoxia trinitariana ao registrar a proclamação do apóstolo Paulo aos atenienses de que o único Deus ressuscitou a Cristo dentre os mortos (At 17.30,31).

 Jesus coloca os três membros da Deidade no mesmo plano ao ordenar aos seus discípulos: "Ide, ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo" (Mt 28.19).

 O apóstolo Paulo, judeu monoteísta treinado pelo grande erudito rabínico Gamaliel, hebreu de hebreus; segundo a lei, fariseu (Fp 3.5), deu o carimbo definitivo à teologia trinitariana, conforme revela a sua saudação à igreja em Corinto: "A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com vós todos" (2 Co 13.14).[14] Os dados oferecidos pela Bíblia levam-nos decididamente à conclusão de que, dentro da natureza do único Deus verdadeiro, há três Pessoas, sendo que cada uma é co-eterna, co- igual e co-existente.

1.3 A Trindade no Evangelho de João

As relações entre o Pai, o Filho e o Espírito são apresentadas no Evangelho de João no âmbito de uma estrutura relacionai e histórico- salvífica claramente definida. Em termos relacionais, é o Pai quem envia o Filho, e não o Filho ao Pai. Do mesmo modo, são o Pai e o Filho que enviam o Espírito, não o contrário. Em termos histórico-salvíficos, Deus-Pai envia o Filho como Verbo encarnado para assinalar um acontecimento de importância comparável à da Criação. Isso se entrecruza com o ministério de João Batista, cujo objetivo é revelar Cristo a Israel. João vê o Espírito descer e repousar sobre Jesus.[15] Ao mesmo tempo, declara-se que Jesus vive num relacionamento íntimo e constante com Deus Pai ao longo de todo o seu ministério terreno.

Ao realizar sua obra, o Filho afirma por toda parte sua unidade com o Pai tanto em ações quanto em palavras. No contexto da controvérsia do sábado, Jesus diz que o Pai ainda trabalha e ele também. Mais adiante no Evangelho, Jesus assevera ainda mais claramente que ele e o Pai são um (não uma pessoa, mas sim um Deus).[16] Ao mesmo tempo, Jesus pode afirmar que o Pai é maior do que ele. Jesus é apresentado em todo o Quarto Evangelho como igual a Deus-Pai e mesmo assim obediente a ele. O Espírito, por sua vez, é enviado pelo Pai e por Jesus, mas em continuidade à obra salvífica e reveladora de ambos. No decorrer de todo o Evangelho, fica claro que o Espírito será enviado somente depois da exaltação do Filho, assinalando assim mais um grande marco da história da salvação.

Na apresentação que João faz da interação entre Pai, Filho e Espírito, tem papel significativo a divisão programática do Evangelho em duas grandes partes de mesmo tamanho. A primeira metade lida com o ministério de Jesus aos judeus e apresenta as afirmações de Jesus no contexto de uma controvérsia cada vez mais intensa entre ele e seus oponentes. As reiteradas afirmações de Jesus sobre sua relação única com Deus (chamando, inclusive, a si mesmo de o Filho de Deus) revelam o principal ponto de discórdia entre ele e seus adversários, o qual, com o tempo, deu lugar à principal acusação que levou a sua crucificação. O padrão de rejeição fica evidente tanto na parte intermediária da primeira metade do Evangelho de João (final do cap. 6) quanto no final da primeira unidade principal (final do cap. 12).[17]

Na segunda metade, principalmente no discurso de despedida, tanto o Evangelista quanto Jesus adotam um ponto de vista posterior à exaltação de Cristo junto ao Pai (sua “glorificação”). Isso tem duas consequências importantes. Em primeiro lugar, a unidade entre Pai, Filho e Espírito se ressalta com maior clareza, uma vez que a exaltação de Jesus, agora iminente, assinala o momento em que o Espírito seria enviado por ele e pelo Pai. Os seguidores de Jesus são informados a respeito de uma era que virá em breve, durante a qual a missão deles será direcionada pelo Jesus exaltado e capacitada pelo Espírito que habitará neles. Em segundo lugar, sobre os próprios discípulos é dito que serão levados à unidade e ao amor do Pai, do Filho e do Espírito enquanto realizam sua missão.

Portanto, assim como o ministério do Filho está fundamentado no amor e na comissão do Pai, o ministério dos seguidores de Jesus está fundamentado no amor e na comissão de Jesus. Além disso, por causa da relação íntima entre Jesus e o Pai, de um lado, e entre Jesus e o Espírito, de outro, esse ministério também se fundamenta na unidade existente entre Pai, Filho e Espírito. Ao mesmo tempo, isso não apaga as distinções de pessoa e papel. Do mesmo modo que Jesus é o Filho que cumpre as ordens do Pai que o enviou, seus seguidores devem cumprir sua missão sob a total dependência do Filho e sob a direção do Espírito Santo. No fim, Pai, Filho e Espírito proporcionam redenção e revelação a uma comunidade que é, ela própria, enviada em uma missão de redenção e revelação.

Como beneficiário final dessa missão de unidade, amor e redenção, há um mundo moribundo e em trevas. Satanás, o príncipe deste mundo, inspirou a nação judaica em particular e inspira o mundo de modo geral a se unir em sua rejeição a Cristo. Por várias vezes, no decurso da narrativa evangélica, Pai, Filho e Espírito são mencionados juntos.3 Em 1.33,34, João Batista afirma que “aquele que o enviou [referindo-se ao Pai]”lhe disse que o Espírito marcaria aquele que viria como o Filho de Deus. A concatenação de referências ao Pai, ao Filho e ao Espírito ganha destaque especial no discurso de despedida, sobretudo nas passagens que fazem referência ao envio do Espírito pelo Pai, ou pelo Filho, ou por ambos (14.26; 15.26).

Essa caracterização conjunta culmina com a referência ao comissionamento dos discípulos em 20.21,22, quando Jesus envia seus seguidores assim como o Pai o enviou e (de forma proléptica) os equipa com o Espírito (15.26,27; 16.7-11; v. tb. 14.16-24.). Portanto, a missão se revela como a principal impulsionadora do retrato joanino do Pai, do Filho e do Espírito. De um modo ou de outro, as três pessoas se acham intimamente envolvidas na missão dos crentes:5 assim como o Filho representou o Pai, os seguidores de Jesus devem representar o Filho, uma vez que são habitação do Espírito e são por ele capacitados. Essa unidade de missão de modo algum suprime as diferenças pessoais entre Pai, Filho e Espírito, tampouco compromete a distinção ontológica entre Pai, Filho e Espírito, de um lado, e os crentes no Messias, de outro.[18]

2. ASPECTO TEOLOGICO DA DOUTRINA DA TRINDADE

Os filósofos do personalismo asseveram que um ser pessoal é relacional. Se nós falamos em dignidade da pessoa humana, é porque a condição de pessoa é mais digna do que a de uma coisa, seja um objeto inanimado, seja um animal, seja uma energia. Assim, Deus não poderia ser uma força impessoal (que não possui dignidade), mas teria de ser pessoal. Ora, se Deus é pessoal, então é relacional. No entanto, com quem Deus se relacionava antes da Criação? Eis a resposta: Deus se relacionava consigo mesmo. Não há como Deus ser pessoal sem que seja pluripessoal.[19]

2.1 Só existe um Deus

A religião dos antigos hebreus era baseada numa fé rigorosamente monoteísta. No Antigo Testamento, estão presentes diversas declarações sobre a unidade de Deus. Essas declarações partem do próprio Deus, que revela quem ele é, e do povo, que testemunha a ação divina e identifica que no universo há somente um Deus. Um dos mais importantes textos do Antigo Testamento é o que narra a concessão por Deus a Moisés dos chamados “Dez Mandamentos”. Na narrativa do Êxodo, Deus se revela como o único Deus e exige que não existam outros deuses diante dele: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim.” (Êxodo 20.2,3). Erickson em relação a este texto, diz: A proibição da idolatria, o segundo mandamento (v.4), também repousa sobre a singularidade de Jeová. Ele não tolerará nenhuma adoração de objetos feitos por mãos humanas, pois somente ele é Deus.[20]

Ainda sobre a revelação de Deus como o único Deus sobre toda a criação, Grudem afirma: Quando Deus fala, repetidamente deixa claro que ele é o único Deus verdadeiro; a ideia de que existem, três Deuses a adorar, e não um só, seria impensável diante de declarações tão veementes. Só Deus é o único Deus verdadeiro, e não há nenhum outro como ele. Quando ele fala, só ele fala – não fala como um Deus dentre três que devem ser adorados. Mas diz: “Eu sou o Senhor, e não há outro; além de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que não me conheces. Para que se saiba, até ao nascente do sol e até ao poente, que além de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro” (Isaias 45.5-6).[21]

No Antigo Testamento, além do próprio Deus se revelar como único Deus, há também o testemunho e as declarações do povo de Deus sobre a unicidade divina. Em Deuteronômio 6.4-5, que é parte do Shema[22], Moisés diz ao povo: “Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor. Ame o Senhor o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças.”.

2.2 Deus é três pessoas.

Deus existe e se revela como três pessoas distintas, que possuem uma única natureza divina.[23] Logo, o Deus revelado nas Escrituras, o Deus que é o único Deus do universo, existe como três pessoas distintas. Deus é a Trindade, três pessoas em unidade ontológica.

O nome de Deus é um substantivo

que se apresenta no plural. Sobre o uso “singular” e “plural”. Existem ainda outras formas plurais. Em Gênesis 1.26, Deus diz: “Façamos o homem à nossa imagem”. Aqui, o plural aparece tanto no verbo “façamos” como no sufixo possesivo “nossa”. Quando Isaías foi chamado, ouviu o Senhor dizendo: “A quem enviarei, e quem há de ir por nós?” (Is 6.8). O que é significativo do ponto vista da análise lógica é a mudança do singular para o plural. Gênesis 1.26 diz na realidade: “Também disse [singular] Deus: Façamos [plural] o homem à nossa [plural] imagem”. Deus é citado usando um verbo no plural em referência a si mesmo. De modo semelhante, Isaías 6.8 traz: “A quem enviarei [singular], e quem há de ir por nós [plural]?”[24]

No início do livro de Gênesis encontramos a criação da humanidade: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gênesis 1.27).” É interessante observar que Deus criou conforme à sua imagem e que essa criação é homem e mulher. Por inferência, a imagem de Deus é o casal. Assim como homem e mulher são a humanidade, Pai, Filho e Espírito Santo são a divindade. Erickson sobre a unidade e igualdade essencial entre as três pessoas da Trindade, diz: Em algumas partes das Escrituras, as três pessoas são associadas em unidade e aparente igualdade. Umas delas é a fórmula batismal conforme prescrita na grande comissão (Mt 28.19,20): batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Note que “nome” é singular, embora haja envolvimento de três pessoas. Ainda outra associação direta dos três nomes é a benção paulina em 2Coríntios 13.13 – “A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós”. Aqui temos novamente a associação dos três nomes em unidade e aparente igualdade.[25]

Sobre este aspecto Grudem, ao comentar parte do capítulo 48 do livro de Isaías, afirma: [...] em Isaías 48.16, aquele que fala (aparentemente o servo do Senhor) diz: “Agora, o SENHOR Deus me enviou a mim e o seu Espírito”. Aqui o Espírito do Senhor, como o servo do Senhor, foi “enviado” pelo Senhor Deus para uma missão particular. O paralelismo entre os dois objetos de enviar (“mim” e “o seu Espírito”) é compatível com a interpretação de que são pessoas distintas: parece significar mais do que meramente “o Senhor enviou a mim e o seu poder”. De fato, do ponto de vista do Novo Testamento (que reconhece Jesus, o Messias, como o verdadeiro Servo do Senhor predito nas profecias de Isaías), Isaías 48.16 carrega implicações trinitárias: “Agora, o Senhor Deus me enviou a mim e o seu Espírito”, se dito por Jesus, o Filho de Deus, menciona as três pessoas da Trindade.[26]

 2.3 O Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espirito Santo é Deus

Os dois primeiros indícios afirmaram que Deus é um, que só existe um Deus, e que este Deus é três pessoas, que existem em unidade ontológica. O terceiro indício da Trindade nas Escrituras se atém ao fato de que as três pessoas que fazem parte da Trindade são Deus. A deidade do Pai é, sem dúvida, a mais fácil de ser discernida. Logo no primeiro versículo da Bíblia, é atribuída a Deus Pai a criação do universo: “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1.1). Sabe-se que “Deus”, em Gn 1.1 e em outras passagens do texto bíblico, se equivale a pessoa de Deus Pai, pelo fato de que no relato da criação, posteriormente, aparecerem as pessoas de Deus Filho e de Deus Espírito Santo.

Quanto a deidade do Filho, o apóstolo João, no prólogo do seu Evangelho, diz que o “Verbo”, a “Palavra” (Jesus Cristo), estava “com” Deus e “era” Deus. Jesus estava “com” Deus, pois é uma pessoa distinta de Deus Pai. Entretanto “era” Deus, porque ele também tem a natureza divina. Outra passagem das Escrituras que comprova a deidade do Filho é a de Filipenses 2.5-11. Sobre esse texto, Erickson diz: Ao que tudo indica, nos versículos 5-11 Paulo toma o que era um hino da igreja primitiva e o usa como base para pedir aos leitores que pratiquem a humildade. Paulo observa que “ele [Jesus], subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus” (v.6). A palavra aqui traduzida por forma é morphe. Esse termo, tanto no grego clássico como no bíblico, significa “conjunto de características que fazem com que uma coisa seja o que é”. Denotando a genuína natureza de uma coisa, morphe contrasta com schema, que também é em geral traduzida por “forma”, mas no sentido de formato ou aparência superficial, em lugar de substância. O uso de morphe nessa passagem, refletindo a fé da igreja primitiva, insinua uma profunda confiança na plena deidade de Cristo.[27]

Grudem, comentando João 20.28, afirma: João 20.28, no seu contexto também é uma sólida prova em favor da divindade de Cristo. Tomé duvidava dos relatos dos outros discípulos, de que haviam visto Jesus ressuscitado, e disse que não acreditaria se não visse as marcas dos cravos nas mãos de Jesus e não lhe tocasse com a mão na ferida do lado (Jo 20.25). Então Jesus apareceu novamente aos discípulos, estando agora Tomé com eles. Disse a Tomé: “Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente” (Jo 20.27). Diante disso, lemos: “Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu!” (Jo 20.28). Aqui Tomé chama Jesus de “Deus meu”. A narrativa mostra que tanto João no modo como escreveu o seu evangelho quanto o próprio Jesus aprovam o que Tomé disse e incentivam todos os que ouvirem falar de Tomé a crer nas mesmas coisas que Tomé creu. Jesus imediatamente disse a Tomé: “Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram” (Jo 20.29).[28]

A deidade do Espirito Santo pode ser inferida das declarações de que “o Pai é Deus” e de que “o Filho é Deus”. Sobre essa questão: As expressões trinitárias em versículos como Mateus 28.19 (“batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”) se revestem de relevância para a doutrina do Espirito Santo, pois mostram que o Espírito Santo está classificado no mesmo nível do Pai e do Filho. Isso se verifica quando percebemos quão impensável seria que Jesus dissesse algo como “batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do arcanjo Miguel”, dando a um ser criado uma posição totalmente descabida, mesmo para um arcanjo. Os crentes de todas as épocas sempre foram batizados em nome (assumindo, portanto o caráter) do próprio Deus.[29]

Se o Espírito Santo está inserido, em determinadas passagens do texto bíblico, como a de Mateus 28.19, no mesmo nível do Pai e do Filho, ele reclama para si a deidade. Outra indicação da deidade do Espírito Santo deriva das suas características, funções e qualidades que são aplicadas a Deus. Além disso, de acordo com os apóstolos Pedro e Paulo, o que se faz contra o Espírito Santo se faz contra Deus. Em Atos 5.3-4, segundo o apóstolo Pedro, Ananias mente ao Espírito Santo. E logo em seguida, Pedro afirma diante de Ananias: “Não mentiste aos homens, mas a Deus”. Mentir ao Espirito é mentir a Deus. Já em 1 Coríntios 3.16, o Apóstolo Paulo afirma: “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”. Grudem (1999, p.173) propõe que o “templo de Deus é o local onde o próprio Deus habita”, o que Paulo explica pelo fato de que o “Espírito de Deus” ali habita, igualando o Espírito de Deus ao próprio Deus.[30]

Reinhard Bonnke comentou o seguinte acerca disso: Infelizmente, porém, teólogos e professores substituíram essa Pessoa santa por um poder impessoal — que eles denominaram “graça” —, mudando o que é basicamente a atitude de Deus em uma força. Eles acreditavam em Deus — ou, pelo menos, acreditavam em algo operando; pelo menos na esfera espiritual. E, como em algum momento toda ação espiritual tem de receber os créditos, ela foi creditada não ao Espírito Santo, mas à “graça”.[31]

 Assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são Deus por existirem em uma unidade ontológica, na qual possuem atributos comuns. Ferreira (2007, p.177-179), faz uma lista desses atributos: O Pai é santo (João 17.11), onipotente (Marcos 14.36), salvador (1 Pedro 1.3) e digno de louvor (Joao 4.23). O Filho também é santo (1 Pedro 1.19), onipotente (1 Coríntios 1.24), salvador (Marcos 2.7) e digno de louvor (Mateus 14.33). Semelhantemente o Espírito Santos é santo (Atos 1.8), onipotente (Lucas 1.35,37), salvador (Romanos 8.2) e digno de louvor (1 Coríntios 3.16).

Essência e Pessoa

Essência . O que significa essência? Significa a mesma coisa que ser. A essência de Deus é o seu ser. Para ser ainda mais preciso, a essência é o que você é. Correndo o risco de parecer físico demais, a essência pode ser entendida como o “material” em que você “consiste”. É claro que estamos falando por analogia aqui, pois não podemos entender isso de uma maneira física sobre Deus. "Deus é espírito" ( João 4:24 ). Além disso, claramente não devemos pensar em Deus como "consistindo" em algo que não seja divindade. A "substância" de Deus é Deus, não um monte de "ingredientes" que, juntos, produzem divindade.

Pessoa . No que diz respeito à Trindade, usamos o termo "Pessoa" de forma diferente do que geralmente usamos na vida cotidiana. Portanto, muitas vezes é difícil ter uma definição concreta de Pessoa, como a usamos em relação à Trindade. O que não queremos dizer com Pessoa é um "indivíduo independente", no sentido de que eu e outro humano somos indivíduos separados e independentes que podem existir separados um do outro.

O que entendemos por Pessoa é algo que se considera "eu" e os outros como "você". Assim, o Pai, por exemplo, é uma Pessoa diferente do Filho, porque ele considera o Filho como um "Você", mesmo que ele se considere "Eu". Assim, no que diz respeito à Trindade, podemos dizer que "Pessoa" significa um sujeito distinto que se considera um "eu" e os outros dois como um "você". Esses assuntos distintos não são uma divisão dentro do ser de Deus, mas "uma forma de existência pessoal que não seja uma diferença no ser"[32] (acredito que essa é uma definição útil, mas deve-se reconhecer que o próprio Grudem é oferecendo isso como mais uma explicação do que a definição de Pessoa).

Como eles se relacionam? A relação entre essência e Pessoa, então, é a seguinte. No ser de Deus, o ser indiviso é um "desdobramento" em três distinções pessoais. Essas distinções pessoais são modos de existência dentro do ser divino, mas não são divisões do ser divino. São formas pessoais de existência que não são uma diferença no ser. O falecido teólogo Herman Bavinck declarou algo muito útil neste ponto: “As pessoas são modos de existência dentro do ser; consequentemente, as Pessoas diferem entre si, uma vez que o modo de existência difere do outro e - usando uma ilustração comum - como a palma da mão aberta difere de um punho fechado”[33].

Como cada uma dessas "formas de existência" é relacional (e, portanto, são Pessoas), elas são um centro distinto de consciência, com cada centro de consciência se considerando como "eu" e os outros como "você". No entanto, todas essas três Pessoas "consistem em" as mesmas "coisas" (ou seja, o mesmo "o que" ou essência). Como o teólogo e apologista Norman Geisler explicou, enquanto a essência é o que você é, a pessoa é quem você é.

A essência divina não é, portanto, algo que existe “acima” ou “separado” das três Pessoas, mas a essência divina é o ser das três Pessoas. Também não devemos pensar nas Pessoas como sendo definidas por atributos adicionados ao ser de Deus. Wayne Grudem explica,

Mas se cada pessoa é totalmente Deus e tem todo o ser de Deus, também não devemos pensar que as distinções pessoais são qualquer tipo de atributo adicional adicionado ao ser de Deus. Pelo contrário, cada pessoa da Trindade possui todos os atributos de Deus, e nenhuma Pessoa possui atributos que não sejam possuídos pelas outras. Por outro lado, devemos dizer que as Pessoas são reais, que não são apenas maneiras diferentes de olhar para o único ser de Deus, a única maneira que parece possível fazer isso é dizer que a distinção entre as pessoas não é uma diferença de 'ser', mas uma diferença de 'relacionamentos'. Isso é algo muito distante da nossa experiência humana, onde cada 'pessoa' humana diferente também é um ser diferente. De alguma forma, o ser de Deus é tão maior que o nosso que, dentro do seu ser único, pode haver um desdobramento nos relacionamentos interpessoais, de modo que possa haver três pessoas distintas.

 

3.O DESENVOLVIMENTO DA DOUTRINA DA TRINDADE

A doutrina da Trindade se desenvolveu em decorrência da necessidade da Igreja cristã de explicar como Jesus, enquanto Cristo, se relaciona com Deus. Os primeiros cristãos foram judeus, e por isso sua ligação com o Deus único era forte.

Quando a Igreja formulou sistematicamente seu entendimento doutrinário acerca do assunto, começando pelo uso da forma grega Trias com Teófilo de Antioquia (morreu em 181 d.C.) e da forma latina Trinitas com Tertuliano (morreu em torno de 220 d.C.),[34][35] passando pelo Concílio de Niceia e chegando ao Concílio de Constantinopla, ela o fez como reação às doutrinas heréticas que procuravam reduzir Jesus e o Espírito Santo à condição de criaturas.

No início, a igreja apostólica simplesmente vivenciava a realidade do Deus trino e uno, ao adorar e invocar Jesus Cristo nas orações e ao crer na presença de Deus por meio do Espírito Santo. Uma síntese da experiência da igreja primitiva encontrasse em Efésios 2.18: “pois por meio dele [Jesus] tanto nós como vocês temos acesso ao Pai, por um só Espírito”. Em consonância com Efésios 4, a unidade mística da igreja era vista como a unidade de um corpo pela animação de “um só Espírito” (v. 4), como um Reino sob “um só Senhor” (v. 5) e como uma família procedente de “um só Deus e Pai de todos” (v. 6).

Surgiu então o problema: como podem os cristãos testemunhar a presença de Deus que eles vivenciam em Jesus Cristo e ainda assim manter sua crença num Deus único? Como ainda hoje fazem os teólogos cristãos, esses homens consultaram as Escrituras em busca de resposta. Não encontraram nela a palavra Trindade, mas descobriram vários textos que serviram de base para o desenvolvimento dessa doutrina.

Primeiro, as cartas de Paulo incluem saudações que, apesar de não serem trinitárias, fazem referência a Deus como Pai e a Jesus Cristo como Senhor. Essas cartas são os documentos mais antigos no Novo Testamento. Por exemplo, em Rm 1,7b Paulo escreve, “... graça e paz da parte de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” Essa mesma saudação ocorre em outras cartas paulinas, como 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Filipenses, Filemon, e também em cartas atribuídas a Paulo, como 1 e 2 Timóteo e Tito. Cronologicamente, a referência seguinte está no evangelho de Marcos 13,32, “Daquele dia e da hora, ninguém sabe, nem os anjos no céu, nem o Filho, somente o Pai”. Esse texto aparece também em Mateus, Lucas e nos Atos. A única afirmação direta do que se tornou a linguagem da Trindade encontra-se no capítulo 28 de Mateus, no qual lemos, “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19). O evangelho de João faz mais referências a Deus como Pai e a Jesus como Filho do que os demais evangelhos. Também se refere com mais frequência ao Espírito. No que se refere às relações entre os três, o evangelho de João observa que o Espírito procede do Pai (15,26), o Filho é enviado pelo Pai (17,3,8,18,21,23,25) e o Espírito é enviado ao mundo por Jesus (15,26-27). João afirma também a intimidade entre o Pai, o Filho e os crentes, especialmente em 17,21-22, “Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste... Eu neles e tu em mim, para que sejam perfeitos na unidade...” Na tradição cristã, esse viver um no outro, quando atribuído à Trindade, será expresso pela palavra grega perichoresis. Embora o evangelho de João seja o mais recente, a afirmação explícita em Mt 28,19 ocorre essa única vez. Esses são os principais textos da Escritura a que os teólogos se referirão no desenvolvimento da doutrina da Trindade.

Paralelamente às Escrituras, os primeiros teólogos recorreram à filosofia que estava em voga na sua época. Assim, direta ou indiretamente, o pensamento platônico influencia a argumentação e a linguagem desses teólogos. Platão estruturou o mundo em dois planos distintos. O plano superior abriga ideias, formas e abstrações gerais. Nós não temos acesso direto a esse plano, mas encontramos seus elementos constituintes em eventos específicos, concretos. Assim, quando falam da essência de Deus, os teólogos dizem que a essência divina está no plano superior, transcendente, e portanto incognoscível. Só podemos encontrar Deus na criação, isto é, em eventos concretos em nosso mundo. E há uma única maneira para que isso se realize, ou seja, Deus “descer” ao mundo criado para poder relacionar-se diretamente conosco.

Para que a salvação da humanidade fosse possível, era necessário que Jesus incorporasse ambos os planos. Assim a divindade precisa entrar na humanidade e Jesus precisa ser verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. Para os cristãos, dizer que Deus estava em Cristo era afirmar o evento da encarnação. Deus se tornou homem. Nesse sistema, o tempo no plano superior é infinito, não tem fim. Mas no plano inferior o tempo é finito, pois teve início e em algum futuro distante chegará ao fim. Do mesmo modo, tudo o que foi criado no tempo também é finito e por isso chega a um fim. Portanto, o “mundo real” é o plano superior porque ele é permanente, enquanto o plano inferior perece. Para ter sentido, o plano inferior precisa participar do plano eterno, divino, para, dessa forma, alcançar a imortalidade. Assim, Deus, a divindade e o tempo eterno estão no plano superior, enquanto a humanidade, a criação e a morte estão no plano inferior. Para os primeiros teólogos cristãos, essa filosofia e as Escrituras eram os recursos fundamentais.

O início das controvérsias teve por base a tentativa de expressar a fé da Igreja de que Jesus era o Cristo de Deus, afirmando ao mesmo tempo a existência de um único Deus. O politeísmo, a crença de que existem muitos deuses, foi rejeitada como pagã. Os teólogos que defendiam um monoteísmo rígido foram chamados de monarquianistas. Eles insistiram nessa posição para proteger a transcendência e a unicidade de Deus. Por transcendência, eles entendiam que Deus estava acima do mundo e se relacionava com o mundo como seu criador, não sendo atingido pelo que acontece no mundo. Eles defendiam a monarquia de Deus de dois modos diferentes. Primeiro, havia teólogos que afirmavam a monarquia divina negando a divindade de Cristo. Jesus é então o Filho adotivo de Deus, ou recebeu o poder de Deus no momento do batismo. Antes do batismo, ele é como qualquer outro ser humano, com a diferença de que é virtuoso. A segunda forma de monarquianismo é também chamada de modalismo, pois sustenta a unicidade de Deus identificando Cristo com Deus Pai, o que elimina qualquer distinção entre os dois. Assim, Noeto afirmava que “Cristo era ele próprio o Pai, e que o próprio Pai nasceu, sofreu e morreu”. Não há então distinção real entre o Pai e o Filho, mas sim um único Deus que assume nomes e papéis diferentes conforme seja necessário.

Os Primeiros Pais da Igreja Falaram sobre a Unidade de Deus

A unidade absoluta de Deus nunca foi desafiada por qualquer Pai ortodoxo da Igreja, mesmo entre os primeiros Pais, há um coro unânime de louvor ao único Deus e à sua unidade como podemos verificar com Hermas “Em primeiro lugar, creiam que Deus é um, o qual criou todas as coisas e as ordenou, e fez a partir do que não existia tudo aquilo que existe, e o qual contém todas as coisas, mas é ele próprio, e somente ele, incontido”.[36].

Justino Mártir (100-165) descreveu uma fórmula batismal trinitária: “Em nome de Deus, o Pai e Senhor do universo, e de nosso Salvador Jesus Cristo, e do Espírito,[37] Por fim, a fórmula batismal trinitária passou a ser tão importante, que o batismo veio a ser considerado “incompleto, a não ser pela autoridade da excelentíssima Trindade”

Policarpo orou a Deus Pai: “Glorifico-te, por meio do eterno e celestial Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, teu Filho amado, por meio de quem, a ti, com ele e com o Espírito Santo, seja a glória agora e pelas eras vindouras”

As primeiras tentativas da igreja no sentido de entender e explicar o relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo concentraram-se no que mais tarde viria a ser denominado a "Trindade econômica” (os diferentes papéis ou atividades das três pessoas em seus respectivos relacionamentos com  mundo), conforme encontrado em Irineu (c. 125-c. 202): Declaramos o único Deus Pai, acima de todos, através de todos e em todos. O Pai realmente está acima de todos, e Ele é a Cabeça de Cristo. Mas o Verbo é através de todas as coisas e Ele mesmo é a Cabeça da Igreja. Enquanto o Espírito está em todos nós, e Ele é a água viva. Irineu ensinou que Deus exercita sua atividade criativa através de seu Verbo e sua Sabedoria ou Espírito, e que a criação foi a partir do nada, afirmando que, enquanto os homens não podem fazer nada a partir do nada, mas apenas a partir do material que lhes é fornecido, Deus é em relação a isto superior aos homens, porque Ele mesmo forneceu o material para sua criação, embora este não tivesse existência anterior.

 Irineu procura também expor demoradamente as contradições que envolvem a colocação de uma série de emanações hierarquizadas de divindades, Clemente de Alexandria (150-c. 215) “O Pai universal é um. A Palavra universal é um. E o Espírito Santo é um" [38]

Quanto a Economia Trintária Hipólito notou certa tensão entre a unidade de Deus e as obras das três pessoas.  Ele explicou como essas duas verdades podem ser afirmadas ao mesmo tempo: “Mas se ele deseja aprender de que modo é demonstrado que há um só Deus, saiba que o seu poder é um. Quanto ao poder, portanto, Deus é um. Mas quanto à economia, há uma manifestação tríplice”. Assim, o relacionamento entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo era funcional.[39]

Tertuliano (c. 155-c. 225) apresentou a mais clara doutrina da Trindade formulada pela igreja até então. Assim como outros, ele apontou as palavras no plural em Gênesis 1.26 como indício da pluralidade na divindade. A formulação de Tertuliano sobre a divindade do Espírito Santo estabeleceu um precedente para desenvolvimentos posteriores.

Tertuliano assim explica “Todos são de um, pela unidade de substância-, o mistério da economia sendo preservado, o qual distribui a unidade numa Trindade, situando em sua ordem as três pessoas — o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Três, contudo, não em condição, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em poder, mas em aparência. Todavia, consistem em substância una, condição una e poder uno, à medida que é ele o Deus”.

Continuando com Tertuliano “Eu testifico que o Pai, o Filho e o Espírito são inseparáveis uns dos outros ... A minha afirmação é que o Pai é um, o Filho é um e o Espírito é um — e que Eles são todos distintos uns dos outros”. [40]

Orígenes também abordou os erros em relação à doutrina da Trindade, usando a palavra hipóstases para se referir às três pessoas da Trindade. Especificamente, Deus revelou sua própria natureza constituída de “três hipóstases [pessoas], o Pai e o Filho e o Espírito Santo”, mas essas três pessoas compartilham a mesma essência.[41] Orígenes começou a desenvolver a ideia da “Trindade ontológica” (o termo “ontológico” diz respeito ao “ser”; assim, a “Trindade ontológica” refere-se aos relacionamentos eternos e ordenados entre as três pessoas da Trindade). Ele afirmou que os relacionamentos trinitários são eternos; isto é, nunca houve um tempo em que o Filho e o Espírito não existissem. Falando do Filho, Orígenes explicou: “Assim como a luz jamais poderia existir sem esplendor, também não se pode entender que o Filho tenha existido sem o Pai”. Embora o Filho tenha sido gerado pelo Pai, essa geração foi desde toda a eternidade: “Deus é o Pai do seu Filho unigênito que, de fato, nasceu dele, e dele deriva o que é, mas sem qualquer começo”. Além disso, essa geração demostra “a unidade de natureza e substância pertencente ao Pai e ao Filho”. De fato, é por isso que o Filho é homoousios (da mesma natureza) em relação ao Pai.

Sabélio é o único geralmente identificado com expressão um tanto mais sofisticada da posição modalista. Para ele, Deus tem uma única substância, mas três modos de operação. Primeiro, Deus se revela como criador e se chama Pai; segundo, Deus se revela como salvador e se chama Filho; terceiro, Deus se revela como santificador, aquele que toma as coisas santas, e se chama Espírito. “Assim, não há diferença, a não ser a de aparência e de posição cronológica, entre as três entidades em questão”.

Esses desenvolvimentos nos séculos II e III levaram à controvérsia ariana no início do século IV. Ario, que deu o nome a essa polêmica, era presbítero em Alexandria e atraía muitos adeptos. Ário afirma a total e absoluta transcendência do Deus único. Dessa premissa básica, segue-se que o Filho deve ser uma criatura, a mais elevada das criaturas certamente, mas assim mesmo criatura. Por ser criatura, o Filho passou a existir num momento do tempo, de modo que “houve um tempo em que ele não existia”. Isso significa que o Filho não pode ser da mesma essência e nem mesmo de essência semelhante à do Pai. Significa também que o Filho está sujeito à mudança como todas as criaturas e por isso também passível de pecar ou de decidir não ser o Cristo. Conquanto Ário fale de uma Tríade sagrada, seus termos significam claramente que os três são totalmente diferentes e que de modo algum participam da mesma essência.

Quando escreve sobre a Trindade, Ário deixa claro que as três hipóstases, isto é, instâncias concretas, são descritas como “separadas por natureza... afastadas, desvinculadas, estranhas... totalmente diferentes uma da outra com relação tanto às essências quanto às glórias à infinitude”. Assim, ele mantém uma cuidadosa hierarquia em que o Pai é Deus de um modo que o Filho e o Espírito Santo não são. Sua doutrina da Trindade, porém, integra sua compreensão da salvação, do modo como o Filho possibilita a salvação a toda a humanidade. Ário, que seria condenado como herege no Sínodo de Antioquia, em fevereiro de 325.

No século II Ireneu desenvolveu uma descrição alternativa da salvação, adotada mais tarde por Atanásio para combater Ário. Ireneu diz que Deus se fez homem para que os homens pudessem se tornar Deus[42]. Isso é possível porque Deus se fez homem na pessoa de Jesus. Na pessoa de Jesus, a natureza divina se uniu à natureza humana, e assim temos a transfiguração da natureza humana e a revelação da natureza divina de Jesus. A história da transfiguração (Mc 9,2-8; Mt 17,1-8; Lc 9,28-36) é a base para essa ideia. Para nós que temos apenas naturezas humanas, estas serão transfiguradas pela graça de Deus; assim, enquanto Jesus era divino por natureza, nós nos tomamos divinos pela graça. Essa transformação começa com o batismo, no qual recebemos o dom do Espírito Santo, e continua ao longo de nossa vida em comunhão com a Igreja e, portanto, com Deus. Finalmente, depois da morte, a transfiguração se completa e nós nos tornamos um com Deus na pessoa do Espírito Santo.

Atanásio estabelece que para assegurar a salvação Cristo deve ser divino por natureza, deve ter origem divina, de modo a não poder mudar, e deve ser obediente para seguir a vontade de Deus completamente porque não pode agir de outra forma. Assim Atanásio insiste em que o Filho é “homooúsios” (da mesma essência) com o Pai porque isto é necessário para garantir que a salvação se realize.

A linguagem utilizada precisava distinguir entre a natureza divina de Deus (a ousía, essência) e as instâncias concretas da presença de Deus no mundo (as hypostasis, pessoas). Tanto a essência quanto as hipóstases são plenamente Deus, pois de outro modo a presença da segunda pessoa da Trindade, Cristo, não produziria salvação.

No Sínodo de Alexandria, em 362, Atanásio propôs que a fórmula “três hipóstases” (instâncias concretas) seria legítima desde que fosse entendida não com o significado de “três essências” (ousías), diferente em essência, mas “simplesmente expressasse a subsistência separada das três Pessoas na Tríade consubstanciai (homooúsion) Isso foi suficiente para acalmar o medo dos que pensavam que “três hipóstases” significava realmente “três ousías” e assim três deuses.

Para combater qualquer distorção deste período que estava surgindo fortes heresias doutrinárias, seja cristológica, ou Espírito Santo, a formulação Trinitária do Credo de Atanásio deve ser analisada, o Credo de Atanásio, subscrito pelos três principais ramos da Igreja Cristã, é geralmente atribuído a Atanásio, Bispo de Alexandria (século IV), mas estudiosos do assunto conferem a ele data posterior (século V).  Sua forma final teria sido alcançada apenas no século VIII. O texto grego mais antigo deste credo provém de um sermão de Cesário, no início do século VI.

O credo de Atanasio, com quarenta artigos, é um tanto longo para um credo, mas é considerado “um majestoso e único monumento da fé imutável de toda a igreja quanto aos grandes mistérios da divindade, da Trindade de pessoas em um só Deus e da dualidade de naturezas de um único Cristo.”

1. Todo aquele que quiser ser salvo, é necessário acima de tudo, que sustente a fé universal. 2. A qual, a menos que cada um preserve perfeita e inviolável, certamente perecerá para sempre. 3. Mas a fé universal é esta, que adoremos um único Deus em Trindade, e a Trindade em unidade. 4. Não confundindo as pessoas, nem dividindo a substância. 5. Porque a pessoa do Pai é uma, a do Filho é outra, e a do Espírito Santo outra. 6. Mas no Pai, no Filho e no Espírito Santo há uma mesma divindade, igual em glória e co-eterna majestade. 7. O que o Pai é, o mesmo é o Filho, e o Espírito Santo. 8. O Pai é não criado, o Filho é não criado, o Espírito Santo é não criado. 9. O Pai é ilimitado, o Filho é ilimitado, o Espírito Santo é ilimitado. 10. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno. 11. Contudo, não há três eternos, mas um eterno. 12. Portanto não há três (seres) não criados, nem três ilimitados, mas um não criado e um ilimitado. 13. Do mesmo modo, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente. 14. Contudo, não há três onipotentes, mas um só onipotente. 15. Assim, o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus. 16. Contudo, não há três Deuses, mas um só Deus. 17. Portanto o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, e o Espírito Santo é Senhor. 18. Contudo, não há três Senhores, mas um só Senhor. 19. Porque, assim como compelidos pela verdade cristã a confessar cada pessoa separadamente como Deus e Senhor; assim também somos proibidos pela religião universal de dizer que há três Deuses ou Senhores. 20. O Pai não foi feito de ninguém, nem criado, nem gerado. 21. O Filho procede do Pai somente, nem feito, nem criado, mas gerado. 22. O Espírito Santo procede do Pai e do Filho, não feito, nem criado, nem gerado, mas procedente. 23. Portanto, há um só Pai, não três Pais, um Filho, não três Filhos, um Espírito Santo, não três Espíritos Santos. 24. E nessa Trindade nenhum é primeiro ou último, nenhum é maior ou menor. 25. Mas todas as três pessoas co-eternas são co-iguais entre si; de modo que em tudo o que foi dito acima, tanto a unidade em trindade, como a trindade em unidade deve ser cultuada. 26. Logo, todo aquele que quiser ser salvo deve pensar desse modo com relação à Trindade. 27. Mas também é necessário para a salvação eterna, que se creia fielmente na encarnação do nosso Senhor Jesus Cristo. 28. É, portanto, fé verdadeira, que creiamos e confessemos que nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é tanto Deus como homem. 29. Ele é Deus eternamente gerado da substância do Pai; homem nascido no tempo da substância da sua mãe. 30. Perfeito Deus, perfeito homem, subsistindo de uma alma racional e carne humana. 31. Igual ao Pai com relação à sua divindade, menor do que o Pai com relação à sua humanidade. 32. O qual, embora seja Deus e homem, não é dois mas um só Cristo. 33. Mas um, não pela conversão da sua divindade em carne, mas por sua divindade haver assumido sua humanidade. 34. Um, não, de modo algum, pela confusão de substância, mas pela unidade de pessoa. 35. Pois assim como uma alma racional e carne constituem um só homem, assim Deus e homem constituem um só Cristo. 36. O qual sofreu por nossa salvação, desceu ao Hades, ressuscitou dos mortos ao terceiro dia. 37. Ascendeu ao céu, sentou à direita de Deus Pai onipotente, de onde virá para julgar os vivos e os mortos. 38. Em cuja vinda, todo homem ressuscitará com seus corpos, e prestarão conta de sua obras. 39. E aqueles que houverem feito o bem irão para a vida eterna; aqueles que houverem feito o mal, para o fogo eterno. 40. Esta é a fé Universal, a qual a não ser que um homem creia firmemente nela, não pode ser salvo.

Pais Capadócios

Os chamados Pais Capadócios são três: Basílio de Cesaréia (c.330 – 379), Gregório de Nissa (c.330 – c.395) e Gregório de Nazianzo (329 – 389). Basílio e Gregório de Nissa eram irmãos, e Gregório de Nazianzo estudou com Basílio na academia platônica de Atenas. Basílio foi bispo de Cesaréia (na Capadócia), seu irmão Gregório, bispo de Nissa, e Gregório de Nazianzo, bispo de Sásima e, posteriormente, de Constantinopla.[43] Eles foram profundamente influenciados não só por Orígenes, mas também por Atanásio e pelo Credo de Nicéia.[44] Graças a eles, as duas principais deficiências do Credo de Nicéia – sua falta de clareza quanto à diversidade em Deus e quanto ao Espírito Santo – são remediadas, e duas heresias relacionadas a essas deficiências são combatidas: o ensino de Eunômio, que enfatizava tanto a distinção a ponto de negar a divindade do Filho e do Espírito, e o ensino dos macedônios (também chamados pneumatomaquianos, os que lutam contra o Espírito), que apesar de afirmarem a divindade do Filho, negavam a divindade do Espírito.

Ao falar sobre a Trindade, os capadócios têm como ponto de partida a diversidade de Deus – Pai, Filho e Espírito Santo – e não a unidade da essência, ao contrário de Atanásio, conseguindo, com essa nova ênfase, livrar a doutrina nicena da acusação de modalismo.[45] Para explicar essa diversidade, eles usam a palavra HUPOSTASIS (e também PROSOPON, “face”), reservando OUSIA (e também PHUSIS, “natureza”) para descrever a unidade. Assim, OUSIA passa a significar a essência divina, enquanto HUPOSTASIS a manifestação dessa essência nas pessoas particulares. A relação entre a única OUSIA e as três HUPOSTASIS é então explicada como a relação entre o universal e seus elementos particulares, emprestada do platonismo. Uma analogia usada por Basílio e Gregório de Nissa para explicar isso é a de três homens compartilhando uma natureza humana comum.[46]

Obviamente essa analogia, mesmo para mentes platônicas, não era a mais adequada, e por essa razão os capadócios foram acusados de triteísmo. Para se defender dessa acusação, eles afirmam a unidade de Deus de basicamente duas formas. Primeiro, ancorando a unidade da Deidade no Pai, considerando-O como origem, princípio ou causa da Divindade. Desse modo, o Filho e o Espírito recebem Sua existência e Sua Divindade do Pai. Esse entendimento era mais comum em Basílio e em seu irmão Gregório do que em Gregório de Nazianzo. Segundo, afirmando que as pessoas divinas habitam umas nas outras de tal modo que toda operação é comum às três pessoas da Trindade. Enquanto cada ser humano tem uma operação separada, que é o que faz cada um deles um ser diferente, toda operação é comum às três pessoas da Divindade, o que faz delas não três deuses, mas um único Deus.[47]

Para explicar as distinções entre as três pessoas divinas, os capadócios também apelam para a ideia de causa. O que as distingue umas das outras é que o Pai é não-gerado, o Filho é gerado do Pai, e o Espírito Santo procede do Pai. Porém, essas propriedades pertencem às pessoas, não à essência. A diferença entre geração e procedência não é muito clara para os capadócios, mas eles tentam explicá-la como a diferença entre pronunciar uma palavra e soprar para que a palavra seja ouvida, duas coisas que acontecem ao mesmo tempo e estão intimamente relacionadas, mas, ainda assim, são distinta.

Contra os pneumatomaquianos, os capadócios afirmam a divindade do Espírito Santo. Basílio dedica toda uma obra a esse assunto, Tratado sobre o Espírito Santo, na qual afirma que o Espírito Santo é o “ser mais sublime [...] uma substância inteligente, de poder infinito, grandeza ilimitada, fora do tempo e dos séculos, em nada ciosa de seus próprios bens [...] Seu poder enche todas as coisas [...] Está presente todo inteiro a cada ser, embora todo inteiro em toda parte”.[48] Porém, Gregório de Nazianzo é o que afirma a divindade do Espírito em termos mais fortes, afirmando que Ele também é consubstancial (HOMOOUSIOS) com o Pai e o Filho e é Deus, o que os outros dois capadócios não chegaram a afirmar diretamente. Dos três capadócios, Gregório de Nazianzo é certamente o maior, conhecido no Oriente como “O Teólogo”, especialmente por causa de cinco sermões pregados por ele em Constantinopla, no ano de 381, os chamados Discursos teológicos. Ao contrário dos outros dois capadócios, Gregório de Nazianzo entende que a primeira causa (MONARCHIA) não é o Pai, mas a Deidade, que é um.

Outra contribuição de Gregório é que, em sua abordagem sobre a Trindade, ele não supervaloriza nem as pessoas divinas, nem a essência divina. Gregório adota um método de partir da essência para as pessoas, e então, das pessoas para a essência, “fazendo com que o conhecimento do um e dos três seja coincidente Desse modo, os Pais Capadócios influenciaram não só o Concílio de Alexandria, mas também e, principalmente, o Concílio de Constantinopla, dando a devida atenção tanto à unidade quanto à diversidade em Deus. Essa influência ocorreu não apenas com o ensino dos capadócios, mas também com sua presença, pois tanto Gregório de Nissa quanto Gregório de Nazianzo participaram do Concílio de Constantinopla, sendo esse último moderador do concílio por um tempo.

O Concilio de Constantinopla reelaborou o Credo Niceno, produzindo o Credo Niceno-Constantinopolitano e afirmando com maior clareza a divindade, tanto do Filho como do Espírito Santo.[49] A doutrina trinitária da igreja já estava significativamente estabelecida com essa afirmação. Outros desenvolvimentos viriam mais tarde com as contribuições de Agostinho.[50]

Foi Agostinho quem deu à tradição ocidental a sua expressão madura e final acerca da Trindade. Não obstante ser Agostinho mais conhecido através de obras como as Confissões (sua autobiografia, publicada em 400) ou A Cidade de Deus (publicada em 426), provavelmente sua obra prima é o tratado conhecido por A Trindade, que ele demorou dezesseis anos para redigir – entre 400 e 416. Esta obra está dividida em duas partes, bem distintas. A primeira, com uma ênfase bíblica, vai do livro I ao VII. É a seção teológica propriamente dita. A segunda parte, do livro VIII ao XV apresenta um caráter especulativo psicológico e filosófico, no gênero analógico. Conforme suas palavras: “Sendo ainda muito jovem, iniciei a elaboração destes meus livros sobre a Trindade, que é o Deus sumo e verdadeiro. Agora, entrado em anos, trago-os a público”. De fato, A Trindade é a obra de sua maturidade.[51]

Agostinho pressupôs como uma verdade bíblica que existe um só Deus que é Trindade, e que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são simultaneamente distintos e co-essenciais, numericamente um quanto à substância:

O Pai, o Filho e o Espírito Santo, isto é, a própria Trindade, una e suprema realidade, é a única Coisa a ser fruída [una quaedam summa res], bem comum de todos. Se é que pode ser chamada Coisa e não, de preferência, a causa de todas as coisas – se também puder ser chamada causa. Não é fácil encontrar um nome que possa convir a tanta grandeza e servir para denominar de maneira adequada a Trindade. A não ser que se diga que é um só Deus, de quem, por quem e para quem existem todas as coisas (Rm 11,36). Assim, o Pai, o Filho e o Espírito Santo são, cada um deles, Deus. E os três são um só Deus. Para si próprio, cada um deles é substância completa e, os três juntos, uma só substância. O Pai não é o Filho, nem o Espírito Santo. O Filho não é o Pai, nem o Espírito Santo. E o Espírito Santo não é o Pai nem o Filho. O Pai é só Pai, o Filho unicamente Filho, e o Espírito Santo unicamente Espírito Santo. Os três possuem a mesma eternidade, a mesma imutabilidade, a mesma majestade, o mesmo poder. No Pai está a unidade, no Filho a igualdade e no Espírito Santo a harmonia entre a unidade e a igualdade. Esses três atributos todos são um só, por causa do Pai, todos são iguais por causa do Filho e todos são conexos por causa do Espírito Santo.

Em nenhum lugar Agostinho tentou demonstrar biblicamente estas afirmações. “Trata-se de um dado da revelação que, para ele, as Escrituras proclamam quase a cada página, e que a ‘fé católica’ (fides catholica) transmite aos fiéis”. Em seu entendimento, Deus é incompreensível, mas não incognoscível, havendo duas vias de conhecimento de Deus: a via da eliminação, ou negação (apofática), que consiste em suprimir de Deus todos os defeitos das criaturas, e a eminência (catafática), que consiste em atribuir a Deus, elevando-as ao infinito, todas as perfeições: “Todo aquele que refletir sobre Deus desse modo, embora não chegue a conhecer plenamente o que ele é, contudo – enquanto pode – como homem piedoso, evitará pensar dele, o que ele não é”.

Agostinho, pressupondo a veracidade do testemunho bíblico sobre o ensino acerca do Deus trino e baseando-se nas decisões conciliares estabelecidas em Nicéia e Constantinopla, construiu o primeiro tratado verdadeiramente sistemático da doutrina da Trindade. [52]

Agostinho escreveu: “Creia o homem no Pai, no Filho e no Espírito Santo, como um só Deus, grande, onipotente, bom, justo, misericordioso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, e tudo o mais que dele se possa dizer digna e verdadeiramente, conforme a capacidade da inteligência humana. E quando ouvir dizer que o Pai é um só Deus, não separe o Filho e o Espírito Santo, porque com ele são um só Deus. Quando ouvir dizer que o Filho é um só Deus é mister entender assim, mas sem separá-lo do Pai e do Espírito Santo. E de tal modo diga que existe uma só essência, e não considere a essência de um ser maior ou melhor do que a do outro e diferente em algum aspecto. Contudo, não pense que o Pai é o Filho ou Espírito Santo ou qualquer coisa que uma pessoa em separado diga relação às outras, como por exemplo, o termo ‘Verbo’ aplica-se somente ao Filho, e Dom afirma-se somente a respeito do Espírito Santo.”[53]

Segundo Agostinho, a distinção das pessoas se fundamenta nas “suas relações mútuas dentro da Divindade”. Embora consideradas enquanto substância divina, as pessoas sejam idênticas, o Pai se distingue enquanto Pai por gerar o Filho, e o Filho se distingue enquanto Filho por ser gerado.

Agostinho de Hipona retomou muitos dos elementos do consenso emergente em torno da Trindade. Isso pode ser visto em sua veemente rejeição a qualquer forma de subordinação (isto é, tratar o Filho e o Espírito como inferiores ao Pai na Trindade). Agostinho de Hipona insiste que a ação da Trindade, como um todo, pode ser discernida por trás das ações de cada uma de suas pessoas. Assim, a humanidade não é meramente criada à imagem de Deus, ela é criada à imagem da Trindade. Uma importante distinção é traçada entre a eterna divindade do Filho e do Espírito e seu lugar na economia (plano) da salvação. Embora o Filho e o Espírito possam parecer ser posteriores ao Pai, esse julgamento apenas aplica-se a seus papéis no processo da salvação. Embora, na história, o Filho e o Espírito pareçam ser subordinados ao Pai, na eternidade eles são iguais. Essa é uma importante antecipação da discussão posterior entre a noção da Trindade essencial, fundamentada na eterna natureza de Deus, e a noção da Trindade econômica, fundamentada na revelação de Deus na história.

Talvez o elemento mais distintivo na abordagem de Agostinho de Hipona em relação à Trindade diga respeito a seu entendimento da pessoa e do lugar do Espírito Santo, consideraremos aspectos específicos a esse respeito em uma seção posterior, como parte de nossa discussão da controvérsia fílioque. Entretanto, a concepção de Agostinho de Hipona do Espírito a respeito do amor que une o Pai e o Filho exige nossa atenção nesse estágio.

Agostinho de Hipona, havendo identificado o Filho com a “sabedoria” (sapientia), prossegue e identifica o Espírito com o “amor” (caritas). Ele reconhece que não tem fundamentos bíblicos explícitos para essa identificação; contudo, ele considera ser essa uma inferência razoável a partir do material bíblico. O Espírito “nos faz habitar em Deus e Deus em nós”. Essa identificação explícita do Espírito como o fundamento da união entre Deus e os cristãos é importante, pois aponta para a ideia que Agostinho de Hipona tem do Espírito como aquele quê promove a comunhão. O espírito é o dom divino que nos une a Deus.

Existe, entretanto, conforme argumenta Agostinho de Hipona, uma relação correspondente entre os elementos da Trindade. O dom deve refletir a natureza do doador. Deus já está presente na relação que ele deseja promover entre nós. E assim como o Espírito é o elo de união entre Deus e os cristãos, da mesma forma o Espírito desempenha um papel correspondente entre os elementos da Trindade, unindo as três pessoas. “O Espírito Santo... nos faz habitar em Deus e Deus em nós. Mas isso é o efeito do amor, assim o Espírito Santo é Deus, o qual é amor”.

Esse argumento é completado por uma análise genérica a respeito da importância do amor (caritas) na vida cristã. Agostinho de Hipona, fundamentando suas ideias na passagem de ICoríntios 13.13 (“Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o amor”), argumenta por meio do seguinte raciocínio:

1 O maior dom de Deus é o amor.

2 O maior dom de Deus é o Espírito Santo.

3 Portanto, o Espírito Santo é amor.

Esse estilo de análise foi criticado por suas fraquezas evidentes, no mínimo, por levar a uma noção curiosamente despersonalizada do Espírito. O Espírito aparece como um tipo de adesivo, unindo o Pai ao Filho, e unindo ambos aos cristãos. A ideia de “estar ligado a Deus” é uma característica central da espiritualidade de Agostinho de Hipona e, talvez, seja inevitável que essa preocupação apareça de modo proeminente em suas discussões a respeito da Trindade.

Uma das características mais marcantes da abordagem que Agostinho de Hipona adota em relação à Trindade é a formulação de “analogias psicológicas”. O raciocínio que se encontra por trás do apelo à mente humana a esse respeito pode ser resumido como se segue. Não é algo absurdo esperar que, ao criar o mundo, Deus tenha deixado uma característica impressa em sua criação. Mas onde se encontra essa impressão (vestigium)? Era razoável esperar que Deus deixasse essa impressão característica sobre o apogeu de sua criação. Ora, o relato de Gênesis a respeito da criação permite-nos concluir que a humanidade é o apogeu da criação de Deus. Portanto, conforme argumenta Agostinho de Hipona, deveríamos olhar para a humanidade em nossa busca pela imagem de Deus.

Agostinho de Hipona com sua apresentação da Trindade exerceu importante influência sobre as gerações posteriores, especialmente ao longo da Idade Média. A obra de Tomás de Aquino, [Tratado sobre a Trindade], representa, em grande parte, uma sofisticada reiteração das ideias de Agostinho de Hipona, em vez de uma modificação sutil ou uma correção de suas deficiências.

As heresias referentes à Trindade

Os patronos das heresias (ebionismo, monarquianismo, modalismo, arianismo, macedonianismo) foram os que formularam as primeiras explicações dogmáticas rígidas. Tais formulações, porém, negavam não só proposições bíblicas, mas também a vivência prática de Deus na igreja primitiva. Os cristãos bíblicos passaram, então, a fazer fórmulas dogmático explicativas para defender uma interpretação correta da experiência vital de Deus que já lhes era familiar. Alan Richardson explica que cada fórmula de doutrina tinha o intento de dar corpo a uma experiência viva, e, desse modo, preservá-la e comunicá-la a outra geração.

Quando a igreja antiga formulou os dogmas, não o fez buscando precisão matemática. Foram as heresias que procuraram soluções simples e “racionais”. Para os cristãos bíblicos, as fórmulas eram molduras dentro das quais uma experiência legítima de Deus poderia caber. O poder de interpretar a experiência e dar expressão a ela era uma exigência mais importante para essa moldura do que a precisão conceitual. Na verdade, os que tentavam definir mais do que adorar, ou seja, os que não se conformavam com a contemplação do mistério, terminavam caindo em alguma heresia que a igreja anatematizava com o passar do tempo. A moldura doutrinária de Niceia permitia a comunicabilidade da verdade trinitária, mas não traduzia o indizível.

Como a igreja atual tem confundido ortodoxia com a repetição mecânica de fórmulas históricas, os hereges do nosso tempo têm utilizado caminhos clandestinos para inserir erros na cristandade. Eles invocam a “liberdade” hermenêutica da pós-modernidade para reinterpretar fórmulas antigas com novos significados. Desse modo, alguém pode aderir ao Credo niceno, mas não crer na divindade de Cristo. Basta que interprete as afirmações sobre a divindade de Cristo como hipérboles poéticas. Até o catolicismo romano, em sua política ecumênica, tem “aderido” a afirmações da Reforma (como aquela referente à salvação pela graça divina, sem mérito humano), mas interpretando de modo completamente diferente as categorias do pensamento protestante (como “graça” e “mérito”).[54]

O ADOCIONISMO

O adocionismo foi a teoria de que Cristo era um simples homem sobre o qual desceu o Espírito de Deus. Originou-a um mercador de couro bizantino chamado Teodoto, que a trouxe até Roma em torno do ano 190.

Teodoto sustentava que até o seu batismo Jesus viveu a vida de um homem ordinário, com a diferença, porém, que havia sido um homem supremamente virtuoso. O Espírito, ou Cristo, então desceu sobre Ele, e a partir daquele momento operou milagres sem, entretanto, tornar-se divino. Mais tarde, alguns dos seguidores de Teodoto admitiram que após sua ressurreição Jesus teria sido deificado.

Teodoto foi excomungado pelo Papa S. Vitor, mas a partir daí seus seguidores provavelmente passaram a suspeitar que a ortodoxia pregava a crença em dois Deuses, pois, segundo Novaciano, presbítero de Roma naquela época, afirmavam que "Se o Pai é um e o Filho é outro, e se o Pai é Deus e Cristo é Deus, então não há um só Deus, mas há dois Deuses simultaneamente colocados, o Pai e o Filho".

O adocionismo foi uma heresia de um grupo relativamente isolado de pessoas, (pois, embora negando a Trindade, o faziam a partir da suposição de que Jesus não fosse Deus). Embora os adocionistas afirmassem que essa tinha sido sempre a posição da Igreja, Hipólito não teve dificuldade em apontar a grande sucessão de teólogos que, desde o primeiro século, "teologizaram a Cristo", e em cujas obras está proclamado que "Cristo é tanto Deus como homem".

Que a suposição fundamental do adocionismo nunca tivesse sido a posição da Igreja era, pois, bastante evidente para a maioria dos cristãos para que esta heresia pudesse ter se espalhado. Este, porém, já não seria mais o caso para o monarquianismo, conforme será exposto a seguir.

O MONARQUIANISMO.

O primeiro teólogo que formalmente colocou as posições monarquianistas foi Noeto de Esmirna. Embora condenado em suas teorias pelos presbíteros de sua cidade, que as confrontaram, com as regras da fé da Igreja, um dos discípulos de Noeto trouxe suas ideias até Roma, onde se difundiram.

O monarquianismo, ao contrário do adocionismo, estava firmemente convencido tanto da unidade de Deus como da plena divindade de Cristo. Esta teoria começou a ganhar simpatizantes em Roma quando alguns teólogos, alguns dos quais já mencionados neste texto, começaram a representar a divindade como tendo se revelado na economia como tri- personal. Para os monarquianistas, qualquer sugestão de que o Verbo ou o Espírito pudessem ser um outro ou uma pessoa distinta do Pai seria uma afirmação da existência de dois deuses.

Para, entretanto, não negarem que Cristo era Deus, afirmaram que havia apenas um único Deus, o Pai. Se Cristo é Deus, então ele deve ser idêntico ao Pai, senão ele não seria Deus. Portanto, é o próprio Pai que sofreu e passou pelas experiências humanas do Cristo. Por isto, tal doutrina passou a conhecer-se como patripassianismo. Os monarquianistas rejeitaram a doutrina do Verbo, afirmando que o prólogo do Evangelho de São João deveria ser interpretado alegoricamente.

Os monarquianistas acreditavam em uma única e idêntica divindade, que podia ser designada indiferentemente como Pai ou Filho; estes termos diferentes não implicariam distinções reais, mas seriam apenas nomes aplicáveis em tempos diferentes.

O MODALISMO

O termo “modalismo” foi introduzido pelo historiador alemão, Adolf von Harnack, para descrever o elemento comum a um grupo de heresias relacionadas à Trindade, que eram associadas, ao final do século II, a Noetus e Praxeas e, no século III, a Sabélio. Cada um desses escritores estava interessado em resguardar a unidade da Trindade, temendo um lapso que levasse a alguma forma de triteísmo, como uma decorrência da doutrina da Trindade. (Como ficará claro, esse temor era amplamente justificado.) Essa vigorosa defesa da absoluta unidade de Deus (frequentemente conhecida como “monarquianismo”, termo derivado da palavra grega monarchia, que significa “um único princípio de autoridade”) levou esses escritores a insistir na hipótese de que a revelação pessoal de um único Deus aconteceu de distintas maneiras e em distintas épocas. A divindade de Cristo e do Espírito Santo deve ser explicada segundo três distintas maneiras ou modos de revelação divina (daí, o termo “modalismo”). Portanto, a seguinte sequência em relação à Trindade foi proposta:

1 O Deus único é revelado como o criador do mundo e da lei. De acordo com esse modo, Deus é conhecido como “o Pai”.

2 O mesmo Deus é, a seguir, revelado como salvador, na pessoa de Jesus Cristo. De acordo com esse modo, Deus é conhecido como “o Filho”.

3 O mesmo Deus é, posteriormente, revelado como aquele que santifica e dá a vida eterna. De acordo com esse modo, Deus é conhecido como “o Espírito Santo”.

Assim, não existe distinção, salvo a de aparência e de localização cronológica, entre os três entes em questão. Há três termos que se referem ao mesmo Deus. Isso nos leva diretamente à doutrina do patripassianismo, o Pai sofre como o Filho, com isso não existe nenhuma distinção fundamental ou essencial entre o Pai e o Filho.

As principais características dessa posição foram explicadas por Epiphanius de Constantia, ao final do século IV, Sabélio apareceu não muito tempo atrás; foi dele que os sabelianistas receberam esse nome. Suas ideias, com raras exceções irrelevantes, são as mesmas que as dos seguidores de Noetus. Muitos de seus seguidores poderiam ser encontrados na Mesopotâmia e na região de Roma. Eles defendiam a doutrina de que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram um e o mesmo ser, de maneira que três nomes são atribuídos à mesma substância (hypostasis).

Eles são como o corpo, a alma e o espírito do ser humano. Para a Trindade, o corpo é como se fosse o Pai, a alma é o Filho; e o Espírito está para a Trindade da mesma maneira que o espírito está para o ser humano. Ou ainda, é como o sol, que sendo composto de uma só substância (hypostasis), manifesta-se, no entanto, de três formas distintas (energia)-, luz, calor e como o próprio astro. O calor corresponde ao Espírito; a luz , ao Filho; enquanto que o Pai é representado pela essência de cada substância. O Filho foi, antes, emitido como um raio de luz; ele realizou no mundo tudo o que era relacionado à dispensação do evangelho e à salvação da humanidade, e depois, foi levado de volta ao céu, como um raio que é emitido pelo sol e depois retorna a ele. O Espírito Santo, por sua vez, está sendo, ainda, enviado ao mundo, àqueles indivíduos que merecem recebê-lo.

Essa forma de modalismo poderia ser chamada de modalismo cronológico, pois sua característica básica é a crença de que o único e supremo Deus age de distintas maneiras em distintas épocas da história. Entretanto, uma outra forma de modalismo pode ser identificada, a qual tem se revelado de extrema importância, em distintos momentos da história cristã. Poderíamos chamá-la de modalismo funcional - a crença de que o mesmo Deus age de três maneiras distintas em determinados momentos da história. Assim, as três pessoas da Trindade designam distintos aspectos da atividade de um mesmo Deus. De uma forma simples, o modalismo funcional poderia ser assim definido; Deus Pai é o criador; Deus Filho é o redentor; Deus Espírito Santo é o santificador. Aqui, as três pessoas da Trindade são empregadas para designar três ações de um único e supremo Deus.

O TRITEÍSMO

Se o modalismo era uma solução simples para o dilema que a Trindade representava, o triteísmo oferecia uma saída igualmente simples. O triteísmo nos convida a imaginar a Trindade como constituída por três seres iguais, independentes e autônomos, cada um dos quais é divino. Muitos estudantes considerarão essa ideia absurda. Entretanto, a mesma ideia pode ser apresentada de formas mais sutis, como podemos ver a partir de uma forma atenuada de triteísmo, frequentemente tida como o fundamento do entendimento da Trindade, encontrada em escritos dos pais capadócios - Basílio de Caesaréia, Gregório de Nazianzo e Gregório de Nissa - produzidos no final do século IV.

A analogia que esses escritores usam para descrever a Trindade tem a virtude da simplicidade. Podemos imaginar três seres humanos. Cada um deles é distinto; entretanto, eles compartilham da mesma humanidade. O mesmo ocorre com a Trindade: existem três pessoas distintas, entretanto, com uma natureza divina em comum. Ao final, essa analogia conduz diretamente a um triteísmo moderado. Contudo, o tratado no qual Gregório de Nissa desenvolve essa analogia é, na verdade, intitulado [Não há três deuses], sugerindo enfaticamente que via essa analogia como algo que refutava precisamente a posição que a ele próprio era atribuída por seus críticos! Gregório de Nissa, na verdade, desenvolve sua analogia com tal grau de sofisticação que enfraquece a acusação inicial de triteísmo; entretanto, mesmo um leitor mais atento fica com a impressão duradoura da existência de três entidades distintas e independentes na Trindade.

Talvez a mais clara das declarações sobre a doutrina da Trindade, encontrada no período patrístico, seja aquela estabelecida pelo Décimo Primeiro Concilio de Toledo (675). Esse Concilio, que se reuniu na cidade espanhola de Toledo, contou com a presença de apenas onze bispos, recebeu amplo crédito por haver estabelecido com clareza invejável a visão ocidental da Trindade e é sistematicamente citado nas últimas discussões medievais a respeito dessa doutrina. A seguir, apresentamos a explicação do Concilio em relação às palavras “Trindade” e “Deus”, que enfatiza a importância dos relacionamentos no seio da Trindade.

Conforme a conclusão do Concilio, esse é o modo de falar sobre a Santa Trindade: não se deve falar ou crer na existência de algo tríplice (triplex), porém, em uma “Trindade”. Também não é adequado dizer que em um Deus exista uma Trindade; antes, um único Deus é a Trindade. A respeito dos nomes que recebem, a designação atribuída expressa o fato de que o Pai relaciona-se com o Filho, o Filho com o Pai, e o Espírito Santo com ambos. Embora sejam designados como três pessoas, tendo em vista seus relacionamentos, nós acreditamos em uma única natureza ou substância. Embora professemos a existência de três pessoas, não professamos a existência de três substâncias, mas de uma substância e três pessoas. Pois o Pai é Pai não em relação a si mesmo, mas em relação ao Filho; e o Filho é Filho não em relação a si mesmo, mas em relação ao Pai; e da mesma maneira, o Espírito Santo não se refere a si mesmo, mas se relaciona ao Pai e ao Filho, pois é chamado o Espírito do Pai e do Filho. Assim, quando usamos a palavra “Deus”, ela não exprime um relacionamento com outra pessoa da Trindade, como o do Pai com o Filho, ou do Filho com o Pai, ou do Espírito Santo com o Pai e com o Filho, mas exprime a “Deus”, que se refere somente a ele mesmo.

CONTROVÉRSIA DO FILIOQUE

O Filioque é uma cláusula adicionada ao Credo Niceno-Constantinopolitano em sua versão latina, pelo Terceiro Concílio de Toledo (589), na Espanha. Enquanto o Credo afirmava que o Espírito Santo “procede do Pai”, o Concílio de Toledo adicionou a cláusula “e do Filho” (filioque, em latim), para afirmar a dupla procedência do Espírito Santo, do Pai e do Filho.

Agostinho foi o primeiro a ensinar explicitamente que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho.[55] Leão Magno, o bispo de Roma que influenciou grandemente o Concílio de Calcedônia, em 451, incluiu a dupla procedência como parte da doutrina católica da Trindade em uma carta enviada a um bispo na Espanha, em 447. Por causa da ameaça do arianismo na Espanha, no intuito de evitar qualquer subordinacionismo do Filho ao Pai, a cláusula Filioque foi adicionada em algumas liturgias e adotada por alguns concílios locais, e finalmente pelo Terceiro Concílio de Toledo.

No Oriente, João de Damasco (675-749), considerado o último pai da Igreja Oriental, escrevendo no ano 745, nega a dupla procedência, aparentemente não tendo conhecimento da cláusula Filioque adicionada ao Credo. Segundo João de Damasco, em sua obra A Fé Ortodoxa, a geração do Filho e a procedência do Espírito Santo são logicamente simultâneas, de modo que o Espírito procede somente do Pai. Porém, o Espírito procede do Pai e repousa no Filho (como no batismo de Jesus), e assim o Espírito é comunicado através do Filho.[56]

No final do século VIII, sob a influência de Carlos Magno, o Filioque foi aceito pela Igreja dos francos, mas o papa Leão III não o incluiu no Credo, apesar de o ter declarado ortodoxo. Quando Fotius, o patriarca de Constantinopla (858-867, 880-886), tomou ciência, através de alguns missionários francos que evangelizavam a Bulgária, da inclusão do Filioque no Credo por grande parte da Igreja Ocidental, ele denunciou o papa e o Ocidente como heréticos. Fotius, em sua obra Mystagogia do Espírito Santo, argumenta que as propriedades pessoais na Trindade são incomunicáveis e singulares. Dessa forma, se o Pai é aquele do qual o Espírito Santo procede, o Filho não pode compartilhar dessa propriedade pessoal, sob o risco de ser confundido com o Pai, o que é modalismo. Por outro lado, as características comuns dentro da Trindade pertencem à essência divina e, portanto, são comuns às três pessoas, de modo que excluir o Espírito Santo de uma característica comum ao Pai e ao Filho equivale a negar a divindade do Espírito. Além do mais, o Filioque subverte a monarquia do Pai e subordina o Espírito Santo ao Filho, duas coisas inconcebíveis no Oriente. Para Fotius, portanto, o Espírito Santo procede “somente” do Pai, ainda que na economia da redenção o Espírito seja enviado pelo Pai através do Filho.[57]

No ano 1014, o Filioque foi finalmente incluído na versão romana do Credo, sob o papado de Benedito VIII. Esse foi um dos principais motivos que levaram a Igreja ao chamado Grande Cisma, em 1054, quando o papa de Roma e o patriarca de Constantinopla excomungaram um ao outro, dando origem a duas Igrejas: a Romana, no Ocidente, e a Grega, no Oriente.[58]

Anselmo de Cantuária (1033-1109), na obra A procedência do Espírito Santo contra os gregos, tratou da questão do Filioque, a pedido do papa Urbano II. Anselmo argumenta que, assim como o fato do Filho ser gerado do Pai não o faz menor que o Pai, assim o fato de o Espírito Santo proceder também do Filho não o faz menor que o Filho. A dupla procedência não confunde o Pai com o Filho, pois as três pessoas continuam distintas umas das outras: o Pai é o único que não existe a partir de outro e a partir de quem existem outros dois; o Filho é o único que existe a partir de um outro e a partir de quem existe um outro; o Espírito Santo é o único que existe a partir de outros dois e a partir de quem nenhum outro existe. Anselmo também não concorda com a diferença feita por Fotius entre a missão temporal e a procedência eterna do Espírito, ou entre a Trindade econômica e a Trindade imanente. Se o Espírito é enviado pelo Filho no tempo, então Ele também procede do Filho eternamente. Ao contrário de Agostinho, Anselmo nega que o Espírito procede essencialmente ou principalmente (principaliter) do Pai, afirmando, ao invés disso, que Ele procede do Pai e do Filho por uma espiração única.

Em 1204, a Quarta Cruzada conquistou Constantinopla e a Igreja Oriental foi forçada a se unir a Roma novamente. Logo depois, em 1215, o Quarto Concílio de Latrão fez menção da dupla procedência do Espírito: “o Pai e o Filho, e o Espírito Santo que procede de ambos, são a mesma res [coisa, ser]”. Apesar de os bizantinos terem reconquistado Constantinopla em 1261, a influência do Ocidente permaneceu. Assim, sob a influência do Imperador do Oriente, Miguel VIII, a reunião das Igrejas Oriental e Ocidental foi promulgada no Concílio de Lião, em 1274, onde os gregos foram forçados a aceitar o Filioque. Nesse mesmo Concílio, a cláusula Filioque foi declarada como um dogma: “o Espírito Santo procede eternamente do Pai e do Filho, não como de dois princípios, mas de um, não por duas espirações, mas por apenas uma”.

Gregório Palamas (1296-1359), um teólogo bizantino, procurou resolver a controvérsia do Filioque fazendo uma distinção entre o nível de existência e o nível de energia em Deus. As energias de Deus são incriadas e existem na essência divina, mas não são idênticas à essência divina. Elas são manifestações existencialmente perceptíveis ou a aparência da vida tripessoal de Deus. Assim, no nível da essência ou da existência hipostática, o Espírito Santo procede somente do Pai, mas no nível da energia, Ele procede do Pai através do Filho, ou do Pai e do Filho juntos.

Diante da ameaça dos turcos otomanos, que estavam prestes a invadir Constantinopla, o Imperador do Oriente, João VIII, procurou a ajuda do Ocidente. Assim, o Concílio de Florença (1439-1442) foi convocado, onde o Filioque foi novamente abordado. Por causa da admissão do Filioque, pelo menos em um sentido, por parte de Gregório Palamas, os gregos concordaram com a Igreja do Ocidente de que as expressões “procede do Filho” e “procede através do Filho” eram idênticas.

Porém, o bispo de Éfeso, Marcos, não concordou com essas decisões, entendendo claramente que os gregos só admitiam o Filioque no nível da energia, e não no da existência hipostática. Finalmente, pouco tempo depois, em 1453, os turcos conquistaram Constantinopla, e a Igreja do Oriente reconstituída abandonou a união declarada no Concílio de Florença, tornando definitivo o antigo cisma de 1054.

Desse modo, a controvérsia em torno da cláusula Filioque permaneceu sem uma solução. Porém, outros temas trinitários foram abordados no período da Igreja Medieval, especialmente no Ocidente, entre os chamados escolásticos.

Oriente e Ocidente

As diferenças entre Oriente e Ocidente com respeito à doutrina da Trindade estão relacionadas com uma dificuldade em reconhecer que a unidade da essência e a diversidade das pessoas são igualmente fundamentais em Deus. Essas diferenças podem ser assim sumarizadas:




Essas diferentes perspectivas sobre a doutrina da Trindade entram em choque na chamada “controvérsia do Filioque”, onde Oriente e Ocidente se dividem em torno de uma questão específica: se o Espírito Santo procede apenas do Pai, ou também do Filho.

A TRINDADE NA REFORMA

João Calvino

Calvino dedica um capítulo inteiro de sua obra As Institutas à doutrina da Trindade.[1] Em sua visão sobre a Trindade, ele recebe influência não apenas do Ocidente, cuja formulação clássica da doutrina se encontra em Agostinho, mas também do Oriente, especialmente dos Pais Capadócios, entre eles Gregório Nazianzeno.[2] [3]

A principal contribuição de Calvino para a doutrina da Trindade é a sua defesa da autoexistência (a se ipso esse) ou asseidade (aseitas) do Filho (e do Espírito), isto é, de que o Filho (e o Espírito) é Deus de Si mesmo (AUTOTHEOS).

Portanto, afirmamos que a Deidade, em acepção absoluta, existe em si mesma, do que confessamos que também o Filho, até onde é Deus, existe por si mesmo, distinguida a acepção de pessoa; mas, até onde ele é o Filho, afirmamos que procede do Pai. Consequentemente, sua essência carece de princípio; da pessoa, porém, Deus mesmo é o princípio.

Essa afirmação da autoexistência do Filho, em Calvino, não significa apenas que a essência do Filho, que é a mesma do Pai, é sem princípio, pois isso já fazia parte da doutrina ortodoxa da Trindade. Essa afirmação de Calvino também significa que o Filho não recebe a Sua essência do Pai por comunicação, mas a possui de Si mesmo: “Ora, todo aquele que afirma que o Filho recebeu do Pai a essência nega que ele tenha autoexistência”.[4] Em outras palavras, para Calvino, o Filho não apenas é o Deus essencialmente autoexistente, mas Ele também é Deus autoexistentemente. Autoexistência não é apenas um adjetivo, que descreve a essência divina no Filho como “autoexistente”, mas também um advérbio, que descreve o modo pelo qual o Filho possui a essência divina, “autoexistentemente” ou de Si mesmo.[5]

Ao afirmar a autoexistência do Filho, Calvino não nega Sua geração eterna, como foi acusado por Caroli e pelos pastores de Neufchâtel.[6] Pelo contrário, para Calvino, “ele é o Filho de Deus, porque é a Palavra gerada pelo Pai antes de todas as eras”. O que Calvino nega é que a geração envolva comunicação de essência, o que foi assumido na doutrina clássica da geração, especialmente na Igreja Medieval. Assim, para Calvino, na geração, o Pai é o princípio apenas da pessoa do Filho e não da Sua essência.

Desse modo, Calvino distingue entre dois modos de predicação em Deus, essencial e relacional, nenhum dos quais pode ser confundido:

“quando professamos crer em um só e único Deus, pelo termo Deus entende-se uma essência única e simples, em que compreendemos três pessoas sem especificação, designam-se não menos o Filho e o Espírito que o Pai; quando, porém, o Filho é associado ao Pai, então se interpõe a relação, e com isso fazemos distinção entre as pessoas”.[7]

Por outro lado, a afirmação de comunicação de essência na geração, feita pelos inimigos de Calvino, confunde os dois modos de predicação, atribuindo uma predicação relativa ou comparativa à essência divina,[8] e, assim, fundamentando a unidade do Pai e do Filho na distinção entre ambos, pois o Filho seria Deus com o Pai (unidade) por ter sido gerado por Ele (distinção). Em última análise, a comunicação de essência faz a diversidade de Deus mais fundamental do que Sua unidade, razão pela qual Calvino a negou, afirmando a autoexistência do Filho.

Em outros aspectos da doutrina da Trindade, Calvino segue basicamente a formulação clássica. A ênfase de Calvino é posta nas pessoas divinas, ao invés de na essência divina abstratamente considerada, o que o afasta das especulações próprias dos escolásticos e o aproxima da teologia oriental.[9] Por outro lado, Calvino define uma pessoa como “uma subsistência na essência de Deus que, enquanto relacionada com as outras, se distingue por uma propriedade incomunicável”.

Calvino explica essa propriedade incomunicável que distingue as pessoas em termos de o Filho ter sido gerado do Pai e o Espírito Santo proceder do Pai e do Filho, mas não se limita a essas distinções. Assim ele resume essa distinção:

Entretanto, não convém passar em silêncio a distinção que observamos expressa nas Escrituras, e esta consiste em que ao Pai se atribui o princípio de ação, a fonte e manancial de todas as coisas; ao Filho, a sabedoria, o conselho e a própria dispensação na operação das coisas; mas ao Espírito se assinala o poder e a eficácia da ação. Com efeito, ainda que a eternidade do Pai seja também a eternidade do Filho e do Espírito, posto que Deus jamais pode existir sem sua sabedoria e poder, nem se deve buscar na eternidade antes ou depois, todavia não é vã ou supérflua a observância de uma ordem, a saber: enquanto o Pai é tido como sendo o primeiro, então se diz que o Filho procede dele; finalmente, o Espírito procede de ambos.[10]

Desse modo, Calvino afirma uma ordem na Trindade em termos das relações entre as pessoas, Pai, Filho e Espírito Santo, sendo o Pai o primeiro e o princípio das demais pessoas. A dupla procedência também é afirmada, de modo que o “Espírito é dito proceder, ao mesmo tempo, do Pai e do Filho”, o que coloca Calvino, nesse aspecto, do lado do Ocidente.

Essa distinção entre as pessoas, entretanto, não contradiz a unidade de Deus, o que Calvino demonstra reafirmando a doutrina da habitação mútua das pessoas divinas (PERICORESE) de um modo semelhante ao do Concílio de Florença: “em cada uma das hipóstases se compreende, com isso, a natureza inteira, ou, seja, que subjaz a cada uma sua propriedade específica. O Pai está todo no Filho; o Filho, todo no Pai, como ele próprio também o declara: ‘Eu estou no Pai e o Pai está em mim’”.[11]

Portanto, Calvino segue basicamente a doutrina da Trindade em sua formulação clássica, mas com a importante contribuição da atribuição de autoexistência ao Filho e ao Espírito. E desse modo, afirmando a autoexistência do Filho e do Espírito juntamente com o Pai, Calvino estabelece a unidade da essência e a diversidade das pessoas como igualmente fundamentais em Deus. Entretanto, nem todos os herdeiros de Calvino seguem suas pisadas nesse aspecto.

Escolasticismo Protestante

O chamado escolasticismo protestante surge imediatamente depois do período da Reforma, com homens como Teodoro Beza (1519-1605), sucessor de Calvino em Genebra.[12] Ele pode ser definido como “teologia acadêmica, identificada pela cuidadosa divisão dos temas e definição das partes componentes e pelo interesse em impelir questões lógicas e metafísicas levantadas pela teologia para respostas racionais”.[13] Além disso, a teologia desse período pode ser descrita como “ortodoxia confessional mais rigorosamente definida em seus limites doutrinários do que a teologia dos reformadores primitivos, mas, ao mesmo tempo, mais ampla e mais diversificada no emprego de material de tradição cristã, particularmente do material fornecido pelos doutores medievais [em teologia]”.

Nesse período, existem, entre os protestantes, cinco abordagens diferentes quanto à autoexistência do Filho (e do Espírito), algumas das quais com sua origem no tempo da Reforma. A primeira delas é a própria abordagem de Calvino, que é seguida por homens como Trelcatius e Maccovius. Trelcatius expressa essa abordagem, afirmando que, no ato do Pai gerar o Filho, “a primeira pessoa dá à segunda, não essência absoluta – pois isso, com respeito a esta pessoa, é a seipsa e ele é AUTOTHEOS – mas modo de ser, de uma maneira incompreensível que as Escrituras chamam de geração”. Maccovius, semelhantemente, afirma: “O Filho é do Pai com respeito ao modo de subsistência na essência, não com respeito à essência. É uma excelente distinção entre os teólogos, onde é dito que o Filho não é AUTONIOS [Filho de si mesmo], mas AUTOTHEOS”.[14] Para Maccovius, o Filho é gerado intraessencialmente, não por “uma emanação para fora do Pai, mas por uma geração imanente”.[15] Entretanto, esse entendimento da autoexistência do Filho, que é o do próprio Calvino, não tem muitos adeptos nesse período.

As outras quatro abordagens compartilham de um pensamento comum, não seguido por Calvino: afirmar ou negar a geração implica em afirmar ou negar a comunicação de essência. Essas abordagens se dividem em dois grupos de duas: o daquelas que negam a autoexistência do Filho – a abordagem dos católicos e luteranos e a abordagem dos remonstrantes - e o daquelas que afirmam a autoexistência do Filho – a abordagem de Röell e seus seguidores e a abordagem da corrente reformada principal.[16]

A última abordagem é a da corrente reformada principal, que afirma ao mesmo tempo a autoexistência do Filho e a comunicação da essência do Pai ao Filho na geração, sendo, assim, a única abordagem que não vê essas duas posições como contraditórias. Isso é possível porque, nessa abordagem, a autoexistência é entendida de um modo diferente do de Calvino, envolvendo apenas uma independência essencial externa: todos os atributos essenciais do verdadeiro Deus podem ser predicados do Filho e o ser do Filho não é criado ou causado. Assim, a autoexistência é apenas relacionada com o que é gerado na geração – a subsistência ou a essência – e não com o como da geração – se há ou não comunicação da essência.

Sucessores de Calvino na Academia de Genebra, como Teodoro Beza e François Turretini (1623-1687), adotam essa posição. Turretini afirma sobre a autoexistência do Filho:

Embora o Filho proceda do Pai, pode ser chamado Deus de-si-mesmo (autotheos), não com respeito à sua pessoa, mas sua essência; não relativamente como Filho (pois assim ele procede do Pai), mas absolutamente como Deus, visto que ele possui a essência divina nele mesmo, não dividida ou produzida de outra essência (mas não como tendo aquela procedente de si mesmo). Assim o Filho é Deus de si mesmo, embora o Filho não seja de si mesmo.[17]

Portanto, a abordagem da corrente reformada principal é, na prática, a mesma da dos católicos e luteranos. A diferença entre as duas é apenas terminológica, pois os reformados usam o novo termo “autoexistência”, não usado nesse sentido por católicos e luteranos, para expressar aquilo que Lombardo e o Quarto Concílio de Latrão já haviam definido, ao afirmar que a essência não gera, não é gerada e nem procede.

A abordagem da corrente reformada principal, como está implícito no nome, é seguida pela grande maioria dos reformados, inclusive por puritanos como William Perkins (1558-1602), Thomas Goodwin (1600-1680), Edward Leigh (1603-1671) e John Owen (1616-1683). Menos de dois séculos depois, a doutrina da Trindade entra em um período de declínio, com dois dos pais do liberalismo teológico.

TRINDADE NA TEOLOGIA LIERAL

O liberalismo teológico, um movimento do século XIX com origem na Alemanha, é “o esforço no sentido de reformular a fé cristã em harmonia com o iluminismo, e a partir das perspectivas do iluminismo”.[18] O iluminismo, por sua vez, é um movimento do século XVIII que focaliza “a total competência da razão e sua autoridade sobre a tradição ou a fé, a uniformidade da natureza em vez do controle e das intervenções sobrenaturais e o progresso inevitável da humanidade pela educação, razão e ciência”.[19] Com essa influência recebida do iluminismo, o liberalismo teológico nega ou reinterpreta as principais doutrinas do Cristianismo, como a inspiração das Escrituras, a transcendência de Deus, a divindade de Cristo, os milagres (inclusive o nascimento virginal e a ressurreição), o pecado, a expiação, a justificação, o inferno, etc.[20] Entretanto, na raiz dessa reformulação da fé cristã está uma visão diferente da própria doutrina da Trindade imanente, a qual pode ser percebida em dois dos pais do liberalismo teológico: o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e o teólogo luterano alemão Friedrich Schleiermacher (1768-1834).

Hegel é responsável por desenvolver um pensamento trinitário conhecido como “dialética de Hegel”. Nesse pensamento, quando uma coisa (tese) se encontra com sua oposta (antítese), as duas entram em conflito e produzem uma síntese, diferente e superior àquelas que lhe deram origem. Essa síntese, por sua vez, repete o processo, tornando-se tese que conflita com uma antítese para produzir uma nova síntese, e assim sucessivamente. Nesse pensamento, o Pai é a tese, o Filho, a antítese, e o Espírito Santo, a síntese. Assim, o Pai reage com o Filho para produzir o Espírito Santo, o qual é a suprema expressão do Deus de amor. Como, po-rém, a síntese torna a tese e a antítese redundantes, esse pensamento dá origem a uma espécie de unitarismo, onde Deus é identificado com o amor, como um conceito abstrato e impessoal, que está sempre em busca de seu oposto para alcançar uma forma de vida mais elevada. Por essa razão, Hegel entende Deus como um Espírito mundial imanente que evolui com a natureza e com a História, numa espécie de panteísmo.[21]

Schleiermacher expressa seu pensamento na sua obra A Fé Cristã (1830), onde define a religião como “nosso sentimento de dependência absoluta de Deus”.[22] Desse modo, a experiência religiosa assume um lugar de autoridade na religião, e até mesmo o lugar de Deus, pois “todos os atributos que atribuímos a Deus devem ser entendidos no sentido de denotar não algo de especial em Deus, mas somente na maneira como o sentimento de absoluta dependência deve estar relacionado a ele”. Jesus não é Deus, mas é exatamente igual em sua natureza ao resto da humanidade, com a única diferença de que “desde o início, ele tinha plena consciência de Deus”, e por isso pode-se dizer que tinha a essência divina em Si mesmo. Como resultado, a doutrina da Trindade é relegada ao final da obra de Schleiermacher, como uma espécie de apêndice, e é equiparada com os elementos divinos na união da essência divina com a natureza humana, tanto na pessoa de Cristo quanto no Espírito comum da Igreja[23].

E embora falasse de uma Trindade como “pedra de toque da doutrina cristã”, na realidade, foi completa sua marginalização. No máximo, pensava na Trindade como sumarização da união de Deus com a humanidade na personalidade de Jesus e do espírito da igreja. Todavia isso era apenas uma maneira de descrever uma experiência psicológica. O teólogo rejeitou qualquer dogma trinitário como sendo impossivelmente especulativo, e abandonou o entendimento dos credos em relação à Trindade, pois não aceitava as distinções eternas dentro do “Ser Supremo”.[24]

NEO-ORTODOXIA KARL BARTH

Em sua reação ao liberalismo, Barth coloca a doutrina da Trindade no início da Dogmática Eclesiástica, em claro contraste com Schleiermacher. Para Barth, a Trindade é a primeira coisa a ser dita antes mesmo de a revelação ser uma possibilidade. Ela sustenta e garante a realidade da revelação divina à humanidade pecaminosa e torna possível a Teologia Dogmática. Assim, a revelação não é a base da Trindade, mas da doutrina da Trindade.[25]

Barth entende que a doutrina da Trindade está envolvida na sentença “Deus fala” ou “Deus revela a si mesmo”. Deus é a própria revelação de Deus: “Deus se revela. Ele se revela por intermédio de si mesmo. Ele se revela a si mesmo”. Ele é, ao mesmo tempo, o revelador (aquele que se revela), a revelação (o ato da revelação) e a revelatura (o conteúdo ou efeito da revelação) ou, em outras palavras, o sujeito, o predicado e o objeto da revelação. Assim, dentro dessa estrutura revelacional, o Pai é o revelador, o Filho, a revelação, e o Espírito Santo, a revelatura, e os três são o único Deus: “Esse único Deus é Deus três vezes de diferentes modos, tão diferente que é somente nessa diferença tripla que ele é Deus”.[26]

Duas questões importantes estão envolvidas nessa doutrina trinitária de Barth. A primeira delas é a respeito de quantos sujeitos existem na Trindade. Antes de escrever sua Dogmática Eclesiástica, em palestras proferidas entre 1924 e 1925, Barth afirmou a existência de três sujeitos na Trindade, combatendo o modalismo. Porém, em sua Dogmática Eclesiástica, ao falar sobre o sujeito, predicado e objeto da revelação, Barth afirma a existência de apenas um sujeito, que é entendido por alguns como o Pai, por outros, como a essência divina, e por outros, como a ordem de uma repetição de um único sujeito divino. Barth defende um único sujeito na Trindade para combater o triteísmo, mas, por conta disso, é acusado por alguns de ser modalista.[27]

Isso leva a uma segunda questão, quanto à viabilidade de se utilizar o termo “pessoa” para expressar a triplicidade de Deus. Barth não gosta do termo “pessoa”, porque o conceito moderno do termo envolve um centro de autoconsciência, o que, se aplicado a Deus, implicaria em triteísmo, segundo Barth. Ao invés de “pessoa”, Barth prefere falar de “modo (ou maneira) de ser”, para expressar o mesmo que o termo “pessoa” expressa no trinitarianismo clássico. No entanto, isso também contribui para que a sua doutrina da Trindade seja vista por alguns como modalista ou, no mínimo, como tendo uma tendência ao modalismo. De fato, Barth faz a unidade da essência mais fundamental em Deus do que a diversidade das pessoas.

Barth também é considerado o pioneiro da ênfase no que hoje se está denominado a “Trindade social”. Na própria Divindade, os três modos ou pessoas existem num relacionamento eterno, dinâmico e “social” uns com os outros. É importante o fato de que essa realidade comunitária encontra eco nos relacionamentos dinâmicos e sociais dos seres humanos.[28]

Jürgen Moltmann

Jürgen Moltmann (1926-), professor de Teologia Sistemática na Universidade de Tübingen, na Alemanha, expressa sua doutrina da Trindade especialmente na sua obra A Trindade e o Reino (1980). Nela Moltmann assume a Regra de Rahner, o que o leva a defender uma espécie de panenteísmo, onde Deus depende da criação e é afetado por ela:

O amor com o qual Deus criativamente e de modo sofredor ama o mundo não é diferente do amor que ele próprio é na eternidade [...] A criação é uma parte do eterno caso de amor entre o Pai e o Filho. Ela brota do amor do Pai pelo Filho e é redimida pelo amor responsivo do Filho pelo Pai [...] Desde a eternidade Deus desejou não apenas a si mesmo, mas também o mundo, pois ele não quis meramente comunicar-se a si mesmo; ele quis também comunicar-se àquele que é outro além dele. É por isso que a ideia do mundo já é inerente no amor do Pai pelo Filho. O eterno Filho de Deus está intimamente relacionado à ideia divina do mundo.[29]

Influenciado pela teologia oriental, Moltmann adota o que é conhecido como analogia social da Trindade, onde a Trindade é entendida como uma família e sua unidade é entendida em termos da habitação mútua das pessoas divinas, e não de uma essência divina comum: “seu ‘fundamento primário transcendente’ não pode ser visto como encontrando-se na una, única e homogênea essência divina (substantia), ou no sujeito idêntico e absoluto. Ele, então, encontra-se na eterna pericorese do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

Mais especificamente, Moltmann vê a unidade do Deus triuno em três aspectos, cada um deles com um foco em uma das três pessoas. No aspecto da constituição da Trindade, o Pai é a origem sem origem do Filho e do Espírito, de modo que o Pai forma a unidade monárquica da Trindade. No aspecto da vida interior trinitária, as próprias três pessoas formam sua unidade por causa da sua habitação mútua, e elas estão concentradas em torno do Filho. Finalmente, no aspecto da transfiguração e iluminação mútua da Trindade na glória eterna da vida divina, essa transfiguração e iluminação procedem do Espírito Santo. Assim, “A unidade da Trindade é constituída pelo Pai, concentrada em torno do Filho e iluminada por meio do Espírito Santo”.

Quanto à ordem existente entre as pessoas da Trindade, Moltmann também traz inovações. Ele percebe três diferentes ordens em diferentes momentos da história da redenção:

No envio, entrega e ressurreição de Cristo nós encontramos esta sequência: Pai – Espírito – Filho. No senhorio de Cristo e envio do Espírito a sequência é: Pai – Filho – Espírito. Mas quando nós estamos considerando a consumação e glorificação escatológicas, a sequência deve ser: Espírito – Filho – Pai.

Isso porque, no envio, entrega e ressurreição de Cristo, o Pai é o ator, o Espírito é o meio e o Filho é o receptor; no senhorio de Cristo e envio do Espírito, Pai e Filho são atores e o Espírito é o receptor; e na consumação, o Espírito e o Filho são atores e o Pai é o receptor, pois o Espírito glorifica ao Pai por meio do louvor de todos os seres criados que foram libertados pelo governo de Cristo, e o Filho transfere o reino ao Pai e se sujeita a Ele.

Moltmann vê o termo “pessoa” como problemático, pois aplica um mesmo conceito ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Para ele, “As ‘três pessoas’ são diferentes, não meramente em suas relações umas com as outras, mas também com respeito ao seu caráter como pessoas, mesmo que a pessoa deva ser entendida em suas relações e não à parte delas”. Por exemplo, ele entende que o Espírito Santo não é uma pessoa no mesmo sentido que o Pai e o Filho, e nem o Filho é uma pessoa no mesmo sentido que o Pai. Assim, ele sugere que, “Se queremos nos manter específicos, devemos usar um conceito diferente em cada caso ao aplicar a palavra ‘pessoa’ ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”.

Finalmente, Moltmann faz uma tentativa de solucionar a controvérsia do Filioque. Em favor do Oriente, Moltmann concorda que o Espírito procede somente do Pai e que não se deve acrescentar a essa fórmula o Filioque. Porém, assim como o Ocidente, Moltmann está preocupado em afirmar algum tipo de relação eterna entre o Filho e o Espírito. Moltmann encontra essa relação no fato de que o Pai não é Pai do Espírito, mas do Filho, de modo que a procedência do Espírito a partir do Pai pressupõe, “primeiro, a geração do Filho; segundo, a existência do Filho; e terceiro, o relacionamento mútuo do Pai e do Filho”. Moltmann desenvolve esse raciocínio do seguinte modo:

O Filho é a pressuposição lógica e a condição real para a procedência do Espírito a partir do Pai; mas ele não é a origem do Espírito, como o Pai é. A procedência do Espírito a partir do Pai deve, portanto, ser essencialmente distinguida da geração do Filho através do Pai, e ainda assim, está conectada com aquela geração relacional-mente. E se o Espírito Santo não procede do Pai somente porque ele é a fonte da Deidade, mas porque ele é o Pai do Filho unigênito, então ele, afinal, é emitido de fato a partir da paternidade de Deus, o que quer dizer a partir do relacionamento do Pai com o Filho.[30]

Moltmann prossegue explicando em que consiste exatamente a relação do Espírito com o Pai, por um lado, e com o Filho, por outro: o Espírito “procede” do Pai e “recebe” do Filho, eternamente. Isso significa que o Espírito Santo “tem do Pai sua existência (hypostasis, hyparxis) divina e perfeita e recebe do Filho sua forma relacional (eidos, prosopon)”. Desse modo, “a procedência hipostática do Espírito a partir do Pai deve ser claramente distinguida da sua forma pericorética e relacional com respeito ao Pai e ao Filho“. Moltmann conclui com a seguinte interpretação do Credo Niceno: “O Espírito Santo, que procede a partir do Pai do Filho, e que recebe sua forma a partir do Pai e do Filho”.

Enfim, a teologia trinitária de Moltmann, com sua ênfase na diversidade das pessoas, torna a unidade de Deus periférica, abrindo as portas para o triteísmo.

Trindade Social de Leonardo Boff.

A existência humana se expresse a partir do paradigma da Trindade. Isto é, a relação entre as pessoas da Trindade pode inspirar o estabelecimento de paradigmas para as relações humanas. Boff unifica a Trindade Social de Barth e socialista de Moltmann para desenvolver sua teoria trintária.

A Trindade é uma família. É a primeira família existente. Pai, Filho e Espírito Santo existem numa profunda relação de amor. Então, a Trindade constitui-se como um modelo de família. A família trinitária existe em amor, em respeito, em cuidado, em serviço e em disposição mútuos. Existe em perfeita comunhão. Por isso, a Trindade torna-se um paradigma familiar. Ela é a utopia possível da família humana. Sobre essa família, Boff (2009, p.70) diz: Na família temos uma imagem, das mais ricas, da Santíssima Trindade. Primeiramente existem os três elemento: pai-mãe-criança. Em seguida há a distinção das pessoas. Uma não é a outra. Cada qual tem a sua autonomia e sua tarefa própria. Entretanto, estão relacionados por laços vitais e fortes, como o amor. Há uma só comunhão de vida. Por isso, permanecendo três, formam uma só família. A unidade da família é semelhante àquela da Santíssima Trindade. A unidade é expressão do amor, da saída de cada Pessoa na direção da outra, da comunhão da mesma vida.[31]

O Paradigma social é formada pelas relações humanas, por suas organizações, divisões de tarefas e de poder, produções, construções, etc.. Portanto, a sociedade diz respeito ao ser humano e à sua manifestação como coletividade. A Trindade, por sua vez, existe numa relação de três pessoas distintas: Pai, Filho e o Espírito Santo. Contudo, ambas formam o todo denominado “Trindade”. Logo, em perfeição, a Trindade pode ser paradigma de sociedade.

Boff explica desta forma: A comunhão entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, constituindo um só Deus, é um mistério de inclusão. As três divinas Pessoas se abrem para fora e convidam as pessoas humanas e todo o universo a participarem de sua comunidade e de sua vida. Jesus o disse muito bem: “Que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que eles estejam em nós” (Jo 17,21). A presença da comunhão trinitária na história permite que se superem todas as barreiras que transformam as diferenças em desigualdades e discriminações (...) no nível social “todos são um só coração e uma só alma” (At 4,32).[32]

Este é o paradigma de sociedade inspirado pela Trindade, um paradigma marcado pela inclusão de todos, pela possibilidade de participação do diferente, pelo nivelamento entre os seres humanos. Tal paradigma, ao ser experimentado, vai ao encontro do anseio humano. Neste momento Boff exalta mais a comunhão do que os princípios desta Trindade.

No Paradigma eclesiástico Boff argumenta “A volta a uma compreensão radicalmente trinitária de Deus ajudaria a Igreja a superar o clericalismo e o autoritarismo ainda vigentes nos comportamentos eclesiásticos. O desafio para a estrutura da Igreja não é propriamente a secularização nem a politização da fé; estes são riscos menores; o verdadeiro desafio para o tipo atual de instituição que concentra ainda demasiado poder no clero é a vivência da fé trinitária, da fé comunhão entre distintos, formando uma comunidade viva e aberta.[33]

O paradigma eclesiástico inspirado pela Trindade considera a comunhão, a participação, a abertura, a diversidade, a unidade, a igualdade e a co-responsabilidade. Consequentemente, a Igreja é convidada a se deixar inspirar novamente pela Trindade.

Sobre este aspecto Boff conclui que “Quanto mais a Igreja beber de sua fonte eterna que é a comunhão trinitária, pela qual os três Distintos se unificam e são um só Deus, tanto mais ela superará as divisões internas, deixará de ser clerical e laical e se transformará num espaço de relações igualitárias num Povo de Deus, de verdadeiros irmãos e irmãs no serviço do Reino da Trindade.”

O Paradigma escatológico Boff explica que “Haverá um momento na história quando se manifestará a realidade de Deus assim como ela é e pode ser captada dentro dos limites da criatura humana? Haverá sim. A antecipação disso já a tivemos com a encarnação do Filho e a vinda do Espírito Santo (...) Quer dizer, uma parte de nossa história virou história da Trindade. Agora a história em sua totalidade vai ser história trinitária. (...) A criação para sempre estará unida ao mistério da vida, do amor e da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo. (...) É a festa dos redimidos. É a dança celeste dos libertos. É o convívio dos filhos e filhas na pátria e no lar da Trindade com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Na criação trinitarizada brincaremos e louvaremos. Louvaremos e amaremos a cada uma das divinas Pessoas e a comunhão entre todas elas. E seremos por elas convidados a amar e a louvar, a brincar e a cantar, a bailar e a adorar pelos séculos dos séculos”[34]

Esta Escatologia Trinitária não se comporta uma intervenção pessoal de Deus, mas sim na consciência social de Deus, e de submeter a estre Deus, que não é discriminatório, mas sim inclusivo, unificará a humanidade em sua pluralidade e relatividade simultaneamente.

Em seu Paradigma político Boff entende que toda sociedade existe relações de poder. Quando se concebe essas relações de poder entra-se no campo da política. “Pela política criamos as relações humanas e projetamos as instituições necessárias para fazer funcionar a sociedade, para satisfazer as necessidades materiais, espirituais e culturais das pessoas.”[35] Assim sendo, como parte tão significativa da expressão social, a política também pode ser inspirada pela Trindade. Aqueles que consideram a Trindade como paradigma político, terão seus pressupostos e ações políticas completamente transformados.

Boff argumenta que Houve gente que outrora dizia: como existe um só Deus no céu, deve existir também um só chefe na terra. Assim surgiram reis, líderes e chefes políticos que dominavam sozinhos seus povos, com a alegação de que imitavam Deus no céu. Deus sozinho governa e dirige o mundo, sem dar explicações a ninguém. O totalitarismo político criou, do lado dos líderes, a prepotência, e, do lado dos liderados, o submetimento. Os ditadores pretendem saber sozinhos o que é melhor para o povo. Só eles querem exercer sozinhos a liberdade. Todos os demais devem acatar suas ordens e obedecer. A maioria dos países são herdeiros de uma compreensão assim do poder. Ela foi introjetada na cabeça do povo. Por isso é difícil aceitar a democracia, na qual todos exercem liberdade e todos são filhos de Deus.[36]

Neste argumento Boff comete diversos equívocos, históricos e ideológicos, tentando combater a ditadura cai no equívoco de que os sistemas modernos mais ditatoriais foram os socialistas. É claro que desejamos um sistema político democrático e participativo.

Contrapondo os modelos capitalista e socialista, Boff diz: O capitalismo se assenta sobre o indivíduo e seu desempenho pessoal sem ligação essencial com os outros e a sociedade. No capitalismo, os bens são apropriados privadamente com a exclusão das grandes maiorias. Valoriza-se a diferença, em prejuízo da comunhão. No socialismo se valoriza a participação de todos (...) O mistério trinitário acena para formas sociais onde se valorizam todas as relações entre as pessoas e as instituições, de forma igualitária, fraterna e respeitadora das diferenças. Só assim superar-se-ão as opressões e triunfarão a vida e a liberdade.[37] Boff corretamente alicerça o individualismo capitalista, mas torna equivocado o socialismo como modelo de uma Trindade Social Política, ele perde uma oportunidade de trazer uma proposta nova política.

Trindade Karl Rahner

Se preocupou com o desenvolvimentos teológicos quanto à Trindade ontológica (ou imanente) e à Trindade econômica. Um dos axiomas mais importantes para a realização de uma teologia trinitária foi formulado por Karl Rahner, sendo conhecido como a Regra de Rahner: “A Trindade ‘econômica’ é a Trindade ‘imanente’, e a Trindade ‘imanente’ é a Trindade ‘econômica’”. Com base nesse axioma Rahner defendeu, referindo-se especificamente à encarnação, que o Logos, o Filho de Deus, era a única pessoa da Trindade que poderia ter se tornado um homem; nem o Pai nem o Espirito poderiam ter se tornado encarnados. Se a tese de que “toda pessoa divina pudesse se tornar homem” fosse verdadeira, argumentou Rahner, “o caos seria instaurado na teologia”.

O sentimento que percebemos na Igreja contemporânea é o de que a doutrina da Trindade pertence ao passado religioso e tem muito pouco a dizer ou contribuir com as questões que a Igreja enfrenta. A impressão que dá é a de que se trata de uma doutrina que faz parte de um universo abstrato da teologia, e de que só interessa àqueles teólogos e filósofos especuladores de assuntos absolutamente irrelevantes à realidade concreta da vida. Karl Rahner, teólogo católico, afirma que “se a doutrina da Trindade for considerada falsa, a maior parte da literatura religiosa permanecerá inalterada”.

Pois para Rahner é perfeitamente empírico, o que permite compreender o papel da história categorial de Jesus como ponto de partida do conhecimento de Deus. Ora isso exige, simultaneamente, o (re-)conhecimento de Deus como uni-trino. Não é a revelação de Deus em Jesus Cristo que torna o Deus trino condição do ser; mas é ela que permite o conhecimento dessa realidade. Se assim não fosse, não seria conhecimento de  Deus. A abertura transcendental da teologia será, então e ao contrário do que frequentemente se afirma, aquilo que “não limita a priori as possibilidades e a amplitude de uma revelação”; nem a limita a posteriori, como seria talvez o caso, se essa revelação fosse simplesmente categorial ou particular. Isso porque, nas palavras do próprio Rahner, “existe um termo intermédio entre a dedução a priori e a mera recolecção a posteriori do factos arbitrários: é o conhecimento de que o experimentado a posteriori é algo transcendentalmente necessário e não mera facticidade. Se se concebe esta necessidade de maneira formal, torna-se legítima a tentativa de procurar compreender esta necessidade a partir do que é conhecido a posteriori, na medida em que for possível.”

Jó na sua reflexão conceptual sobre o significado da Trindade económica, Rahner tem dificuldade em recorrer ao conceito de pessoa, porque compreende a Trindade muito mais a partir do processo do acontecer histórico do que a partir da relação inter-pessoal.

Para Rahner quando se fala em três pessoas, em Deus, corre-se o risco de se aplicar um conceito unívoco – precisamente o conceito de pessoa – a três diferentes modos de ser. Ora, o que marca a diferença dessas três hipóstases – a que chamamos Pai, Filho e Espírito – é precisamente a impossibilidade de reduzir a sua diferença a um denominador comum, como conceito comum a todos. Assim, se o conceito de pessoa pretende exprimir a diferença entre Pai, Filho e Espírito, não o podemos aplicar, como conceito geral, comum a essas diferenças. “Quando dizemos «em Deus há três pessoas, Deus subsiste em três pessoas», generalizamos e somamos precisamente o que não pode somar-se…” Em realidade, deveríamos dizer sempre que Deus uni-trino é Pai, Filho e Espírito – e nada mais. Dizer que é um em três pessoas é já pressupor que os três são pessoas de igual modo. Nesse caso, seríamos realmente modalistas, pois concentraríamos no conceito de pessoa a essência tripartida de Deus, sendo o Pai, o Filho e o Espírito simples modos pessoais de ser, relativos à pessoa única que é Deus.

A par deste problema formal, Rahner explora um problema de conteúdo, que se prende como desenvolvimento medieval e moderno do conceito de pessoa. Se esse conceito foi adquirindo um significado próximo ao de «indivíduo» – como centro de auto-consciência, de vontade, de iniciativa, de subjetividade – então, falar de três pessoas em Deus seria o mesmo que falar de três deuses diferentes, como diferentes subjetividades auto-realizadas em si mesmas. O «ser-em-si-mesmo» da pessoa, enquanto elemento incomunicável é identificável, acabaria por fazer do Pai, do Filho e do Espírito três divindades autónomas.

Ora, concentrando a definição da pessoa na questão da consciência subjetiva –constituidora da identidade do sujeito pessoal – Rahner acaba por considerar que, nesse sentido, Deus será simplesmente uma pessoa, pois é um único sujeito de conhecimento e de liberdade. Mas, se assim é e se, pelo que vimos a propósito da relação entre Trindade económica e Trindade imanente, a realização de Deus em conhecimento e liberdade, ou amor, é a expressão do Pai no Filho e no Espírito, então seríamos obrigados a reduzir o Deus imanente ao processo, pelo qual o Pai se conhece e se ama, ou seja, ao processo pelo qual o Pai é uma pessoa única. Nesse sentido, não poderíamos falar rigorosamente de comunicação entre Pai, Filho e Espírito, na Trindade, se não de auto-comunicação do Pai a si mesmo, segundo os modos do conhecimento e do amor, isto é, segundo os modo do Filho e do Espírito – que aqui não passariam de metáforas para realizações subjetivas do Pai, ou melhor, do próprio Deus, cuja metáfora mais adequada seria a paternidade, enquanto origem sem origem.

Neste sentido a Trindade de Rahner seria uma metáfora compreendida como amor de Pai, Filho e Espírito – no sentido de que cada um, ama o outro, com o terceiro, de um modo único e irrepetível, por isso pessoal – é a condição de possibilidade da comunicação de Deus ao ser humano e, por essa via, de salvação do mundo.

 A ORTODOXIA

A vocação da teologia trinitária é "pensar" o mistério do Pai, Filho e Espírito Santo, não de uma maneira racionalista, mas para confessar o mistério, vivê-lo, proclamar e dar conta de tudo. com os recursos da inteligência humana guiada pela fé, tanto para o bem dos crentes ( intellectus fidei) quanto ao diálogo com culturas religiosas ou seculares. A afirmação de um Deus em três pessoas ou hipóstases não tem outro fundamento senão a revelação e o dom de Deus na história, na pessoa de Jesus Cristo e no derramamento do Espírito Santo. A relação dos cristãos com seu Deus passa pela história concreta e singular de Jesus e pela experiência da vinda do Espírito. Por essa razão, a fé trinitária não pode ser objeto de uma reconstrução racional realizada a priori além (ou fora) da história em que Deus livremente tomou a iniciativa de se revelar. A confissão da unidade trinitária de Deus expressa essa experiência fundamental dos cristãos: Deus se revela e se entrega como é. Isso significa que, por um lado, a confissão da Trindade é uma autoridade reguladora da experiência cristã; por outro lado, é igual e indissociável a expressão de uma experiência de salvação, salvação dada no Espírito de Jesus crucificado e ressuscitado, que nos leva ao Pai.

A reflexão sobre Deus, a Trindade, deve continuar buscando uma relação frutífera entre nosso pensamento contemporâneo e as riquezas da tradição teológica patrística e medieval. Essa afirmação teológica está enraizada no fato de que a Igreja de hoje, apesar das significativas mudanças culturais, compartilha uma fé com os Pais e as medievais. Hoje, essa unidade talvez seja mais difícil de expressar do que a diversidade, mas é a unidade que nos permite apreender o valor da diversidade.

 

CONCLUSÃO:

A partir da Trindade, a humanidade pode se ver a si mesmo como um ser em relação, e é exatamente nesta relação com o outro que ele encontra sua pessoalidade. Nós somos quem somos na relação de amor que nutrimos com as outras pessoas. A doutrina da Trindade questiona o individualismo, bom como o desaparecimento do individuo em meio a uma sociedade impessoal. Para Leonardo Boff, “a concepção trinitária de Deus nos propicia uma experiência global do mistério divino. Cada ser humano se move dentro de uma tríplice dimensão: na da transcendência, da imanência e da transparência”.

Como explica Ricardo Barbosa de Souza a transcendência, o homem desloca seu olhar para cima em busca da razão primeira da sua existência. E somente nesta experiência, o Pai surge como o Deus criador que dá sentido e significado ao homem. Continuando nesta transcendência, o homem se descobre verdadeiramente humano no encontro com a Trindade. É neste encontro de amor, agostiniano, e aceitação com da trindade que desobrigamos não apenas nossa origem, mas também a fonte da qual nossa vida veio a emerge. A Trindade resgata o sentido da nossa existência a partir do mistério da criação e da aliança que ele mesmo estabeleceu com o seu povo – aliança de amor e graça, na qual o significado da vida brota da certeza e segurança do seu amor.

Na imanência dá-se o encontro do homem consigo, enquanto ser criado. Aqui, por meio da Trindade que encontramos o Filho que surge como a revelação do Pai que, na encarnação, aponta o caminho e determina a forma e o conteúdo do relacionamento com toda a criação. É o Filho em trindade que, em sua encarnação, define que toda a lei e todos os profetas se resumem num só mandamento: “Amarás pois o Senhor teu Deus de todo o coração, de toda a alma e com todo o entendimento, e ao próximo como a ti mesmo”. Ele propõe que a relação transcendente com o Pai se transforme numa relação imanente com o próximo e toda a criação. O Filho por meio da Trindade cria a possibilidade da vida no reino de Deus, junta-se a nós na tarefa da construção de um mundo onde o amor incondicional desta Trindade determina as fronteiras das relações humanas. O ser pessoa, na encarnação, não é só determinado pelo sentar-se à direita ou esquerda do Senhor em sua glória, mas em ser servo, em participar da vida do próximo, em criar os laços de amor e afeto com Cristo e com o mundo.

Por fim, temos a transparência, que nos faz perceber quem somos como também quem o outro é. É por meio da Trindade que o Espírito que, segundo o apóstolo Paulo, tira os véus e a máscara do nosso rosto para que possamos contemplar, como por um espelho, a glória do Senhor (II Coríntios 3.16-18). O ministério do Espírito é unir o transcendente com o imanente, é estabelecer a comunhão do homem com a Trindade. A Bíblia afirma que todos nós fomos “batizados num só Espírito”, e que é ele o Espírito que clama: “Aba, Pai”. Este poder do Espírito de nos irmanar pela transparência, respeitando nossas diferenças e individualidades, estabelece a comunhão do “corpo” e dá visibilidade à Igreja de Jesus Cristo.

Para os pais da Igreja, a compreensão do ser trinitário de Deus leva-nos inexoravelmente a uma nova percepção da pessoa humana. Para eles, “não existe ser verdadeiro fora da comunhão. Nada existe individualmente, concebido em si mesmo. Comunhão é uma categoria ontológica. A pessoa não pode existir fora da comunhão, mas toda a comunhão que nega ou suprime a pessoa torna-se inadmissível”. Para os pais da Igreja, que foram os pioneiros em desenvolver a teologia da pessoa a partir do próprio ser de Deus, não há nenhuma possibilidade de se desenvolver uma experiência realmente humana e pessoal fora do mistério da Igreja. Como espaço de comunhão, ela é absolutamente indispensável para o desenvolvimento do significado da pessoa. É na Igreja que a relação com Deus, com o próximo e conosco mesmos torna-se possível.

À medida que nos abandonamos nas mãos de Deus, nossa identidade passa a ser uma responsabilidade dele e não mais nossa. Eu sou quem sou, não pelo fato de não ser você, nem mesmo pela comparação que desde cedo faço em relação aos outros, mas porque sou único diante de Deus e é somente na presença dele que me descubro verdadeiramente. A partir daí, a identidade pessoal do homem não é afirmada pelo que faz ou tem, mas pelo que é na relação com o outro. É assim que a Trindade vive, é assim que as pessoas na Trindade definem sua identidade.

Deus como Trindade transcende o conceito individualístico de pessoa numa forma radical. C. S. Lewis escreveu que “aprendemos da doutrina da Santíssima Trindade que alguma coisa análoga à sociedade existe dentro do Ser divino desde toda a eternidade – que Deus é amor, não no sentido da concepção platônica de amor, mas porque nele a reciprocidade concreta de amor existe antes dos mundos, e é, por isso, compartilhada com as criaturas”.



[1] A questão trinitária foi a causa da perseguição que Calvino fez a Serveto, que levou a morte na fogueira.

[2] Crampton, W. Gary. Calvino Sobre Trindade; tradç. Felipe Sabino de Araújo Neto. http://www.monergismo.com/textos/trindade/calvino-trindade_crampton.pdf, acesso 20/12/2016.

[3] A influência é tão profunda que Calvino cita textos deste teólogo capadócio.

[4] Idem

[5] Idem

[6] Idem

[7] Institutas; 1.13, 19.

[8] Ellis.

[9] Olson.

[10] Instituta.1,17

[11] Ellis

[12] Olson

[13] Olson

[14] Ellis

[15] Ellis

[16] Olson

[17] Ellis

[18] OWEN, John. Comunhão com o Deus Trino. São Paulo: Cultura Cristã, 2010,

[19] GUNDRY, Stanley. Teologia contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.

[20] GUNDRY, Stanley. Teologia contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1987,

[21] Bray considera a posição de Hegel como semelhante à de Agostinho e até mesmo o chama de um agostiniano. A diferença entre ambos é que enquanto Agostinho entende a relação do Pai e do Filho como de harmonia, Hegel a entende como de conflito: cf. BRAY, A doutrina de Deus.

[22] GUNDRY, Stanley. Teologia contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.

[23] Idem

[24] Chester, Tim. Conhecendo o Deus trino: porque Pai, Filho e Espírito Santo são boas novas; [tradução: Elizabeth Gomes]. – São José dos Campos, SP : Fiel, 2016, p. 93.

[25] MCGRATH, Teologia histórica,

[26] Idem.

[27] Idem.

[28] Allison, G regg R. Teologia histórica, p 298.

[29] A Trindade em Moltmann.

[30] Idem

[31] BOFF, Leonardo. A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis: Vozes, 2009, p 70.

[32] Idem p. 95

[33] Idem p. 17

[34] Idem p. 144 e 146

[35] Idem p. 72.

[36] Idem p. 32 e 33.

[37] Idem p. 96.


[1] ERICKSON< Millard. Teologia Sitemática. Ed Vida Nova, p. 331.

[2] Novo Dicionário Bíblico

[3] MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira Teologia, espiritualidade e protestantismo. São Paulo : Editora Vida, 2014.

 

[4] TOZER, . W. O Melhor de A. W. Tozer; Estação do Livro.

[5] Unger, Merrill Frederick.Manual bíblico Unger ; tradução Eduardo Pereira e Ferreira, Lucy Yamakami. São Paulo: Vida Nova, 2006.

[6] Ryrie, Charles Caldwell. Teologia Básica -Ao alcance de todos; traduzido por Jarbas Aragão. — São Paulo: Mundo Crislão, 2004.

[7] Lorenzen, Lynne Faber. Introdução à Trindade ; tradução Euclides Luiz Calloni. São Paulo : Paulus, 2002.

[8] Louis Berkhof, Teologia SIstematica. LPC 1986), p. 86.

[9] Jonh Bright, História de Israel. (São Paulo: Edições Paulinas, 1978), p. 190.

[10] McROBERTS, Kerry D. A Santissima Trindade, in HORTON, Stanley. Teologia Sistematica, CPAD.

[11] Idem.

[12] Idem

[13] McROBERTS, Kerry D. A Santissima Trindade, in HORTON, Stanley. Teologia Sistematica, CPAD.

[14] Idem.

[15] KÕSTENBERGER, Andreas J. ; SWAIN, Scott R.. Pai, Filho e Espírito: a trindade e o evangelho de João /; tradução\ de A. G. Mendes. - São Paulo: Vida Nova, 2014, p 137.

[16] KÕSTENBERGER e SWAIN, p 138.

[17] KÕSTENBERGER e SWAIN, p 138.

[18] KÕSTENBERGER e SWAIN, p 139.

[19] MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira Teologia, espiritualidade e protestantismo. São Paulo : Editora Vida, 2014.

[20] ERICKSON, Millard J. Introdução à teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1997, p. 128.

[21] GRUDEM, Wayne A. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p.174-175.

[22] Palavra hebraica que significa “ouça”. Veio a ser a confissão de fé judaica, recitada diariamente pelos piedosos (cf. Mt 22.37-38; Mc 12.29-30; Lc 10,27).

[23] ERICKSON, 1997, p.131

[24] Erickson, 1997, p.131

[25] Erickson, 1997, p.132.

[26] Grudem, 1999, p. 167.

[27] Erickson, 1997, p.129-130.

[28] Grudem, 1999, p.172

[29] GRUDEM, p.173, 1999

[30] Grudem, 1999, p.173

[31] Espírito Santo: revelação & revolução, explorando as dimensões do Espírito Santo. Trad. Débora Faria de Melo. Belo Horizonte: Bello Publicações, 2009. p. 34.

[32] Grudem, p. 255

[33] Bavinck, A Doutrina de Deus, página 303.

[34] MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira Teologia, espiritualidade e protestantismo. São Paulo : Editora Vida, 2014.

[35] A afirmação de Tertuliano é o primeiro uso de que se tem conhecimento da palavra “Trindade” em latim (Trinitas). Ele também foi o primeiro a empregar o termo persona, ou pessoa, para se referir a cada um dos três membros da Trindade. Uma passagem bíblica fundamental para Tertuliano era João 10.30, com base na qual argumentou que ambos os sujeitos (“Eu e o Pai”) são unidos por um predicado plural (“somos”) e concluem num substantivo abstrato (“um” no sentido de substância ou essência una), e não num substantivo pessoal (“um” no sentido de“uma pessoa”).

[36] Allison, G regg R. Teologia histórica: uma introdução ao desenvolvimento da doutrina cristã; tradução de Daniel Kroker e Thomas de Lima. — São Paulo: Vida Nova, 2017, p 277.

[37] GEISLER. Norman. Teologia Sistemática, traduzido Macelo Gonçalves, Luís  Aro Maceso; 1ª Edição CPAD, 2010.

[38] idem

[39] Allison, G regg R. Teologia histórica, p. 279

[40] GEISLER. Norman. Teologia Sistemática.

[41] Orígenes, Comentário ao Evangelho de João, in Pais Anti-Niceno. Philip Schaff, 10 Vl.

[42] Podemos observar uma forte influência dos escritos petrino no pensamento de Irineu.

[43] OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2.000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida Nova, 2001.

[44] BERKHOF, Louis. A história das doutrinas cristãs. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992.

[45] Idem.

[46] MCGRATH, Alister E. Teologia histórica. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

[47] OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2.000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida Nova, 2001.

[48] MCGRATH, Alister E. Teologia histórica. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

[49] Justo L. González, Uma história do pensamento cristão. v. 1: do início até o Concílio de Calcedônia (São Paulo: Cultura Cristã, 2004), p. 317-323.

[50] Allison, G regg R. Teologia histórica, p 287.

[51] Franklin Ferreira.  Agostinho e a Santíssima Trindade.

[52] J. N. D. Kelly, Patrística: origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da fé cristã (São Paulo: Vida Nova, 2009), p. 205.

[53] Santo Agostinho, A doutrina cristã (São Paulo: Paulus, 2002), 1.5, p. 46-47.

[54] MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira Teologia, espiritualidade e protestantismo. São Paulo : Editora Vida, 2014, p. 28

[55] BERKHOF, História das doutrinas cristãs,

[56] BRAY, Gerald.. The Filioque clause in history and theology. Tyndale Bulletin, v. 34, p.91-144, 1983. Disponível em: <http://www.tyndalehouse.com/tynbul/library/TynBull_1983_34_ 04_Bray_FilioqueInHistory.pdf>.

[57] Idem

[58] OLSON, Roger E. História da teologia cristã: 2.000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida Nova, 2001


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